CUIDADO! Tráfico nas proximidades de templos religiosos: Como uma ementa mal feita pode te levar a errar questão na sua prova!

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20 de agosto3 min. de leitura

Olá pessoal, tudo certo?

Todos nós sabemos que o estudo de julgados envolvendo casos concretos, da lavra dos Tribunais Superiores, é essencial para o bom desempenho dos candidatos em prova de concurso público, qualquer que seja a fase.

Ademais, envolvendo o tema relativo à Lei de Drogas, isso salta aos olhos. Explico. Trata-se de uma das leis penais especiais mais importantes para quem atua no dia a dia criminal e, naturalmente, das mais frequentes em prova. Ou seja, cada vez mais o examinador está se especializando em abordar e exigir o conhecimento de aspectos peculiares deliberados pelos Tribunais.

Dentre os pontos que mais aparecem em certames públicos, podemos citar as hipóteses de causa de aumento de pena, delineadas no art. 40 da Lei 11.343/2006. Nesse dispositivo, são arroladas várias situações que permitem o incremento de pena, na 3ª fase da dosimetria, no patamar de 1/6 a 2/3. Vamos tomar como exemplo, para ilustrar o objeto do presente texto, o inciso a seguir indicado:

Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois terços, se: III – a infração tiver sido cometida nas dependências ou imediações de estabelecimentos prisionais, de ensino ou hospitalares, de sedes de ENTIDADES estudantis, SOCIAIS, culturais, recreativas, esportivas, ou beneficentes, de locais de trabalho coletivo, de recintos onde se realizem espetáculos ou diversões de qualquer natureza, de serviços de tratamento de dependentes de drogas ou de reinserção social, de unidades militares ou policiais ou em transportes públicos;

Conforme se infere, o legislador indicou uma série de locais em cujas proximidades geraria um incremento da pena dos crimes de tráfico, justamente por se revelar um maior desvalor do comportamento, diante da maior potencialidade de difusão da droga ou de sua capacidade lesiva (proximidade com estudantes, por exemplo).

Entretanto, apesar de vozes da doutrina sustentar tal possibilidade, o Superior Tribunal de Justiça pacificara o entendimento de que se o crime de tráfico ocorrer nas proximidades de igrejas e templos religiosos, não haveria de se falar em incidência da referida causa de aumento.

Isso porque a norma não prevê esse fato gerador da majorante e, admitir o contrário, seria o aperfeiçoamento do incompatível exercício da analogia in malam partem, violando o princípio da legalidade estrita, uma das pedras angulares do sistema penal. Vejamos:

  1. Uma vez que, no Direito Penal incriminador, não se admite a analogia in malam partem e porque a hipótese dos autos (tráfico de drogas cometido em local próximo a igrejas) não foi contemplada pelo legislador no rol das majorantes previstas no inciso III do art. 40 da Lei n. 11.343/2006, deve ser afastada a causa especial de aumento de pena em questão (…) 5. Ordem parcialmente concedida, para afastar a majorante prevista no inciso III do art. 40 da Lei de Drogas e, por conseguinte, reduzir a reprimenda da paciente para 5 anos de reclusão e 500 dias-multa (HC 528.851/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 05/05/2020).

Esse sempre foi – de há muito – o entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça e, como visto, com total razão. Se houver o entendimento de ser razoável o acréscimo de novas situações como majorantes, revela-se imprescindível a modificação do texto normativo através do devido processo legislativo.

Entretanto, no dia 21 de junho de 2021, a 5ª Turma proferiu um julgamento que sugeriu criação de divergência. Justamente por isso, vários sites especializados na área jurídica passaram a divulgar essa “novidade”. E isso se deu especialmente em razão da ementa publicada do julgado. Vejamos:

  1. Nesse contexto, justificada a incidência da causa de aumento prevista no art. 40, inciso III, da Lei n.º 11.343/2006, uma vez consta nos autos a EXISTÊNCIA DE IGREJA EVANGÉLICA a aproximadamente 23 metros de distância do local onde a traficância era realizada. (…) (AgRg no HC 668.934/MG, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 22/06/2021).

Então quer dizer que temos divergência, Pedro?

NÃO!!!!! Cuidado! Estranhando esse entendimento, sobretudo por conhecer a posição do Ministro Relator, como de hábito, resolvi dar uma estudada no inteiro teor e um esclarecimento revela-se imprescindível de ser realizado. Ao contrário do que indicado pela ementa, na verdade nós estávamos diante de uma entidade social onde se realizava cultos de uma igreja evangélica. Ora, a incidência da causa de aumento do art. 40, III da Lei de Drogas não se deu em razão das proximidades com a igreja evangélica, que não se encontra no referido rol, mas SIM nas proximidades de uma entidade social, que está prevista no dispositivo ora analisado. Vejamos o importante trecho do voto do Relator:

“(…) De início, no que diz respeito à pretensão de afastamento da causa de aumento de pena prevista no art. 40, inciso III, da Lei n.º 11.343/2006, o Tribunal a quo consignou que o crime de tráfico foi praticado nas proximidades de uma ENTIDADE SOCIAL onde se realizavam cultos de uma igreja evangélica, local de reunião de membros da comunidade (e-STJ fl. 36). Acerca da matéria, é firme a jurisprudência desta Corte Superior no sentido de que, para a imposição da causa de aumento de pena prevista no art. 40, inciso III, da Lei n.º 11.343/2006, basta que o tráfico de drogas tenha ocorrido nas proximidades de qualquer dos estabelecimentos descritos na norma, sendo prescindível a comprovação de que o comércio de entorpecentes visava atingir estudantes ou qualquer frequentador dos locais indicados no referido preceito (HC n.º 164.414/RS, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, Quinta Turma, julgado em 20/8/2015, DJe 8/9/2015)”.

Ou seja, redobrem seus cuidados! Apesar de a ementa sugerir alteração de posicionamento ou divergência entre as Turmas, na verdade, nada mudou! Espero apenas que o seu examinador também tenha o cuidado de ler o inteiro teor desse julgado, a fim de não causar confusões por assimilações açodadas.

 

Espero que tenham gostado!

Vamos em frente!

Pedro Coelho – Defensor Público Federal e Professor de Processo Penal e Legislação Penal Especial.

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