É possível que tenhamos entendimentos diversos entre a TNU e o STJ?

Olá amigos(as) do Gran!

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06 de agosto8 min. de leitura

Se a pergunta do tópico deste artigo caísse na sua prova oral, o que você responderia?!

Sabe a resposta?

Pois bem, a resposta é sim, do ponto de vista prático, mas deveria ser “não”, quando tomamos o ponto de vista normativo puro, ou seja, quando observamos as regras e os objetivos da TNU.

Vou lhe explicar!

A uniformização da jurisprudência dos Juizados Especiais Federais possui repercussão dentro e fora deste microssistema processual. É que, como veremos, a necessidade de uniformização pode derivar de uma divergência entre as próprias Turmas Recursais (resguardo da coerência interpretativa da lei federal dentro do microssistema do JEF) ou, ainda, entre a Turma Nacional de Uniformização dos JEFs e o Superior Tribunal de Justiça (resguardo da coerência interpretativa da lei federal fora do microssistema do JEF).

Para esse último caso, há previsão específica na Lei n. 10.259/01 de uma simples “provocação” da parte interessada ao STJ, o que se faz, na prática, por meio de uma petição (no STJ é classificada em seu sistema processual como PET).

Veja:

  • Art. 14. Caberá pedido de uniformização de interpretação de lei federal quando houver divergência entre decisões sobre questões de direito material proferidas por Turmas Recursais na interpretação da lei.

(…)

  • 4o Quando a orientação acolhida pela Turma de Uniformização, em questões de direito material, contrariar súmula ou jurisprudência dominante no Superior Tribunal de Justiça -STJ, a parte interessada poderá provocar a manifestação deste, que dirimirá a divergência.

 

Já no Regimento Interno da TNU (Resoluçaõ CJF n. 586/2019), a previsão do PUIL dirigido ao STJ é feita pelo art. 31:

 

CAPÍTULO III

 

DO PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI DIRIGIDO AO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

 

Art. 31. Quando o acórdão da Turma Nacional de Uniformização for proferido em contrariedade à súmula ou entendimento dominante do Superior Tribunal de Justiça, o pedido de uniformização de interpretação de lei será suscitado, nos próprios autos, no prazo de 15 (quinze) dias, perante o Presidente da Turma Nacional de Uniformização.

 

  • 1º Caberá, também, pedido de uniformização quando o acórdão proferido pela Turma Nacional de Uniformização estiver em contrariedade à tese firmada em julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas.

 

  • 2º A parte contrária será intimada para apresentar manifestação em igual prazo, findo o qual os autos serão conclusos ao Presidente da Turma Nacional de Uniformização para juízo de admissibilidade.

 

  • 3º Inadmitido o pedido, a parte poderá requerer, nos próprios autos, no prazo de 10 (dez) dias, que o feito seja remetido ao Superior Tribunal de Justiça.

 

Veja, assim, que o objetivo da Turma Nacional de Uniformização é fazer como que todo o sistema de precedentes dos Juizados Especiais Federais, por suas mais variadas Turmas Recursais pelo país, seja coerente com os precedentes do Superior Tribunal de Justiça.

A lei almejou, nesse ponto, que as decisões emanadas pela jurisprudência dominante do STJ irradiassem efeitos nos Juizados Especiais Federais, na medida em que não faz realmente sentido que haja duas interpretações completamente distintas entre órgãos judiciários apenas por conta do limite de alçada. Pois sabemos que nos Juizados Especiais Federais, conforme a previsão do art. 3º, da Lei n. 10.259/01, somente são admissíveis as causas de competência da Justiça Federal que não ultrapassem 60 (sessenta) salários mínimos.

Assim, imagine se um determinado caso é julgado por uma Vara Federal com competência em Juizado Especial Federal, segue para posterior julgamento pela respectiva Turma Recursal e, por fim, chegando, por hipótese na TNU, encontra a solução judicial do tema por um determinado entendimento “X”. De outro lado, agora imagine o mesmo tema que entra pelas portas ordinárias do Judiciário Federal. Inicia pelo procedimento ordinário de uma Vara Federal Cível, segue para apelação no respectivo TRF, chegando, ao final, por hipótese, ao STJ via recurso especial e, nessa instância, encontra solução judicial daquele mesmo tema por um determinado entendimento “Y”, diametralmente oposto àquele entendimento “X” fixado no âmbito da TNU.

Isso acontece! Não acredita?

Vou te dar um exemplo.

Veja abaixo o julgado da PET 9598 no STJ, que dirimiu a divergência havida durante considerável tempo entre a Corte Cidadã e a TNU, relativamente à repercussão do décimo terceiro salário no cálculo do salário de benefício.

É que até a edição da Lei n. Lei 8.870/1994, oriunda da Medida Provisória 446/1994, era possível a inclusão daquela verba no cálculo do salário de benefício. A redação dada pela referida lei foi de que o “décimo-terceiro salário (gratificação natalina) integra o salário-de-contribuição, exceto para o cálculo de benefício”.

O Superior Tribunal de Justiça, amparado na correta percepção de que a renda mensal inicial dos benefícios previdenciários deve ser regida pela lei vigente ao tempo em que preenchidos os requisitos para a obtenção do benefício, decidiu que o:

  • (…) art. 28, § 7º, da Lei nº 8.212/1991 (Lei de Custeio) dispunha que a gratificação natalina integrava o salário de contribuição para fins de apuração do salário de benefício, de sorte que a utilização da referida verba para fins de cálculo de benefício foi vedada apenas a partir da vigência da Lei nº 8.870/1994, que alterou a redação da citada norma e do § 3º do art. 29 da Lei nº 8.213/1991 (Lei de Benefícios), dispondo expressamente que a parcela relativa ao décimo terceiro salário integra o salário de contribuição, exceto para efeito de cálculo dos proventos.

 

  • Do acurado exame da legislação pertinente, esta Corte firmou o entendimento segundo o qual, o cômputo dos décimos terceiros salários para fins de cálculo da renda mensal inicial de benefício previdenciário foi autorizado pela legislação previdenciária, até a edição da Lei nº 8.870, de 15 de abril de 1994, que alterou a redação dos arts. 28, § 7° da Lei de nº 8.212/1991 (Lei de Custeio) e 29, § 3º, da Lei nº 8.213/1991 (Lei de Benefícios)” (STJ, AgRg no REsp 1179432/RS, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA, DJe de 28/09/2012).

 

Já a TNU entendia que o décimo-terceiro salário não poderia repercutir no cálculo do salário-de-benefício, mesmo antes da Lei n. 8.870/94.

Transcrevo a ementa do julgamento da PET 9.656/SP, julgada no âmbito do STJ e que descreve essa divergência entre a TNU e o próprio STJ:

PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO. DÉCIMO TERCEIRO. CÁLCULO DO SALÁRIO DE BENEFÍCIO. BENEFÍCIO ANTERIOR À PUBLICAÇÃO DA MP 446/1994, CONVERTIDA NA LEI 8.870/1994. INCLUSÃO.

 

  1. Trata-se de Incidente de Uniformização de Interpretação de Lei Federal (fls. 113-119/STJ), embasado no art. 14, § 4º, da Lei 10.259/2001, com escopo de atacar a decisão da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU) no sentido de que “é indevida a inclusão da gratificação natalina no período básico de cálculo, para fins de cálculo da renda mensal inicial de benefício previdenciário, seja a DIB do benefício anterior ou posterior à vigência da Lei 8.870/94” (fl. 111/STJ).

 

  1. O STJ possui jurisprudência sedimentada em sentido contrário ao da TNU, na hipótese, compreendendo que o cômputo do décimo terceiro salário no período básico de cálculo para apuração de salário de benefício é possível para os benefícios em que reunidos os requisitos para concessão em data anterior à Lei 8.870/1994. A propósito: AgRg no REsp 1.352.723/SP, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, DJe 12.3.2014; AgRg no AREsp 320.194/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 20.8.2013; AgRg no REsp 1.272.242/RS, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Sexta Turma, DJe 14.5.2013; AgRg no REsp 1.267.582/SC, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, DJe 13.3.2013; AgRg no REsp 1.179.432/RS, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Quinta Turma, DJe 28.9.2012; REsp 975.781/RS, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJe 6.2.2012.

 

  1. A compreensão fixada pelo STJ merece pequeno reparo, pois a Lei 8.870/1994 é oriunda da Medida Provisória 446/1994 (D.O.U de 10.3.1994), e esta já previa a vedação do cômputo do décimo terceiro salário no cálculo de benefício (redação dada ao § 7º do art. 28 da Lei 8.212/1991), de forma que tal vedação deve ocorrer a partir da publicação da MP 446/1994.

 

  1. Na hipótese, a data em que se inicia o benefício foi fixada em 10.1.1993, anterior, portanto, a 10.3.1994 (publicação da MP 446/1994, convertida na Lei 8.880/1994), razão por que deve ser restabelecida a sentença para que a recorrente tenha direito à inclusão do décimo terceiro na base de cálculo do salário de benefício.

 

  1. Incidente de Uniformização provido.

 

(Pet 9.598/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 09/11/2016, DJe 29/11/2016)

Como se vê, o STJ não alterou seu posicionamento para seguir a TNU, mas o contrário, embora no julgado acima não tenha havido nenhuma determinação para que o órgão uniformizador nacional dos JEFs se curvasse ao Superior Tribunal de Justiça.

Malgrado a inexistência de comando do STJ nesse sentido, após o julgamento da PET 9.598/SP, a TNU cancelou sua Súmula 60, que assim dizia:

Súmula 60

O décimo terceiro salário não integra o salário de contribuição para fins de cálculo do salário de benefício, independentemente da data da concessão do benefício previdenciário.

CANCELAMENTO: Julgando o PEDILEF n. 0055090-29.2013.4.03.6301, na sessão de 16/3/2016, a Turma Nacional de Uniformização, deliberou, por maioria, pelo cancelamento da súmula n. 60, vencidos os Juízes Federais Boaventura João Andrade e Fábio Cesar dos Santos Oliveira.

(TURMA NACIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS – Data do Julgamento: 27/06/2012 – CANCELADA EM 16/03/2016 (DOU 21/03/2016, PG. 00080)

 

E sobre esse tema da repercussão ou não do 13º salário (gratificação natalina) no cálculo do salário de benefício, para você ficar bem informado(a), aproveito para dizer que o Supremo Tribunal Federal já avaliou inexistir repercussão geral sobre a questão.

Assim, a discussão jurídica a respeito da possibilidade de repercussão do décimo-terceiro salário no cálculo do salário de benefício no período anterior a Lei n. 8.880/94 (ou melhor, no período anterior a MP n. 446/94) restou definitivamente encerrada no julgado acima, por meio da apreciação da PET 9.598/SP, pelo STJ.

Veja o julgado do STF em relação à ausência de repercussão geral:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. PREVIDENCIÁRIO. BASE DE CÁLCULO DO SALÁRIO DE BENEFÍCIO. INCLUSÃO DO DÉCIMO TERCEIRO SALÁRIO. AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO”. (ARE-AgR n.º 847215, rela. Min. Cármen Lúcia, unânime) e “AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. PREVIDENCIÁRIO. CÔMPUTO DO DÉCIMO TERCEIRO NO SALÁRIO DE BENEFÍCIO. ANÁLISE DE MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. OFENSA CONSTITUCIONAL INDIRETA. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO”.

 

(ARE-AgR n.º 676724, Min. Cármen Lúcia, unânime).

Como vimos até aqui, a lei fala muito pouco sobre essa petição ao STJ. Apenas prevê a sua existência. Sua regulamentação foi feita inicialmente pela Resolução n. 22/2008, do Conselho da Justiça Federal. A referida resolução chegou a ser alterada pela Resolução CJF n. 163/2011, mas, posteriormente, foi revogada pela Resolução CJF n. 345/2015.

Essa, por sua vez, também foi revogada pela Resolução CJF n. 586/2019, que hoje é a norma que regula o procedimento previsto no art. 14, §4º, da Lei 10.259/01.

Ela dispõe “sobre o Regimento Interno da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados”. É o Conselho da Justiça Federal o órgão com atribuições, portanto, para fixar o Regimento Interno da Turma Nacional de Uniformização, conforme a previsão do art. 9º, §2º, da Lei n. 11.798/09, que assim diz:

 

Art. 9o  À Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais compete apreciar os incidentes de uniformização de interpretação de lei federal, previstos na Lei no 10.259, de 12 de julho de 2001.

 

  • 1o Compõem a Turma Nacional de Uniformização:

 

I – o Corregedor-Geral da Justiça Federal;

 

II – 2 (dois) juízes federais por região, escolhidos pelo respectivo Tribunal Regional Federal dentre os titulares em exercício em Juizados Especiais Federais.

 

  • 2o O funcionamento da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais será disciplinado por regimento próprio, aprovado pelo Conselho da Justiça Federal.

 

Nesse ponto, cabe lembrar que a Turma Nacional de Uniformização, órgão jurisdicional, faz parte da estrutura administrativa do Conselho da Justiça Federal, muito embora esse seja um órgão que desempenha tão somente funções administrativas e financeiras da Justiça Federal, junto à estrutura do Superior Tribunal de Justiça, conforme previsão constitucional nesse sentido:

 

Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:

 

(…)

 

Parágrafo único. Funcionarão junto ao Superior Tribunal de Justiça:         (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

I – a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados, cabendo-lhe, dentre outras funções, regulamentar os cursos oficiais para o ingresso e promoção na carreira;         (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

II – o Conselho da Justiça Federal, cabendo-lhe exercer, na forma da lei, a supervisão administrativa e orçamentária da Justiça Federal de primeiro e segundo graus, como órgão central do sistema e com poderes correicionais, cujas decisões terão caráter vinculante.

 

É o Corregedor-Geral da Justiça Federal quem preside a Turma Nacional de Uniformização.

 

Veja:

Art. 7o  Ao Corregedor-Geral da Justiça Federal compete:

I – apresentar ao Conselho da Justiça Federal relatório circunstanciado das atividades da Corregedoria-Geral durante o ano judiciário;

II – presidir o Fórum Permanente de Corregedores da Justiça Federal;

III – presidir a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais;

 

Note que essa integração da TNU ao funcionamento do CJF e, por sua vez, à estrutura maior do STJ é, aliás, mais um argumento para que realmente entendimentos díspares entre a jurisprudência daqueles órgãos judicantes não se sustentem. Vai contra o sentido da própria estrutura do STJ e, bem assim, do microssistema dos Juizados Especiais Federais, cuja posição dentro dos órgãos do Poder Judiciário da União deve ser, em verdade, como mais um braço interpretativo e uniformizador das normas infraconstitucionais.

A TNU, portanto, deve fazer às vezes do STJ dentro dos limites de competência dos Juizados Especiais Federais.

Para que isso seja garantido, digamos, a lei previu a petição ao STJ quando “a orientação acolhida pela Turma de Uniformização, em questões de direito material, contrariar súmula ou jurisprudência dominante no Superior Tribunal de Justiça –STJ”.

E o próprio Superior Tribunal de Justiça esmiuçou ainda mais a regulamentação dessa petição (PET), por meio de sua Resolução n. 10/2007.

Atualmente existem 16 pedidos de uniformização de jurisprudência junto ao STJ aguardando julgamento.

É isso meus amigos e amigas, guerreiros do Gran!

Temos esmiuçado o tema da TNU nos últimos artigos, pois acredito que se trata de um tema pouco explorado pela doutrina. Nada obstante, é um assunto muito importante para quem estuda para os concursos da magistratura federal e procuradorias federais.

Daqui pra frente vamos abordar julgados específicos dos representativos de controvérsia da TNU! Você vai ficar fera nesses temas, ok?

Continue acompanhando e vamos seguindo em frente!

Um grande abraço,

Frederico Martins.

Juiz Federal do TRF-1

Professor do Gran Cursos

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