Entenda por que acordo de colaboração premiada exige a devida investigação criminal

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10 de fevereiro5 min. de leitura

Meus queridos alunos e alunas, nosso artigo de hoje vai permitir que vocês compreendam por que a investigação criminal preliminar é indispensável após a realização de acordo de colaboração premiada.

A nossa análise se baseia no disposto do art. 4º, §16 da Lei nº 12.850/2013, com a redação dada pela Lei nº 13.964/2019, bem como no entendimento da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal constante na decisão de não recebimento da denúncia no INQ 3994.

Para tanto, vamos entender primeiro o conceito de colaboração premiada e definir o que é um acordo de colaboração premiada.

A colaboração premiada é uma técnica especial de investigação criminal empregada com o objetivo de obter provas para o esclarecimento da prática de um delito. O acordo de colaboração premiada, propriamente dito, consiste em um negócio jurídico processual, a partir do qual uma pessoa que cometeu crimes confessa os seus delitos, delata os coautores e partícipes, além de assumir o compromisso de deixar de praticar crimes daquela espécie. Em contrapartida, a pessoa que cometeu o crime recebe a perspectiva de um prêmio legal a ser concedido pelo juiz na sentença, caso verifique a efetividade da colaboração.

Pois bem, vamos avançar em direção a questão central do nosso artigo. Quando o colaborador delata a ação criminosa de outros membros de organização criminosa ele faz isso por meio de relatos e oitivas perante o Delegado de Polícia e/ou o membro do Ministério Público. Então, pergunta-se: as declarações do colaborador, consideradas isoladamente, são suficientes para deflagrar a ação penal?

Em decorrência do baixo grau de credibilidade que detém a pessoa do colaborador, o art. 4º, §16[1] da Lei 12.850/2013, em sua versão primeira, previu que o juiz não podia condenar exclusivamente com base nas declarações do agente colaborador, silenciando sobre a possibilidade de o juiz receber uma denúncia nessa hipótese.

Ocorre que no dia 18/12/2017, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal estendeu os limites dessa vedação para a instauração da ação penal. Na análise da denúncia oferecida pela Procuradoria Geral da República no INQ 3994 se entendeu que os depoimentos do colaborador, sem a existência de outras provas consistentes, por terem baixo nível de confiabilidade, também não poderiam autorizar o início da ação penal. Na visão da Segunda turma, a colaboração premiada autoriza a abertura de investigação preliminar com o objetivo da produção de provas, mas não permite o recebimento de denúncia. Vejam a ementa do julgado:

Inquérito. Corrupção passiva e lavagem de dinheiro (art. 317, § 1º, e art. 1º, § 4º, da Lei nº 9.613/98, c/c os arts. 29 e 69 do CP). Denúncia. Parlamentares federais. Suposto envolvimento em esquema de corrupção de agentes públicos relacionado à Diretoria de Abastecimento da Petrobras. Vantagens indevidas. Supostos recebimentos na forma de doações eleitorais oficiais, por intermédio de empresas de fachada e também em espécie. Imputações calcadas em depoimentos de réus colaboradores. Ausência de provas minimamente consistentes de corroboração. Fumus commissi delicti não demonstrado. Inexistência de justa causa para a ação penal. Denúncia rejeitada (art. 395, III, CPP) com relação aos parlamentares federais, com determinação de baixa dos autos ao primeiro grau quanto ao não detentor de prerrogativa de foro. 1. A justa causa para a ação penal consiste na exigência de suporte probatório mínimo a indicar a legitimidade da imputação e se traduz na existência, no inquérito policial ou nas peças de informação que instruem a denúncia, de elementos sérios e idôneos que demonstrem a materialidade do crime e de indícios razoáveis de autoria (Inq nº 3.719/DF, Segunda Turma, de minha relatoria, DJe de 29/10/14). 2. Na espécie, encontra-se ausente esse substrato probatório mínimo que autoriza a deflagração da ação penal. 3. Se os depoimentos do réu colaborador, sem outras provas minimamente consistentes de corroboração, não podem conduzir à condenação, também não podem autorizar a instauração da ação penal, por padecerem da presunção relativa de falta de fidedignidade. 4. A colaboração premiada, como meio de obtenção de prova, tem aptidão para autorizar a deflagração da investigação preliminar, visando adquirir coisas materiais, traços ou declarações dotadas de força probatória. Essa, em verdade, constitui sua verdadeira vocação probatória. 5. Todavia, os depoimentos do colaborador premiado, sem outras provas idôneas de corroboração, não se revestem de densidade suficiente para lastrear um juízo positivo de admissibilidade da acusação, o qual exige a presença do fumus commissi delicti. 6. O fumus commissi delicti, que se funda em um juízo de probabilidade de condenação, traduz-se, em nosso ordenamento, na prova da existência do crime e na presença de indícios suficientes de autoria. 7. Se “nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas declarações de agente colaborador” (art. 4º, § 16, da Lei nº 12.850/13), é lícito concluir que essas declarações, por si sós, não autorizam a formulação de um juízo de probabilidade de condenação e, por via de consequência, não permitem um juízo positivo de admissibilidade da acusação. 8. Como não há prova do conhecimento da suposta origem ilícita dos valores, não subsiste a imputação de corrupção passiva e fenece, por arrastamento, a de lavagem de capitais. 9. Não obstante, em sua contabilidade paralela, os colaboradores premiados tenham feito anotações pessoais que supostamente traduziriam pagamentos indevidos aos parlamentares federais, uma anotação unilateralmente feita em manuscrito particular não tem o condão de corroborar, por si só, o depoimento do colaborador, ainda que para fins de recebimento da denúncia. 10. Se o depoimento do colaborador necessita ser corroborado por fontes diversas de prova, evidente que uma anotação particular dele próprio emanada não pode servir, por si só, de instrumento de validação. 11. Denúncia rejeitada quanto aos parlamentares federais, nos termos do art. 395, III, do Código de Processo Penal, com determinação de baixa dos autos ao primeiro grau para as providências que se reputarem pertinentes em relação ao denunciado sem prerrogativa de foro. (Inq 3994, Relator(a): EDSON FACHIN, Relator(a) p/ Acórdão: DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 18/12/2017, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-065  DIVULG 05-04-2018  PUBLIC 06-04-2018)

O entendimento da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, nos parece, foi incorporado nas alterações promovidas na Lei nº 12.850/2013, por meio do pacote anticrime (Lei nº 13.964/2019), passando o art. 4º, §16[2] a vedar, não apenas, que as declarações do colaborador, exclusivamente consideradas, sirvam para a sentença condenatória, mas também para o recebimento de denúncia ou queixa-crime, além da decretação de medidas cautelares reais ou pessoais.

Mas o que isso quer dizer? Significa que as declarações do colaborador precisam ser verificadas, analisadas perante outros elementos de provas para o início da ação penal ou para a decretação de medidas cautelares reais ou pessoais. Em outras palavras, elas precisam ser investigadas.

De fato, o dispositivo passou a exigir que as declarações do colaborador sejam submetidas a um processo de verificação a partir do qual elas poderão ser corroboradas com outros elementos probatórios obtidos, para somente então justificar a abertura da ação penal ou mesmo a decretação de medidas cautelares.

A soma de colaborações premiadas, ou seja, as declarações de mais de um colaborador no mesmo sentido, não supre a necessidade de investigação, tendo em vista ser imprescindível a corroboração dos elementos apresentados em sede de colaboração a partir de outras fontes, mais confiáveis, para o recebimento da ação penal.

Dessa forma, a nova redação do art. 4º, §16 da Lei nº 12.850/2013, dada a partir da Lei nº 13.964/2019, ao considerar insuficiente apenas a palavra do colaborador para o início da ação penal, tornou obrigatória a realização da investigação criminal. Em outras palavras, foi reconhecida a indispensabilidade da investigação criminal a partir da realização de acordo de colaboração premiada.

Os conceitos estão com você! Agora, como o examinador pode te cobrar esse conteúdo?

Em provas objetivas o examinador pode afirmar que as declarações do colaborador, exclusivamente consideradas, não podem servir para o oferecimento da denúncia, quando a legislação estabelece que as declarações consideradas isoladamente impedem o recebimento da denúncia.

Outra possibilidade é o examinador querer confundir você dizendo que as declarações do colaborador somente não podem servir para fundamentar a sentença condenatória, ignorando as alterações promovidas que incluíram os incisos I e II, a respeito do recebimento da denúncia e da decretação de medidas cautelares.

Além disso, em provas dissertativas ou orais você pode ser instado a analisar a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal acerca da necessidade da realização de investigação a partir da realização de uma colaboração premiada, conforme explicamos ao longo do texto.

Vamos juntos porque quem quer chegar mais longe vai acompanhado.

Se gostou, curta, salve, comente e compartilhe!

Professor Bernardo Guidali

Delegado de Polícia Federal

@bernardoguidali

 

 

[1] Art. 4, § 16, da Lei nº 12.850/2013. Nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas declarações de agente colaborador.

[2] Art. 4, § 16 da Lei nº 12.850/2013. Nenhuma das seguintes medidas será decretada ou proferida com fundamento apenas nas declarações do colaborador:     (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)

I – medidas cautelares reais ou pessoais;     (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

II – recebimento de denúncia ou queixa-crime;     (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

III – sentença condenatória.     (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

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