Caras e caros colegas,
Sabemos ser cada vez mais necessários os estudos sistêmicos, que superem os entendimentos sobre ramos estanques do direito, que vão além das dicotomias entre público e privado, que proponham uma visão dinâmica e multifacetada do direito da sociedade, como complexo objeto de estudo que é.
Nesse contexto, um dos temas mais sensíveis é o da constitucionalização dos demais ramos do direito, sobretudo do direito civil, discutindo-se, dentre outros temas, o problema da eficácia dos direitos fundamentais na ordem jurídica privada.
Neste contexto, Canotilho propõe o seguinte questionamento: o recorte jurídico-constitucional do âmbito de proteção dos direitos da personalidade (nome, imagem, intimidade etc) e o recorte jurídico-civil de direito de pessoais (nome, imagem, vida privada) obedecem aos mesmos esquemas jurídico-dogmáticos? Ou seja, possuem os mesmos pressupostos? (CANOTILHO, 2006, p. 342-343).
A moderna teoria do direito costuma enfrentar essas questões trazendo duas dimensões metódicas: 1) A distinção entre regras e princípios e 2) a ponderação de direitos e de bens. Nessas dimensões, vários são os argumentos desenvolvidos para criticar a dicotomia entre a teoria interna e a teoria externa sobre o âmbito de proteção e o âmbito de garantia efetiva.
Segundo Canotilho, no âmbito de proteção, o bem é protegido, mas podem intervir medidas desvantajosas de entes públicos ou de entes privados, que, mesmo lícitos, carecem de justificação e de limites. Já o âmbito de proteção efetiva seria o domínio dentro do qual qualquer ingerência, público ou privada, é ilícita. Dessa forma, primeiro analisaríamos se existe uma intervenção restritiva (pública ou privada) de um direito (civil ou constitucional), depois verificaríamos se a restrição obedece às exigências formais e materiais, que a tornariam legítimas (proporcionalidade) (CANOTILHO, 2006, p. 346-347).
Portanto, embora não haja identidade entre os dois conceitos, existe uma estreita ligação, uma vez que: “o modo de articulação da intervenção restritiva com os pressupostos dos direitos fundamentais revela também o modo como se determina o âmbito de garantia efetiva de um direito” (CANOTILHO, 2006, p. 347). Ocorre que, nos casos de colisões entre direitos, não é fácil delimitar esses dois âmbitos, justamente porque a intervenção restritiva surge associada ao próprio exercício de um outro direito (CANOTILHO, 2006, p. 347-348).
Mas, como já dito, surgem duas teorias com visões dicotômicas a respeito do tema: i. a teoria interna, que defende a ideia de direitos e limites imanentes, naturais, ou seja, o conteúdo definitivo de um direito é o conteúdo do direito “nascido” com limites, LOGO o âmbito de proteção é igual ao âmbito de garantia efetivo; ii. a teoria externa, segundo a qual direitos e restrições são dimensões separadas, uma vez que aquelas são desvantagens impostas externamente aos direitos, LOGO o âmbito de proteção é sempre maior que o âmbito de garantia efetivo (CANOTILHO, 2006, p. 349).
Aqui importa fazer uma breve digressão sobre o pensamento de alguns clássicos e seus possíveis enquadramentos no âmbito da teoria interna ou externa. Siebert, por exemplo, afirma que “todas as exigências da comunidade não são, pois, limites externos, mas limites naturalmente ínsitos no direito”, razão pela qual Canotilho o enquadra na teoria interna ou teoria dos limites imanentes de ideal nacional-socialista, que apregoa um limite comunitário às liberdades individuais (SIEBERT apud CANOTILHO, 2006, p. 344).
As ideias de Carl Schimitt, por sua vez, representam a teoria externa ou teoria da intervenção e de limites, uma vez que o filósofo liberal defendia que os direitos de liberdade seriam ilimitados, tendo sua extensão na própria vontade do indivíduo.
Percebe-se que essas concepções tinham sólidas raízes filosóficas tanto no imperativo categórico e da lei fundamental da razão prática de Kant: “age de tal modo que a máxima da tua vontade possa valer sempre ao mesmo tempo como princípio de legislação universal”; quanto nas ideias de Locke, cuja sociedade civil organizada, o Estado, teria o papel de limitar a liberdade natural pela necessidade de paz comunitária, que não existia no Estado de Natureza.
Dito isso, importa ressaltar que vários são os argumentos utilizados para criticar essa dicotomia entre teoria interna e extrema, e na próxima semana, passaremos a expor alguns deles, com base na monografia de Martin Borowski, sintetizada por Canotilho.
Até breve,
CANOTILHO, J.J. Gomes. Dogmática de direitos fundamentais e direito privado, in AAVV, coord. INGO SARLET, Constituição, direitos fundamentais e direito privado, 2ª edição, revista e ampliada, 2006, Livraria do Advogado editora, pp. 341-359.
Chiara Ramos
Doutoranda em Ciências Jurídico-Políticas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (Clássica), em co-tutoria com a Universidade de Roma – La Sapienza. Graduada e Mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco. Procuradora Federal, desde 2009. Membra da Comissão de Igualdade Racial da OAB-PE. Instrutora da ESA e da EAGU. Professora do Gran Cursos Online. Ocupou o cargo de Diretora da Escola da Advocacia Geral da União. Foi Editora-chefe da Revista da AGU. Lecionou na Graduação e na Pós-graduação da Faculdade Estácio Atual. Áreas de interesse: Direito Administrativo, Direito Constitucional, Ciência Política, Teoria Geral do Direito, Filosofia e Sociologia do Direito.
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