O Supremo Tribunal Federal julgou constitucionais os dispositivos do Estatuto da Pessoa com Deficiência que estabelecem a obrigatoriedade de as escolas privadas promoverem a inserção de pessoas com deficiência no ensino regular e prover as medidas de adaptação necessárias sem que ônus financeiro seja repassado às mensalidades, anuidades e matrículas. A decisão foi tomada nesta quinta-feira (9), no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5.357, na qual a OAB Nacional atuou como “amicus curiae”.
O presidente nacional da OAB, Claudio Lamachia, classificou como uma grande vitória dos direitos humanos o julgamento. “O STF reconhece que a educação é um direito de todos os brasileiros e que não pode haver discriminação quanto aos alunos com deficiência. Nossa Constituição prevê a igualdade de condições entre os cidadãos, garantia que não deve ser jamais ignorada. Temos, cada vez mais, que promover a inserção das pessoas com deficiência em todos os contextos”, afirmou.
A maioria dos ministros da Suprema Corte seguiram o voto do relator, Edson Fachin. O magistrado salientou que o Estatuto reflete o compromisso ético de acolhimento e pluralidade democrática adotados pela Constituição Federal ao exigir que não apenas as escolas públicas, mas também as particulares, devem pautar sua atuação educacional a partir de todas as facetas e potencialidades do direito fundamental à educação. “O ensino privado não deve privar os estudantes – com e sem deficiência – da construção diária de uma sociedade inclusiva e acolhedora, transmudando-se em verdadeiro local de exclusão, ao arrepio da ordem constitucional vigente”, afirmou.
A ADI nº 5.357 foi ajuizada pela Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (Confenen) para questionar a constitucionalidade do parágrafo primeiro do artigo 28 e caput do artigo 30 da Lei 13.146/2015. Segundo a entidade, as normas representam violação de diversos dispositivos constitucionais, entre eles o artigo 208, inciso III, que prevê como dever do Estado o atendimento educacional aos deficientes.
A OAB sustentou que no artigo 208, inciso III, a Constituição, ao prever a obrigação de atendimento educacional especializado aos deficientes, utiliza a expressão “rede regular de ensino”, que contempla instituições públicas e privadas. “As escolas particulares não podem se eximir de sua responsabilidade social de proteger e atender as pessoas com deficiência. O dever é da sociedade e a Constituição Federal em nenhum momento definiu que esse atendimento seria obrigação somente do Poder Público”, completou.
O ministro Fachin ressaltou que as escolas não podem se negar a cumprir as determinações legais sobre ensino, nem entenderem que suas obrigações legais limitam-se à geração de empregos e ao atendimento à legislação trabalhista e tributária. Também considera incabível que seja alegado que o cumprimento das normas de inclusão poderia acarretar em eventual sofrimento psíquico dos educadores e usuários que não possuem qualquer necessidade especial. “Em suma: à escola não é dado escolher, segregar, separar, mas é seu dever ensinar, incluir, conviver”, afirmou o relator.
O relator destacou em seu voto que o ensino inclusivo é política pública estável, desenhada, amadurecida e depurada ao longo do tempo e que a inclusão foi incorporada à Constituição da República como regra. Ressaltou que a Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, que tem entre seus pressupostos promover, proteger e assegurar o exercício pleno dos direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência, foi ratificada pelo Congresso Nacional, o que lhe confere status de emenda constitucional. Segundo ele, ao transpor a norma para o ordenamento jurídico, o Brasil atendeu ao compromisso constitucional e internacional de proteção e ampliação progressiva dos direitos fundamentais e humanos das pessoas com deficiência.
Votos
Ao acompanhar o relator, o ministro Luís Roberto Barroso destacou a importância da igualdade e sua relevância no mundo contemporâneo, tanto no aspecto formal quanto material, especialmente “a igualdade como reconhecimento aplicável às minorias e a necessidade de inclusão social do deficiente”.
Também seguindo o voto do ministro Fachin, o ministro Teori Zavascki ressaltou a importância para as crianças sem deficiência conviverem com pessoas com deficiência. “Uma escola que se preocupe além da questão econômica, em preparar os alunos para a vida, deve na verdade encarar a presença de crianças com deficiência como uma especial oportunidade de apresentar a todas, principalmente as que não têm deficiências, uma lição fundamental de humanidade, um modo de convivência sem exclusões, sem discriminações em um ambiente de fraternidade”, destacou.
Votando pela improcedência da ação, a ministra Rosa Weber afirmou que, em seu entendimento, muitos dos problemas que a sociedade enfrenta hoje, entre eles a intolerância, o ódio, desrespeito e sentimento de superioridade em relação ao outro talvez tenham como origem o fato de que gerações anteriores não tenham tido a oportunidade de conviver mais com a diferença. “Não tivemos a oportunidade de participar da construção diária de uma sociedade inclusiva e acolhedora, em que valorizada a diversidade, em que as diferenças sejam vistas como inerentes a todos seres humanos”.
Segundo o ministro Luiz Fux, não se pode analisar a legislação infraconstitucional sem passar pelas normas da Constituição, que tem como um dos primeiros preceitos a promoção de uma sociedade justa e solidária. “Não se pode resolver um problema humano desta ordem sem perpassarmos pela promessa constitucional de criar uma sociedade justa e solidária e, ao mesmo tempo, entender que hoje o ser humano é o centro da Constituição; é a sua dignidade que está em jogo”, afirmou, ao votar pela validade das normas questionadas. Ao também seguir o voto do ministro Fachin, a ministra Cármen Lúcia afirmou que “todas as formas de preconceito são doenças que precisam ser curadas”.
O ministro Gilmar Mendes acompanhou o voto do relator, mas apontou a necessidade de se adotar no País uma cláusula de transição, quando se trata de reformas significativas na legislação. Afirmou que muitas das exigências impostas por lei dificilmente podem ser atendidas de imediato, gerando polêmicas nos tribunais. O ministro afirmou ainda que “o Estatuto das Pessoas com Deficiência efetiva direitos de minorias tão fragilizadas e atingidas não só pela realidade, mas também pela discriminação e dificuldades com as quais se deparam”.
Já o presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski, enfatizou a convicção atual de que a eficácia dos direitos fundamentais também deve ser assegurada nas relações privadas, não apenas constituindo uma obrigação do Estado. Afirmou que o voto do ministro Fachin é mais uma contribuição do Supremo no sentido da inclusão social e da promoção da igualdade.
Fonte: Conselho Federal da OAB
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