Da atuação das Forças brasileiras em missão no estrangeiro poderão fatos delineados como crimes de guerra, que não se confundem, ao menos em teoria, com crimes militares em tempo de guerra.
Os crimes militares em tempo de guerra são compreendidos como os crimes tipificados no Livro II da Parte Especial do Código Penal Militar, além dos tipificados no Livro I e na legislação penal comum, em algumas circunstâncias, trazidas pelo art. 10 do Código Penal Militar, caracterizando-se como lei penal militar excepcional que exige o estado de guerra instalado, nos termos do art. 15 do próprio Código Penal Militar, verbis:
O tempo de guerra, para os efeitos da aplicação da lei penal militar, começa com a declaração ou o reconhecimento do estado de guerra, ou com o decreto de mobilização se nele estiver compreendido aquele reconhecimento; e termina quando ordenada a cessação das hostilidades.
Os crimes de guerra, por sua vez, surgem de um conceito mais abrangente, oriundo do Direito Penal Internacional (ou Direito Internacional Penal, para alguns), não se exigindo o estado de guerra, mas apenas a existência de conflito armado, internacional ou não. São, em verdade, resultado da constatação de que determinado autor, no curso de um conflito armado, não observou regras impostas pelo Direito Internacional dos Conflitos Armados (ou Direito Internacional Humanitário), conhecido como jus in bello, que não se confunde com o jus ad bellum.
O jus in bello sedimenta as regras de combate, o que se pode ou não fazer em período de conflito armado. O jus ad bellum, por sua vez, preocupa-se com as concepções que autorizam a entrada em conflito, questionando, por exemplo, quando uma guerra se torna justa, aceitável aos olhos da comunidade internacional.
A disciplina do jus in bello é condensada, em especial, pelos pactos envolvendo as altas potências contratantes, sendo de extrema relevância, por exemplo, as Convenções de Genebra (I a IV), de 1949, com seus Protocolos Adicionais, de 1977, assim como as Convenções de Haia, v.g. a Convenção de 1981, que tratou da proibição ou limitação do uso de certas armas convencionais que podem ser consideradas como produzindo efeitos traumáticos excessivos ou ferindo indiscriminadamente. As primeiras compõem um bloco protetivo em relação às pessoas afetadas pelos conflitos, tornando-se conhecidas como “Direito de Genebra”. As segundas se dedicam especialmente à limitação das ações e armas empregadas nos conflitos, ficando esse bloco conhecido como “Direito de Haia”.
Ocorre que a não observância dessas regras por um agente precisa conhecer repressão certa, definida, exatamente aqui surgindo o Direito Penal Internacional, hoje sedimentado especialmente no Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional.
No art. 8º do Estatuto de Roma os crimes de guerra são cindidos em algumas categorias básicas, como o caso de violações graves às Convenções de Genebra, de 12 de agosto de 1949, e outras violações graves das leis e costumes aplicáveis em conflitos armados internacionais no âmbito do Direito Internacional dos Conflitos Armados (jus in bello). Permite-se, ademais, por força do art. 9º, a definição de elementos do crime pela Assembleia dos Estados-Partes.
Em apertada síntese, portanto, os crimes de guerra condensam condutas de desrespeito aos postulados do jus in bello, sendo o ideal que cada país que se comprometeu com esses postulados adicione essa qualidade de crimes em seu ordenamento pátrio, o que o Brasil, por ora, ainda não fez.
Enquanto não surge essa legislação brasileira específica, duas hipóteses podem ocorrer: processar e julgar tais crimes buscando a subsunção a crimes previstos na legislação brasileira, especialmente os crimes militares – não necessariamente em tempo de guerra, pois poderá não estar em curso o tempo de guerra – que terão elementos típicos, talvez, mais próximos a subsumir as condutas praticadas, ou, em não havendo a adequada persecução, submeter-se à Jurisdição complementar do Tribunal Penal Internacional, inclusive, nos termos do que comanda o § 4º do art. 5º da Constituição Federal – que, frise-se, não se limita aos crimes de guerra apenas, mas alcança, ainda, crimes contra a humanidade, de genocídio e de agressão.
Note-se, entretanto, que aplicar o Código Penal Militar aos crimes de guerra constitui-se em um arremedo, porquanto o Direito Penal Militar tem por bem jurídico prevalecente a regularidade das Instituições Militares, enquanto o Direito Penal Internacional tem por objeto de proteção a humanidade em seu conjunto.
Ainda assim, a compreensão da distinção colocada pode ser muito útil na preparação para o seu concurso.
Participe da conversa