Analisando o edital para o cargo de juiz de Direito do Juízo Militar a cargo do Tribunal de Justiça Militar do Estado de Minas Gerais, nota-se que estão enumerados, de maneira destacada, na matéria Direito Penal Militar, do Bloco I, os crimes propriamente militares previstos na Parte Especial do Código Penal Militar (item 5) e os crimes impropriamente militares previstos na Parte Especial do Código Penal Militar (item 6).
Essa previsão do edital, no entanto, pode levar à equivocada impressão de que há uma previsão, um título, um capítulo, que seja, no Código Penal Militar que trate dessas espécies de crime, o que não ocorre.
Em verdade, o Código Castrense não define, não distingue crimes propriamente dos impropriamente militares, mesclando em cada título ou capítulo essas espécies de delitos, e isso a depender da teoria que se adotar.
As teorias que distinguem crimes propriamente de impropriamente militares, a propósito, são enumeradas pela doutrina, havendo algumas mais defendidas. Entre elas, destacamos duas, a teoria clássica e a teoria predominante nos autores do Direito Penal comum.
Para a teoria clássica, adotada por Célio Lobão[1] e Jorge César de Assis[2], crimes propriamente militares seriam os que só podem ser cometidos por militares – em sentido lato, condensando os da ativa e os inativos, e não no sentido do art. 22 do CPM –, pois consistem em violação de deveres que lhes são próprios. Esta é a teoria dominante na doutrina penal militar. Trata-se, pois, do crime funcional praticável somente pelo militar, a exemplo da deserção (art. 187), da cobardia (art. 363), dormir em serviço (art. 203) etc.
Em contraposição, os crimes comuns em sua natureza, praticáveis por qualquer pessoa, civil ou militar, são os chamados impropriamente militares. Como exemplo podemos citar o homicídio de um militar praticado por outro militar, ambos em situação de atividade (art. 9º, II, a, c/c o art. 205), ou a violência contra sentinela (art. 158).
A essa construção a doutrina especializada admite uma exceção, qual seja, o crime de insubmissão (art. 183), considerado o único crime propriamente militar que somente o civil pode cometer.
Note-se que, apesar de ser praticado por um civil, a incorporação do faltoso, portanto, a qualidade de militar, é condição de punibilidade ou de procedibilidade, nos termos do art. 464, § 2º, do CPPM. Vale dizer que, antes de adquirir a qualidade de militar, com sua inclusão nas Forças Armadas, não cabe ação penal contra o insubmisso.
Deve-se dar predileção a esta teoria na prova, caso o examinador não ilumine outra teoria na prova, o que, aliás, não o fez no edital.
A doutrina penal comum, pouco interessada no Direito Penal Militar, simplificou a cisão, encontrando na posição do crime, ou nos elementos constitutivos do tipo, a resposta ideal.
Segundo essa abordagem, os crimes propriamente militares têm definição diversa da lei penal comum ou nela não se encontram. Seriam crimes militares próprios, dessarte, aqueles de que trata o inciso I do art. 9º do CPM; e impropriamente militares os abrangidos pelo inciso II do mesmo dispositivo.
Essa é a visão predominante entre os autores de Direito Penal comum, que a expõem, em regra, quando tratam da reincidência, em especial o inciso II do art. 64 no Código Penal comum. Nesse sentido, Celso Delmanto afirma que crimes militares próprios são “os delitos que estão definidos apenas no CPM e não, também, na legislação penal comum”[3]. Na mesma linha, Cleber Masson:
“[…]. Crimes militares próprios são os tipificados exclusivamente pelo Código Penal Militar (Decreto-lei 1.001/1969). Assim, somente podem ser praticados por quem preencha a condição específica de militar. Despontam como exemplos a deserção, o motim, a revolta e o desrespeito, entre outros. […]. Já os crimes militares impróprios são os previstos no CPM e também pelo CP, dos quais são exemplos o homicídio e o estupro. […]”[4].
Embora, como dito, predominante na doutrina penal comum, é possível encontrar autores de Direito Penal Militar que preferem essa teoria, a exemplo do que ocorre com Paulo Tadeu Rodrigues Rosa, assinando que a “doutrina brasileira basicamente estabelece que duas são as espécies de crimes militares, os crimes propriamente militares, que são aqueles que se encontram previstos apenas e tão somente no Código Penal Militar, como, por exemplo, a deserção, a insubmissão, o motim, o desacato a superior, entre outros, e os crimes impropriamente militares, que são aqueles que se encontram previstos tanto no Código Penal Brasileiro como também no Código Penal Militar, como exemplo, o furto, o roubo, a lesão corporal, o homicídio, a corrupção, a concussão, entre outros”[5].
Colocando, agora, a distinção na matriz do edital, note-se, não há uma distinção no Código, repita-se, em título, capítulo etc. para esses crimes.
Exemplificativamente, tomando-se a matriz da teoria clássica, o Título II (“Crimes contra a autoridade ou a disciplina militar”) do Livro I (“Crimes Militares em Tempo de Paz”) da Parte Especial, condensa no Capítulo III (“Da Violência contra Superior ou Militar de Serviço”) ou crimes de violência contra superior, do art. 157, praticável apenas por militar, portanto um crime propriamente militar, e o crime de violência contra militar de serviço, do art. 158, que pode ser praticado por um não militar – lembrando que na Justiça Militar Estadual o civil não pode ser jurisdicionado, à luz do art. 125, § 4º da CF, mas a questão se coloca em tese –, o que o classifica como crime impropriamente militar.
Assim, recomenda-se que o estudo dos tipos penais militares não seja direcionado, matizado por essa distinção (propriamente e impropriamente militares) de início, mas que se estude os crimes sequencialmente e, em seus elementos peculiares, seja acrescentado um item, avaliando se aquele delito é propriamente ou impropriamente militar.
Uma última dica valiosa. No edital também se coloca como item a ser cobrado os crimes impropriamente militares previstos no Código Penal comum.
Guardem que todos os crimes comuns trasladados para o Direito Penal Militar, forte na nova redação do inciso II do art. 9º do Código Penal Militar, trazida pela Lei n. 13.491/2017, previstos no Código Penal ou na legislação penal extravagante, são impropriamente militares, e isso pelas duas teorias apresentadas, pois estão fora do Código Penal Militar, portanto podem ser cometidos por não militares (teoria clássica) e estão compreendidos pelo inciso II (teoria adotada pelos autores de Direito Penal comum).
[1] Vide Direito penal militar. Brasília: Brasília Jurídica, 2001, p. 39.
[2] Vide Comentários ao Código Penal Militar: parte geral. Curitiba: Juruá, 2001, p. 39.
[3] Código Penal comentado. São Paulo: Renovar, 2002, p. 128.
[4] MASSON, Cleber. Código Penal comentado. São Paulo: Método, 2016, p. 417.
[5] ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. Código Penal Militar comentado artigo por artigo: parte geral. Belo Horizonte: Líder, 2009, p. 32.
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