Direito da Sociedade: ativismo judicial e a tendência imperialista da racionalidade jurídica

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Caras e caros colegas,

O atual momento de abertura hermenêutica gera diversas consequências, que são bem visíveis na jurisdição constitucional brasileira. O protagonismo do poder judiciário é uma realidade no Brasil, sendo decorrente da abertura interpretativa, impulsionada pelo centralismo da dignidade da pessoa humana na Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. Uma dessas consequências é a chamada judicialização da política e a consequente politização do judiciário.

O tema da judicialização da política é extremamente debatido na doutrina brasileira contemporânea e envolve a relação entre o Judiciário e os poderes Executivo e Legislativo, no que se refere às decisões políticas fundamentais. Em geral, essa judicialização da política envolve os tribunais superiores, sobretudo o Supremo Tribunal Federal, mas pode se dar em qualquer grau de jurisdição.

Um exemplo que ilustra bem essa realidade de tensão entre os poderes é o Mandado de Segurança 32033-DF, que foi impetrado por um parlamentar em razão de suposta violação de seu direito líquido e certo de participar de um devido processo legal constitucional. Em decisão monocrática, o ministro Gilmar Mendes suspendeu a votação de uma lei no Congresso Nacional, realizando um controle de constitucionalidade preventivo, ou seja, um controle de constitucionalidade de um projeto de lei. Tal situação representa um choque institucional intenso entre dois Poderes da República.

Não podemos negar os avanços trazidos pelo ativismo judicial, mas devemos analisar criticamente certas atuações excessivas, que desequilibram a balança dos Poderes. Para realizar a crítica a esses excessos promovidos pela judicialização, adotaremos a perspectiva da teoria sistêmica de Niklas Luhmann, bem como das obras “Entre Hidra e Hércules” e “Transconstitucionalismo”, do teórico brasileiro Marcelo Neves.

Com esses pressupostos teóricos, entendemos que a judicialização representa uma tentativa de expansão imperialista da racionalidade jurídica sobre as demais racionalidades dos sistemas sociais de sentido. Para tornar compreensível a afirmação, inicialmente teremos que discorrer sobre os sistemas sociais.

Para Luhmann, a sociedade é um complexo sistema de comunicação, caracterizando-se pela multicentralidade. Ou seja, a sociedade possui vários subsistemas autônomos, que se reproduzem a partir dos seus próprios códigos de distinção (autopoiese).

O sistema jurídico, por exemplo, tem como distinção principal o código lícito/ilícito, estando a sua autonomia na manutenção dessa distinção, que o diferencia do sistema político, que se reproduz através do código poder/não poder (governo/oposição).

Por essa razão, a teoria dos sistemas afirma que a sociedade moderna é multicêntrica, ou seja, “toda diferença se torna ‘centro do mundo’, a policontexturalidade implica uma pluralidade de autodescrições da sociedade, levando à formação de diversas racionalidades parciais conflitantes” (NEVES, 2009, p. 23-24).

Dito de forma mais simples, apesar de cada sistema possuir uma tendência a impor sua forma de descrever a realidade, não há nenhum sistema que seja detentor da verdade. Dando um exemplo cotidiano, é comum que os economistas queiram explicar tudo o que ocorre em sociedade com explicações econômicas, baseadas no ter ou não ter. Os juristas, por sua vez, têm a tendência de acreditar que o direito pode resolver todo e qualquer problema social.

Contudo, a sociedade mundial é hipercomplexa e multicêntrica, e isso quer dizer que, por mais que existam tendências imperialistas de uma racionalidade sistêmica buscando se sobrepor a outra, não existe, em meio a toda a complexidade que nos envolve, um centro único que possa ter uma posição privilegiada para observar e descrever a sociedade.

Por isso, não há um sistema social que prevalece, não existe um sistema a partir do qual todos os demais poderiam ser compreendidos. O que há é uma pluralidade de códigos orientadores da comunicação em variados campos sociais, como, por exemplo, o “ter/não ter” da economia, o “verdadeiro/falso” da ciência, o “belo/feio” das artes, o “aprovação/reprovação” da educação, o “amor/desamor” do amor e a própria distinção “lícito/ilícito” do direito (NEVES, 2009, p. 24).

A perspectiva sistêmica afasta qualquer possibilidade de um ponto de observação único e privilegiado da sociedade, reconhecendo, inclusive, que a própria teoria dos sistemas é apenas “uma observação/descrição parcial da sociedade, a sua observação mais abrangente apenas do ponto de vista do sistema científico” (NEVES, 2009, p. 25). Cada sistema possui sua racionalidade própria e esta é apenas uma das formas possíveis de ver o mundo.

A racionalidade própria do sistema jurídico, por exemplo, é a justiça, e a do sistema político é a democracia. Contudo, há tentativas recíprocas de imperialismo desses dois subsistemas, gerando uma tensão entre justiça e democracia. Tal tensão também se faz presente na interação entre os Poderes da República, contrariando a lógica de harmonia propagada pela teoria política clássica.

Nesse contexto, entendemos a judicialização da política como uma tentativa imperialista da racionalidade jurídica sobre a racionalidade política, levando a um processo de autorregulação unidirecional (TEUBNER) que se mostra incompatível com a complexidade da sociedade, pois tenta, a partir de uma visão parcial, dar soluções universais. A partir da racionalidade justiça não é possível solucionar os problemas da economia, da fome no mundo, da falta de recursos, do meio ambiente etc.

Em outras palavras, o direito não resolve tudo, minhas caras e meus caros.

Bem, essa é uma longa discussão, que continuaremos em outra oportunidade.

Até breve,

Chiara Ramos

Doutoranda em Ciências Jurídico-Políticas pela Faculdade de Direito da Universidade Clássica de Lisboa, em co-tutoria com a Universidade de Roma – La Sapienza. Graduada e Mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco. Procuradora Federal, desde 2009. Atualmente exerce o cargo de Diretora da Escola da Advocacia Geral da União. É Editora-chefe da Revista da AGU, atualmente qualis B2. É instrutora da Escola da AGU, desde 2012. Foi professora da Graduação e da Pós-graduação da Faculdade Estácio Atual. Aprovada e nomeada em diversos concursos públicos, antes do término da graduação em direito, dentre os quais: Procurador Federal, Oficial de Justiça do Tribunal de Justiça de Pernambuco, Técnica Judiciária do Tribunal Regional do Trabalho 6ª Região, Técnica Judiciária do Ministério Público de Pernambuco, Escrivã da Polícia Civil do Estado de Pernambuco.

 

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