Em 2020, Pacote Anticrime revogou o dispositivo previsto na Lei 8072/90 que previa que no caso de condenação por crime hediondo ou equiparado o condenado deveria cumprir 2/5 da pena, se primário, e 3/5 se reincidente.
Porém, é importante fazer uma breve digressão no histórico sobre a progressão de regime de cumprimento de pena, no caso de condenação por crimes previstos no rol taxativo da Lei 8072/90.
A redação original do art. 2º da Lei dos Crimes Hediondos previa que a pena privativa de liberdade por crime previsto na lei deveria ser cumprida em regime integralmente fechado, ou seja, o condenado não poderia progredir.
Em 1997, a Lei de Tortura inovou no ordenamento jurídico dispondo que era possível que o condenado, por um dos crimes lá previstos (salvo a omissão perante a tortura) pudesse progredir de regime de cumprimento de pena. Então surgiu a tese de que a possibilidade de progressão deveria ser dada aos demais crimes hediondos e equiparados, uma vez que a tortura recebe o mesmo tratamento rigoroso dispensado aos mesmos. Contudo, o STF, por meio da Súmula nº 698, disse que não seria possível estender aos demais crimes hediondos e equiparados a admissibilidade de progressão no regime de execução da pena aplicada ao crime de tortura.
A súmula nº 698 do STF perdeu a razão de ser com a declaração de inconstitucionalidade da vedação à progressão de regime prevista na Lei dos Crimes Hediondos, com a consequente alteração realizada pela Lei n. 11.464, de 2007.
Cumpre ressaltar que a redação original do art. 2º da Lei 8072/90 não encontrava amparo no Princípio Constitucional da individualização da pena. Também havia quem dissesse que era uma forma de “pena cruel”. Assim, quase 16 anos depois da edição da Lei dos Crimes Hediondos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal entendeu, no julgamento do HC nº 82.959/SP, que a vedação de progressão de regime ofendia, em sua essência, a regra constitucional mencionada:
Pena. Regime de cumprimento. Progressão. Razão de ser. A progressão no regime de cumprimento da pena, nas espécies fechado, semiaberto e aberto, tem como razão maior a ressocialização do preso que, mais dia ou menos dia, voltará ao convívio social. Pena. Crimes hediondos. Regime de cumprimento. Progressão. Óbice. Art. 2º, § 1º, da Lei n. 8.072/1990. Inconstitucionalidade. Evolução Jurisprudencial. Conflita com a garantia da individualização da pena – artigo 5º, inciso XLVI, da Constituição Federal – a imposição, mediante norma, do cumprimento da pena em regime integralmente fechado. Nova inteligência do princípio da individualização da pena, em evolução jurisprudencial, assentada a inconstitucionalidade do art. 2º, § 1º, da Lei n. 8.072/1990. (STF – HC n. 82.959/SP, Pleno)
Com o advento da Lei n. 11.464/2007, o art. 2º, § 1º, a progressão do regime passou a ser expressamente admitida, sendo que o condenado deveria iniciar o cumprimento da pena obrigatoriamente em regime fechado.
Assim, se o apenado fosse primário, a progressão ocorreria após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena; se reincidente, após o cumprimento de 3/5 (três quintos).
Em 2012, o Plenário do Supremo Tribunal Federal entendeu inconstitucional a obrigatoriedade do início do cumprimento da pena em regime fechado, no caso de condenação por crimes hediondos ou equiparados.
Em 2014, sobre a progressão de regime no caso de condenação por crime de tortura, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu:
Não é obrigatório que o condenado por crime de tortura inicie o cumprimento da pena no regime prisional fechado. Dispõe o art. 1º, § 7º, da Lei n º 9.455/1997 – lei que define os crimes de tortura e dá outras providências – que “O condenado por crime previsto nesta Lei, salvo a hipótese do § 2º, iniciará o cumprimento da pena em regime fechado”. Entretanto, cumpre ressaltar que o Plenário do STF, ao julgar o HC 111.840-ES (DJe 17.12.2013), afastou a obrigatoriedade do regime inicial fechado para os condenados por crimes hediondos e equiparados, devendo-se observar, para a fixação do regime inicial de cumprimento de pena, o disposto no art. 33 c/c o art. 59, ambos do CP. Assim, por ser equiparado a crime hediondo, nos termos do art. 2º, caput e § 1º, da Lei 8.072/1990, é evidente que essa interpretação também deve ser aplicada ao crime de tortura, sendo o caso de se desconsiderar a regra disposta no art. 1º, § 7º, da Lei 9.455/1997, que possui a mesma disposição da norma declarada inconstitucional. STJ, HC 286.925-RR, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 13/5/2014. Info 540. (grifei)
O “Pacote Anticrime”, que é a Lei 13.964/2020, alterou a Lei de Execução Penal em seu art. 112, que agora traz as regras sobre a progressão de regime de pena no Brasil, inclusive em caso de condenação por crimes hediondos ou equiparados:
“Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos:
I – 16% (dezesseis por cento) da pena, se o apenado for primário e o crime tiver sido cometido sem violência à pessoa ou grave ameaça;
II – 20% (vinte por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime cometido sem violência à pessoa ou grave ameaça;
III – 25% (vinte e cinco por cento) da pena, se o apenado for primário e o crime tiver sido cometido com violência à pessoa ou grave ameaça;
IV – 30% (trinta por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime cometido com violência à pessoa ou grave ameaça;
V – 40% (quarenta por cento) da pena, se o apenado for condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, se for primário;
VI – 50% (cinquenta por cento) da pena, se o apenado for:
- a) condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, com resultado morte, se for primário, vedado o livramento condicional;
- b) condenado por exercer o comando, individual ou coletivo, de organização criminosa estruturada para a prática de crime hediondo ou equiparado; ou
- c) condenado pela prática do crime de constituição de milícia privada;
VII – 60% (sessenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente na prática de crime hediondo ou equiparado;
VIII – 70% (setenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime hediondo ou equiparado com resultado morte, vedado o livramento condicional. (Grifei)
- 1º Em todos os casos, o apenado só terá direito à progressão de regime se ostentar boa conduta carcerária, comprovada pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão.
- 2º A decisão do juiz que determinar a progressão de regime será sempre motivada e precedida de manifestação do Ministério Público e do defensor, procedimento que também será adotado na concessão de livramento condicional, indulto e comutação de penas, respeitados os prazos previstos nas normas vigentes
De agora em diante você deverá memorizar que com a edição do “Pacote Anticrime”, o condenado por crime hediondo ou equiparado deverá cumprir 40% (quarenta por cento) da pena, se for primário.
Cumprirá 50% (cinquenta por cento) da pena, se o apenado for primário e tiver sido condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, com resultado morte, sendo vedado o livramento condicional.
Também cumprirá 50% (cinquenta por cento) da pena, o condenado por exercer o comando, individual ou coletivo, de organização criminosa estruturada para a prática de crime hediondo ou equiparado.
Cumprirá 60% (sessenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente, na prática de crime hediondo ou equiparado.
Cumprirá 70% (setenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime hediondo ou equiparado com resultado, morte, sendo vedado o livramento condicional.
Vale a pena ressaltar que o § 5º do art. 112 da LEP diz que não se considera hediondo ou equiparado, para os fins de aplicação do mencionado dispositivo, o crime de tráfico de drogas privilegiado, tornando letra da lei o que já era pacífico na doutrina e na jurisprudência.
Acredito que dependerá do caso concreto, a retroatividade ou não da atual redação do art. 112 da Lei de Execução Penal, e que as situação ocorridas depois da publicação do Pacote Anticrime, e não contempladas pelo mencionado dispositivo, devam ser resolvidas pelo Órgão Jurisdicional de forma a se aplicar o inciso mais favorável ao condenado.
Crimes Hediondos e Equiparados: Questão proposta pelo professor
Julgue certo ou errado – O condenado por crime hediondo ou equiparado com resultado morte deverá cumprir 50% (cinquenta por cento) da pena, se o apenado for primário sendo vedado o livramento condicional.
Gabarito: Certo
Comentários: A assertiva está de acordo com a nova redação do art. 112 da Lei de Execução Penal. Vejamos:
“Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos:
(…)
VI – 50% (cinquenta por cento) da pena, se o apenado for:
- a) condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, com resultado morte, se for primário, vedado o livramento condicional; (Grifei)
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