Detração Analógica Virtual? Isso já caiu em concurso público!

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16 de março3 min. de leitura

Olá pessoal, tudo certo?

Hoje vamos tratar de um tema bastante interessante, envolvendo aspectos práticos da área criminal e, claro, nomenclatura. Se você é meu aluno já sabe que nomenclatura para concurso público é questão de sobrevivência e, portanto, gostando ou não, precisamos atentar para algumas teorias e teses que aparecem em provas.

Nesse contexto, vamos tratar sobre DETRAÇÃO ANALÓGICA VIRTUAL, tema que já apareceu em alguns certames, como por exemplo na prova do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro.

Sabemos que a DETRAÇÃO é um procedimento previsto no art. 42 do CPB[1] através do qual o réu condenado tem subtraído de sua pena definitiva o prazo de encarceramento cautelar o de internação em qualquer dos estabelecimentos ao longo da persecução penal.

Mas de onde saiu os “predicados” de Analógica e Virtual, Pedro?

Aí temos que compreender o contexto do HC 390.038/SP[2] (STJ), julgado pela 6ª Turma do STJ em fevereiro de 2018. No caso concreto, o paciente estivera preso por alguns meses (cautelarmente) em razão do suposto tráfico de drogas. Ocorre que, quando da sentença, o magistrado reconheceu se tratar, em verdade, de porte para consumo próprio (art. 28), delito esse incompatível com qualquer modalidade prisional (cautelar ou definitiva).

Diante do fato de o acusado ter ficado preso (quando não era cabível, conforme se constatou posteriormente), o magistrado resolveu declarar a extinção da punibilidade! Segundo o raciocínio firmado, “qualquer pena a ser aplicada no crime do art. 28 da LD estaria efetivamente exaurida, se aplicássemos o “desconto” da detração”. Afinal, a cautelar fora mais rígida do que a própria pena abstratamente possível.

Veja! Há aqui uma detração, certo? Mas ela seria ANALÓGICA porque o art. 28 da LD não prevê pena privativa de liberdade. Assim, devemos nos valer da analogia para “descontar” a prisão cautelar da pena diversa, prevista no art. 28 da LD (seja ela qual for). Vamos abater da pena do art. 28 o tempo de prisão cautelar.

Certo, mas por que virtual, Pedro?

Ela é também VIRTUAL porque houve o desconto (detração) SEM a efetiva condenação! Diferentemente da detração “ordinária”, aqui não houve desconto da prisão cautelar em face da pena do art. 28 da LD!

Segundo o raciocínio, a prisão cautelar é TÃO MAIS GRAVE se comparada com as penas (definitivas) do referido dispositivo, que não haveria de se falar sequer em “necessária condenação”.

Para mim, trata-se de um CLARO CASO DE BAGATELA IMPRÓPRIA, apesar de o STJ não ter expressado isso de maneira evidente!

Na prova do MP/RJ ainda se questionava se esse crime do art. 28 no referido cenário poderia ser utilizado para fins de reincidência. É fato que o mencionado delito pode ser utilizado como fator reincidente específico, ou seja, para fins de nova sanção do art. 28 da Lei de Drogas.

Mas isso NÃO OCORRE no cenário mencionado, pois, REPITO, em razão da DETRAÇÃO ANALÓGICA VIRTUAL não houve sequer condenação. Reconheceu-se uma perda superveniente de interesse ou (na minha visão) um perdão judicial extralegal.

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido! Tema difícil, mas EXCELENTE e bastante atual!

Vamos em frente!

Pedro Coelho – Defensor Público Federal e Professor de Processo Penal e Legislação Penal Especial.

 

[1] Art. 42 – Computam-se, na pena privativa de liberdade e na medida de segurança, o tempo de prisão provisória, no Brasil ou no estrangeiro, o de prisão administrativa e o de internação em qualquer dos estabelecimentos referidos no artigo anterior.

[2] HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO DE PENA PREVISTA NO § 4º DO ART. 33 DA LEI N. 11.343/2006. REINCIDÊNCIA CONSIDERADA DE MANEIRA EQUIVOCADA. ORDEM CONCEDIDA. 1. É inconcebível considerar, em nítida interpretação prejudicial ao réu, que o tempo de prisão provisória seja o mesmo que o tempo de prisão no cumprimento de pena, haja vista tratar-se de institutos absolutamente distintos em todos os seus aspectos e objetivos. 2. A decisão de extinção da punibilidade, na hipótese, aproxima-se muito mais do exaurimento do direito de exercício da pretensão punitiva como forma de reconhecimento, pelo Estado, da prática de coerção cautelar desproporcional no curso do processo – que culminou com a condenação por porte de substância entorpecente para consumo próprio – do que com o esgotamento de processo executivo pelo cumprimento de pena. 3. Se o paciente não houvesse ficado preso preventivamente – prisão que, posteriormente, se mostrou ilegal, dada a impossibilidade de se aplicar tal medida aos acusados da prática do crime de porte de substância entorpecente para consumo próprio -, ele teria feito jus à transação penal (conforme, aliás, expressamente entendeu ser possível o próprio membro do Ministério Público), benefício que, como é sabido, não é apto a configurar nem maus antecedentes nem reincidência. A prevalecer entendimento contrário, estaria o paciente a sofrer em duplicidade os efeitos decorrentes de um processo que, ao final, não traduziu a gravidade que inicialmente se imaginou. 4. Ordem concedida, para afastar a reincidência do paciente e, por conseguinte, determinar o retorno dos autos ao Juízo de primeiro grau para que analise o eventual preenchimento, pelo paciente, dos demais requisitos necessários ao reconhecimento da minorante prevista no art. 33, § 4º, da Lei de Drogas. (HC 390.038/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 06/02/2018).

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