Nosso Código Penal nos traz duas espécies ou hipóteses de crimes de abandono, tipificados nos arts. 133 e 134. O art. 133 trata do abandono de incapaz e o artigo subsequente, do abandono de recém-nascido para ocultar desonra própria.
O primeiro deles prevê a seguinte conduta: “Art. 133. Abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade, e, por qualquer motivo, incapaz de defender-se dos riscos resultantes do abandono”. O artigo traz em seu preceito secundário a pena, detenção de seis meses a três anos, ou seja, fica fora do rol de crimes de menor potencial ofensivo, todavia cabendo o instituto despenalizador da suspensão condicional do processo.
O segundo delito, abandono de recém-nascido, traz sua conduta insculpida no art. 134 do nosso Diploma Legal como sendo aquele que se trata de “Art. 134. Expor ou abandonar recém-nascido, para ocultar desonra própria”, sendo delito de menor potencial ofensivo, pois sua pena privativa de liberdade máxima fica no limite de dois anos (pena – detenção, de seis meses a dois anos).
Fazendo uma análise dos delitos, podemos perceber que ambos são crimes de perigo concreto ou efetivo, ou seja, depende da efetiva demonstração de perigo sofrido, absorvido, sentido pelo abandonado. Portanto, no caso de uma mãe que, para ocultar desonra própria, abandona o próprio filho na frente da casa de alguém, toca a campainha da casa, ficando à espera atrás de uma árvore e, quando abrem a porta e pegam o bebê, ela vai embora, não há que se falar em crime ou, ao menos, no máximo, tentativa, pois não houve sequer perigo para o bebê.
Ambos os delitos podem ser praticados tanto por ação quanto por omissão, todavia nesta última não seria possível o conatus evidentemente. Imaginemos que o cuidador do idoso o leve para um passeio e, após o passeio, o abandone na praça; trata-se, então, da modalidade omissiva de abandono de incapaz. Agora, se o cuidador do idoso, já com a intenção de abandoná-lo, saia de casa e o deixe em um matagal, trata-se, portanto, da modalidade comissiva do crime em comento.
O art. 134 necessita imprescindivelmente que seja praticado para ocultar desonra própria. Posto isso, nas palavras do doutrinador, o Promotor de Justiça em São Paulo Cleber Masson, a prostituta e o marido da mulher adúltera não poderiam praticar este crime e, caso assim agissem, estariam praticando abandono de incapaz.
“Ocultar desonra própria” é um elemento normativo do tipo, ou seja, que necessita de um juízo de valor.
Os dois delitos são conceituados e classificados como Próprio ou Especial, pois o sujeito ativo não pode ser qualquer pessoa; no caso do art. 133, deve ser aquele que tem o dever de cuidado em relação ao abandonado, já o art. 134 – abandono de recém-nascido –, somente a mãe adúltera ou o pai adúltero ou incestuoso poderão praticar esse crime, para ocultar a sua desonra, admitindo, todavia, concurso de pessoas em ambos os crimes. Há quem os classifique como crime bi-próprio, pois tanto o sujeito ativo quanto o passivo são especiais. No art. 133 é a pessoa que está sob seu cuidado, guarda ou vigilância, e no art. 134 é o bebê recém-nascido.
Vale ressaltar que nosso Código Penal é de 1940 – Decreto-Lei n. 2.848/1940. Naquela época, evidentemente, existiam casos ou circunstâncias em que a mulher, quando engravidasse, poderia expor a sua honra. Era possível que a sociedade não aceitasse e passasse a taxá-la, como, por exemplo, a mãe solteira, a adúltera, menor etc. Hoje, em 2019, penso que esse delito deveria ser retirado de nosso ordenamento jurídico, e ficávamos apenas com o art. 133 do CP.
Hoje, não há mais que se falar em desonra própria para uma mãe solteira.
Existem muitas mães solteiras que criam seus filhos com muita dignidade, dando uma educação exemplar; a mulher traiu o marido, uma pena, agora assuma o erro, assuma seu filho, assim como o marido adúltero que errou e agora terá que assumir seu erro.
Bom, assim eu penso…
Continuando…
Para provas de concurso, já vi questão afirmando que apenas a mãe adúltera poderia ser autora do crime de abandono de recém-nascido, e veio como correto. Todavia, há posicionamento doutrinário e jurisprudencial no sentido de que pode também ser o pai adúltero autor do delito.
Noutro diapasão, trago à baila outro questionamento interessante, que seria a não possibilidade da omissão imprópria nesses dois crimes, pois o dever de agir já está no próprio autor do fato.
Imaginemos que eu deixo meu filho, o Frederico, de apenas 2 anos, com algum amigo para que ele cuide enquanto darei uma aula. Horas depois ele pega meu filho e o abandona em um matagal. Ele responderá pelo art. 133, sem a incidência do art. 13, § 2º, alínea “b” (de outra forma assumiu a responsabilidade).
Agora, se ele se descuida e meu filho pula da janela, aí sim aplicaremos ao caso o art. 13, § 2º, alínea “b”, sendo que ele responderia por homicídio culposo por omissão imprópria.
Muito se questiona também a partir de quantos anos poderia ser considerado incapaz, e digo que deve ser analisado caso a caso.
Um exemplo bastante interessante é do doutrinador, desembargador em São Paulo, Guilherme de Souza Nucci, que traz em sua obra a possibilidade de um guia de turismo, nos EUA, com turistas brasileiros que não sabem nada do idioma estrangeiro e os larga em algum parque daqueles na Disney, tratando como abandono de incapaz. Portanto, deve-se analisar caso a caso para saber se o abandonado era ou não capaz de defender-se dos riscos do abandono.
Nesse sentido, temos o dolo do agente, que pode ser tanto direto quanto eventual, desde que não tenha a intenção ou a certeza que causaria a morte, pois, assim sendo, responderia por homicídio.
Quanto às formas qualificadas dos delitos, quando resulta lesão grave ou morte, é evidente que esses resultados são atribuídos ao agente de forma culposa, perfazendo, então, um delito preterdoloso, jamais admitindo tentativa.
Lembro, por fim, que ainda que cause morte e quem tenha abandonado seja o pai ou a mãe, por exemplo, caso deixem o filho no carro e vão beber em um boteco, não caberá perdão judicial, pois o crime será de abandono de recém-nascido com resultado morte.
Finalmente, qual seria o conceito para recém-nascido? Bom, o melhor conceito de recém-nascido é o trazido por Nelson Hungria, ou seja, até cair o cordão umbilical, que vai de 5 a 7 dias.
É isso!
Estudem, não percam tempo!
Bruno de Mello
Advogado criminalista e professor de Direito Penal em diversos cursinhos para concursos e graduação em faculdade.
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