Doutrina OAB: Intervenção (Parte I)

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IntervençãoGran OAB | Cursos Online

1.1. INTRODUÇÃO

Iniciaremos uma série de artigos para tratarmos do tema “intervenção” – artigos 34 a 36 da Constituição. O tema passou a ser manchete em todas as mídias após o presidente Michel Temer ter editado o Decreto n. 9.288/2018 na tarde da última sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018.
Como o tema é extenso, interessante e complexo, dividiremos nossa abordagem em uma série de artigos, abordando conceitos, características, tipos de intervenção e seus requisitos. Procuraremos esclarecer, esquematizar e trazer importantes contribuições doutrinárias e jurisprudenciais a respeito do tema.

1.2. HISTÓRICO – CASOS DE INTERVENÇÃO

Historicamente, não houve nenhum caso de intervenção desde 05 de outubro de 1988, quando nossa Constituição foi publicada. Portanto, a matéria é inédita e de grande relevância.
Muito embora a intervenção na segurança pública do estado do Rio de Janeiro seja, efetivamente, o primeiro caso concreto de intervenção federal, a cidade do Rio de Janeiro já foi palco de uma medida denominada pela mídia de intervenção. Em 10 de março de 2005, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva editou o Decreto n. 5.392/2005, requisitando alguns hospitais da cidade do Rio de Janeiro ao controle do Governo Federal. O Decreto n. 5.392/2005 foi considerado inconstitucional por vários juristas, que se posicionaram contrários à medida. Ainda que o decreto denominasse a medida como sendo uma requisição, o fato consistiu em uma intervenção e não atendeu aos requisitos constitucionais. Naquela época, escrevemos um pequeno artigo e tecemos alguns comentários que valem ser repetidos:

  1. O instituto da requisição não pode ser usado para bens e serviços públicos, pois, segundo o art. 5º, inciso XXV, da CF, somente no caso de iminente perigo público a autoridade pública poderá utilizar de propriedade particular.
  2. A requisição de bens e serviços de saúde, estabelecida na Lei n. 8.080/1990 (SUS), prevê hipótese de requisição de bens e serviços, tanto de pessoas naturais como de jurídicas. É claro que a Lei em questão deve receber uma interpretação conforme a Constituição, sem redução de texto, excluindo qualquer interpretação além da que dê à expressão “jurídicas” a ideia de pessoas jurídicas particulares, jamais de bens e serviços de entes públicos.
  3. O art. 23, inciso II, da CF prevê que todos os entes (União, Estados, DF e Municípios) têm competência material para “cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência”. Sendo assim, na ausência de hierarquia entre os entes da federação (o art. 18 da CF preceitua serem todos autônomos), não poderia a União retirar a autonomia do município do Rio de Janeiro para que ela (União) executasse o serviço. A União também deveria cuidar da saúde. No entanto, poderia, no máximo, prestar auxílio material para contornar os problemas verificados.
  4. Caberia, então, ao Congresso Nacional, em sede de competência exclusiva, sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa (Art. 49, V, da CF), por meio de Decreto Legislativo, para acabar com a “intervenção”. Ou poderia o STF, em sede de controle concreto ou abstrato, declarar a inconstitucionalidade da medida e invalidar tais requisições.

O STF analisou o caso no Mandado de Segurança MS 25295 e, em decisão unânime, a Corte decidiu pela devolução dos hospitais ao governo do município do Rio de Janeiro.

1.3. CONCEITO

A intervenção é medida de defesa da federação, é uma espécie de arma que se utiliza para manter o próprio pacto federativo. Embora a regra na federação seja a autonomia política, administrativa e financeira, é possível a retirada temporária da autonomia por meio da medida de intervenção, desde que em situações excepcionais e sempre como forma de preservar a federação.
José Afonso da Silva, em famosa classificação das normas constitucionais, ensina que a Intervenção Federal, assim como o controle de constitucionalidade, importa em elemento de estabilização constitucional, já que assegura a solução de conflitos ou crises constitucionais.
A intervenção é instrumento de defesa da Constituição e, por isso, também é estudada no aspecto referente ao Controle de Constitucionalidade. Por último, a intervenção é instrumento de defesa das instituições democráticas, já que permite a manutenção destas.

1.4. OBJETIVO

A medida de intervenção, seja por qual motivo for, tem por objetivo retirar, ainda que temporariamente, a autonomia do ente que sofre a intervenção. Neste sentido, pode-se dizer que intervenção é a antítese da autonomia. A regra é a não intervenção no sentido de consagrar as capacidades organizativas e políticas dos entes da federação.
Então, verifica-se como consequência da intervenção a perda do autogoverno da entidade federativa enquanto durar a intervenção. A perda do autogoverno pode ser restrita a certas áreas, como no caso da intervenção decretada no Rio de Janeiro, que se situa apenas no âmbito da segurança pública.
Finalizaremos aqui esse primeiro artigo sobre o tema intervenção. No próximo artigo, voltaremos a tratar do tema, enfatizando suas principais características. Espero que ajude nos seus estudos e também esclareça um pouco esse tema, que hoje está, literalmente, em todas as pautas. Até a próxima!


Bacharel em Direito, especialista em direito público, professor de Direito Constitucional em preparatórios para concursos desde 2000, ex-servidor do STF, advogado atuante pela OAB-DF, Analista Legislativo da Câmara dos Deputados (assessor de plenário), autor de livros e artigos jurídicos.
 
 
 


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