Por Sérgio Rodas
No pacote anticorrupção aprovado na madrugada da quarta-feira (30/11) pela Câmara dos Deputados (PL 4.850/2016), a Ordem dos Advogados do Brasil ganhou o poder de mover ação penal pública subsidiária se o Ministério Público não oferecer denúncia dentro do prazo legal. A OAB poderá ir à Justiça em caso de abuso de autoridade de magistrado ou integrante do MP, ou de exercício ilegal da advocacia ou ofensa às prerrogativas da categoria.
Especialistas elogiaram a medida. Para o criminalista Alberto Zacharias Toron, essa possibilidade é muito positiva, pois ajuda “a garantir a eficácia da atuação do profissional que fala em nome do cidadão dentro e fora dos tribunais”. Além disso, ele destaca que, se a OAB discordar de arquivamento de investigação de exercício ilegal da advocacia ou ataque às prerrogativas, ela pode assumir diretamente a ação penal.
Segundo Toron, a nova regra não desrespeita a Constituição e as leis penais, e segue o precedente firmado pelo Supremo Tribunal Federal no RHC 82.549. Na ocasião, a corte decidiu que ação penal privada em casos de crimes contra a honra pode ser movida pelo próprio funcionário público, sem representação ao MP.
Nessa mesma linha, o juiz federal Ali Mazloum avalia que a inovação está de acordo com as regras da ação penal subsidiária dos artigos 100, parágrafos 2º, 3º e 4º, do Código Penal, e artigos 29, 30 e 31, do Código de Processo Penal. Esses dispositivos estabelecem que a vítima ou seu representante pode propor ação penal em caso de inércia do MP. Se o ofendido morrer ou for declarado ausente, tal prerrogativa passa ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão.
Na visão de Mazloum, a nova regra é importante, pois o fato de o MP ter o monopólio da ação penal “acaba sendo ruim para a democracia”. Ele ainda destaca que a OAB é apta a ter esse poder, já que pode mover Ação Direta de Inconstitucionalidade.
O jurista Lenio Streck, que é colunista da ConJur e foi procurador de Justiça do Rio Grande do Sul, também não enxerga inconstitucionalidade na possibilidade de a OAB mover ação penal. Contudo, ele considera “duvidosa” a possibilidade de a entidade pedir a abertura de processo se o MP requisitar o arquivamento do inquérito.
“A vitima pode propor a ação se o MP, de forma injustificada, deixar de agir. Mas se o MP arquivar, por exemplo, não caberá a queixa. Ele não é obrigado a propor denuncia. Pode entender em não propor. Ele é o titular. É duvidosa a substituição processual que a lei está prevendo”.
Pacote polêmico
O projeto aprovado é bem diferente texto original enviado pelo Ministério Público Federal. Das propostas do MPF, foram mantidas a tipificação do crime eleitoral de caixa dois, a criminalização do eleitor pela venda do voto e a transformação de corrupção que envolve valores superiores a 10 mil salários mínimos em crime hediondo.
Contudo outras foram inseridas pelos deputados em Plenário. Ao todo, 16 destaques foram aprovados, entre eles a responsabilização de juízes e de membros do Ministério Público por crimes de abuso de autoridade. Entre os motivos listados está a atuação com motivação político-partidária.
Classificando a proposta como tentativa de “aterrorizar” procuradores, promotores e juízes, os integrantes da força-tarefa da “lava jato” ameaçaram abandonar a operação se o Congresso aprovar a responsabilização de juízes e de membros do Ministério Público por crimes de abuso de autoridade — chamada por eles de “Lei da Intimidação”. No entanto, eles não têm poderes para isso.
A presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, ministra Cármen Lúcia, também divulgou nota oficial nesta quarta na qual lamenta que a aprovação do PL 4.850/2016 pela Câmara dos Deputados venha ameaçar a autonomia dos juízes e a independência do Poder Judiciário.
Cármen Lúcia ressaltou que tem “integral respeito ao princípio da separação de poderes”, mas não aprovou tornar abuso de autoridade de magistrados um crime de responsabilidade. Com isso, os julgadores podem perder o cargo caso sejam punidos.
Mesmo assim, a ministra apontou que a regra não prejudicará o funcionamento do Judiciário — “o guarda da Constituição e garantidor da Justiça”. “Pode-se tentar calar o juiz, mas nunca se conseguiu, nem se conseguirá, calar a Justiça”, garantiu.
Clique aqui para ler a íntegra do PL 4.850/2016.
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