Entre passagens e parágrafos

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Não foi na catraca de um ônibus que o Brasil conheceu Luana; foi no antigo Twitter, numa madrugada qualquer, quando um post publicado para apenas 190 seguidores adormeceu tímido e acordou com mais de 30 mil curtidas. O texto falava pouco, mas dizia tudo: a cobradora de ônibus que estudava só pelo celular — usando a plataforma do Gran, com PDFs, questões e videoaulas — havia sido nomeada para o Tribunal de Justiça de São Paulo, aprovada em um dos concursos mais concorridos do país, com mais de 90 mil inscritos. A timeline anunciou em poucas linhas o que meses de silêncio e constância já vinham moldando há tempos.

A história dela cabia em turnos e travessias. Pela manhã, faculdade de Direito. Ao meio-dia, o uniforme azul, o trânsito barulhento, o ritmo do relógio esgarçado. Entre uma leva de passageiros e outra, quando o fluxo de pessoas diminuía, o celular virava mesa, biblioteca e caderno. Era hora de resolver questões no aplicativo e ler PDFs, destacando trechos com as pontas dos dedos como quem sublinha o próprio futuro. À noite, já em casa, era a vez das videoaulas. Tudo no celular. Não havia computador, mas havia o mais importante: constância.

Luana estudava apenas pelo celular, em geral nos momentos ociosos na função de cobradora de ônibus.

Também havia discrição. Luana não falou dos planos para ninguém do trabalho, nem mesmo para o motorista com quem dividia a jornada. Guardou segredo de todos, exceto dos quatro de casa: o pai, ex-cobrador e hoje motorista; a mãe, dona de casa; e os irmãos, um motoboy e outro ainda na escola. O silêncio não era medo de uma eventual reprovação, era receio de parecer “pretensiosa” e até de ouvir o temido “e aí, passou?” antes da hora. O sonho, assim, cresceu como deve ser: devidamente protegido.

A primeira tentativa foi em 2017. Inscrição feita, nenhuma técnica, zero método. Não deu. Vieram a faculdade, a pandemia e os boatos de que o TJ abriria novo concurso. Dessa vez, Luana reformulou a pergunta: em vez de “será que dá?”, “como é que dá?”. Pesquisou cursinhos, assinou a plataforma do Gran e montou um plano de estudos, sempre dentro do que era possível. Estudava de manhã na faculdade, à tarde entre uma parada e outra do ônibus, à noite com videoaulas. A disciplina passou a render minutos preciosos — porque, quando se sabe o destino, até pouco tempo vira muito.

O fato é que o dia a dia no coletivo ensina uma forma dura de atenção que lhe rendeu frutos. Entre freadas bruscas, eventuais acidentes, discussões entre passageiros e até assaltos, há um Brasil inteiro entrando e saindo, com todos os humores do dia e do mês. Foi nesse cenário que Luana aprendeu a concentrar o olhar num parágrafo de tal forma que, mesmo com o barulho aumentando ao redor, a leitura poderia ser suspensa temporariamente sem perder o fio da meada. Quem treina foco no tumulto depois reconhece o silêncio como vantagem competitiva.

E então a aprovação chegou. A nomeação foi um ano e um mês mais tarde. Quando o nome apareceu no Diário Oficial, Luana postou um tuíte curto e foi dormir. Acordou com 30 mil curtidas, que viraram 155 mil, além de uma avalanche de mensagens privadas com congratulações, histórias parecidas, pedidos de dica, gente prometendo começar. Inacreditável, mas aquilo que ela temia ser “pretensão” agora era referência. Não era salto maior que a perna; era passo exato no degrau certo.

Os pais são a espinha dorsal dessa jornada. O pai, dono de uma inteligência moldada nas encruzilhadas da vida, ofereceu exemplo e estrada. A mãe, dessas que dividem um bife e chamam isso de amor, transformou o sacrifício em rotina. Metade para a filha, metade para o filho, e tudo bem se não sobrasse nada para si. O primeiro gesto da recém-concursada foi para ela: um cruzeiro, sonho antigo finalmente realizado.

Hoje, a rotina é bem diferente. A lida diária é em prédio público e com segurança, e a remuneração digna paga as contas e compra novos horizontes. O serviço segue sendo prestado para gente de todo tipo, porém agora de trás de um balcão que oferece respaldo e futuro. Há, enfim, tranquilidade. E, como começo bom não merece ponto-final, Luana não pretende parar. A formatura em Direito está logo ali, no fim do ano. A evolução na carreira pública, cada dia mais próxima. Promotoria? Procuradoria? Talvez. Só depende dela.

Luana no palco da nossa Reinvenção em 2023, de onde inspirou milhares de pessoas.

Com alegria, o Gran a presenteou com um notebook novo. A ferramenta hoje potencializa o que antes ela fazia apenas com o celular.

Muitos ainda lhe pedem conselhos e, em resposta, Luana não entrega heroísmo; entrega pragmatismo. “Comece com o que tem”, diz. Se só tem celular, que seja o celular. Se só tem quinze minutos para estudar, que sejam esses quinze minutos — afinal, são quinze minutos a mais do que você tinha ontem. O resumo é que estudo não começa perfeito; começa possível. Cada um carrega o peso da própria realidade, e Luana sabe disso melhor do que ninguém. Felizmente, há outra regra que é igual para todo mundo: o passo seguinte sempre parte do ponto até onde se avançou hoje.

No fim das contas, a crônica de Luana é sobre mérito com método, sonho com planilha, coragem com silêncio. Entre uma curva e outra da cidade, ela montou uma rotina que transformou barulho em trilho. E o curioso é que, quando a nomeação veio, não houve o som de trombetas, tampouco o estampido de fogos de artifício. Houve, sim, uma notificação no celular. Mais uma, igual a tantas outras… Só que, desta vez, era o futuro dizendo “chegou a sua vez”. E Luana, como sempre fazia, apenas clicou “ok” e seguiu em frente.


Gabriel Granjeiro – CEO e sócio-fundador do Gran, maior Edtech do Brasil em número de alunos, com mais de 800 mil discentes ativos pagantes. Reitor e professor da Gran Faculdade. Acompanha o universo dos concursos desde a adolescência e ingressou profissionalmente nele aos 14 anos. Desde 2016, escreve artigos semanais para o blog do Gran, que já somam milhões de leitores.

Formou-se entre os melhores alunos em Administração e Marketing pela New York University Stern School of Business. Foi incluído na lista Forbes Under 30 (2021), eleito Empreendedor do Ano pela Ernst & Young (2024) e reconhecido pela MIT Technology Review como Innovator Under 35 no Brasil e na América Latina. Autor de quatro livros best-seller na Amazon Kindle.

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