Delitos de acumulação ou delitos cumulativos

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16 de fevereiro2 min. de leitura

No certame para Ministério Público do Mato Grosso do Sul em 2018 em uma questão de múltipla escolha o objeto envolveu os chamados delitos de acumulação e a insignificância. Referido tema pode muito bem, dada sua complexidade, ter sido cobrado em prova dissertativa. Diante disso, alguns esclarecimentos sobre o tema são necessários.

Os delitos de acumulação ou delitos cumulativos são espécies de crime de perigo abstrato e surgiram com a teorização proposta por Lothar Kuhlen, em 1986, a partir do §324 do StGB (crime de poluição das águas do código penal alemão) e da problemática do despejo de esgotos domésticos no Rio Main. Justificou-se assim a criminalização de ações individuais isoladamente inócuas que em repetição por um grande número de indivíduos poderia resultar em significativos danos ambientais.

Kuhlen desenvolve sua teoria a partir de um caso concreto, segundo o qual pequenas propriedades suinocultoras ao longo de um rio lançavam dejetos em quantidade ligeiramente acima do permitido pelas regras administrativas. Constatou-se, contudo, que apesar da pouca representatividade dos poluentes lançados ao rio por cada uma das propriedades, a soma dos poluentes despejados por todas as propriedades representava uma deterioração grave da qualidade da água[1].

Ainda que a categoria tenha sido pensada para os delitos ambientais, é perfeitamente aplicável para quaisquer delitos envolvendo bens coletivos, a exemplo dos delitos relativos ao direito penal econômico, como ilustra Renato de Mello Jorge Silveira[2]

São considerados como desdobramentos dos delitos de perigo abstrato, embora não se confundam com estes por não ser exigida a geral perigosidade da conduta ao bem jurídico protegido em uma prognose ex ante. Baseiam, como bem ilustrado na seguinte pergunta de Félix Herzog: “onde iríamos parar, se todos fizessem o mesmo?

Tais delitos envolvem condutas consideradas, isoladamente, inofensivas em relação ao objeto de tutela da norma, incapazes de consubstanciar qualquer crime (de dano, de perigo concreto ou abstrato), mas que, quando tomadas a partir da hipótese de sua prática por um grande número de pessoas, da hipótese de sua repetição, possuem significado jurídico-penal relevante. Ademais, apenas se aplicam aos bens jurídicos coletivos, uma vez que os bens individuais não precisam de acumulação para ser expostos ao perigo[3].

A categoria sofre críticas, como as expostas por Eduardo Saad Diniz e Roxin, dentre as quais duas são de especial relevância: 1. A atribuição da responsabilidade de um indivíduo passa a depender da conduta realizada por terceiros e; 2. O direito penal passa a ser suas funções subvertidas, absorvendo anseios coletivos em detrimento da proteção individual[4].

Hassemer também vê de modo negativo esta categoria, na medida em que para ele a proteção penal deve se referir apenas a indivíduos. Destarte, somente bens individuais são de pronto tuteláveis, enquanto os bens supraindividuais devem demonstrar que são capazes de ser reconduzidos a seres humanos individuais (teoria pessoal ou monista-pessoal do bem jurídico), caso contrário, não podem ser objeto de tutela penal.

Como forma de legitimar a incriminação de tais condutas Wohlers defende que só se mostra possível a criminalização se preenchidos alguns requisitos: 1. Os efeitos de cumulação serem fundados em expectativas realistas e; 2. O bem jurídico protegido ser dotado de especial relevância de modo a fundamentar o dever de cooperação[5].

A discussão ainda não está sedimentada tanto no Brasil quanto no exterior, mas nada impede que seja cobrada em algum certame mais avançado. O presente texto busca a partir de fontes que se aprofundaram no assunto fornecer maiores subsídios para eventual questionamento.

 

Contem comigo!

Rodrigo Francisconi Pardal

 

 


 

[1] Ana Carolina Carlos de Oliveira. A tutela (não) penal dos delitos por acumulação.   https://www.ibccrim.org.br/media/posts/arquivos/18/artigo2.pdf.

[2] Renato de Mello Jorge Silveira. Direito Penal Econômico como Direito Penal de Perigo. Editora RT, pág. 146.

[3] Matheus Almeida Caetano. Delitos de acumulação e ofensividade no direito penal ambiental da sociedade de risco. Acessado em: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/95308

[4] Eduardo Saad-Diniz. Teoria da pena, bem jurídico e imputação, pág. 152.

[5] Luís Greco. Modernização do Direito Penal, bens jurídicos coletivos e crimes de perigo abstrato. Lumen Juris Editora, pág. 34.

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