Execução provisória da prisão no âmbito do júri? Como compatibilizar a Lei Anticrime, o STF e o STJ atualmente?

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27 de abril5 min. de leitura

Olá pessoal, tudo certo?

Talvez você, ao ler o título do presente texto, possa ter sido acometido por algum estranhamento. Digo isso porque é natural pensarmos, depois de tanto tempo, o STF não havia colocado um ponto final (sabe-se lá até quando) sobre esse tema da execução provisória da pena?

E a resposta é positiva. Sim, o Supremo Tribunal Federal, em novembro de 2019, afastou a compatibilidade da execução provisória da pena com o atual ordenamento jurídico pátrio. Para a Corte, não tendo havido trânsito em julgado, não se pode determinar que o réu inicie o cumprimento provisório da pena. Não importa que os recursos pendentes possuam efeito meramente devolutivo (sem efeito suspensivo). Não existe cumprimento provisório da pena no Brasil porque ninguém pode ser considerado culpado antes do trânsito em julgado (art. 5º, LVII, da CF/88). O art. 283 do CPP[1], que exige o trânsito em julgado da condenação para que se inicie o cumprimento da pena, é constitucional, sendo compatível com o princípio da presunção de inocência, previsto no art. 5º, LVII, da CF/88[2].

Entretanto, parcela da doutrina sustentava que, dentro do espectro do Tribunal do Júri, haveria margem para a possibilidade de admissão de execução imediata da pena fixada nos crimes dolosos contra a vida justamente em razão da soberania dos veredictos. Essa temática era essencialmente acadêmica, mas passou a ser debatida nos Tribunais Superiores com maior intensidade e interesse, especialmente quando o Ministro Roberto Barroso se tornou entusiasta e defensor dessa corrente.

Em suas palavras, “nas condenações pelo Tribunal do Júri, sequer é necessário aguardar o julgamento de recurso em segundo grau de jurisdição, até porque o Júri é soberano e, consequentemente, o Tribunal de Justiça não tem como substituir a decisão do Júri. Eventualmente pode anulá-lo, mas as estatísticas documentam que é irrisório o número de condenações pelo Júri anuladas pelos tribunais de justiça. O contrário até acontece com mais frequência, absolvições que venham a ser anuladas, mas condenações que venham a ser anuladas é um número irrisório. Portanto, diante do princípio da soberania do Tribunal do Júri, o meu entendimento (…) é de que a condenação pelo Tribunal do Júri já significa a possibilidade de execução da pena[3].

Apesar disso, não se pode dizer que esse entendimento é o prevalecente no âmbito jurisprudencial. Isso porque, dentro do próprio STF, há um segundo entendimento bastante forte e consolidado por alguns Ministros da Corte apontando que, antes do julgamento de eventual apelação, sequer há o exaurimento das instâncias ordinárias. Ademais, compulsando o art. 593 do CPP, no âmbito do júri, é possível o reconhecimento em grau recursal de nulidades posteriores à pronúncia, retificação da decisão em face de contrariedade ou divergência dela em relação à quesitação dos jurados ou mesmo correção de erro de direito manifesto[4]. Vale destacar as palavras do Ministro Celso de Melo para quem “não cabe invocar a soberania do veredicto do Conselho de Sentença, para justificar a possibilidade de execução antecipada (ou provisória) de condenação penal recorrível emanada do Tribunal do Júri, eis que o sentido da cláusula constitucional inerente ao pronunciamento soberano  dos jurados (CF, art. 5º, XXXVIII, “c”) não o transforma em manifestação decisória intangível, mesmo porque admissível, em tal hipótese, a interposição do recurso de apelação, como resulta claro da regra inscrita no art. 593, III, “d”, do CPP”[5].

ATENÇÃO! A discussão ganhou novos contornos com o advento do Pacote Anticrime (Lei 13.964/2019), que trouxe uma nova e polêmica redação ao art. 492 do CPP, prevendo a possibilidade da execução provisória no âmbito do Júri, em determinados casos. Vejamos:

Art. 492.  Em seguida, o presidente proferirá sentença que: (…) e) mandará o acusado recolher-se ou recomendá-lo-á à prisão em que se encontra, se presentes os requisitos da prisão preventiva, ou, no caso de condenação a uma pena igual ou superior a 15 (quinze) anos de reclusão, determinará a execução provisória das penas, com expedição do mandado de prisão, se for o caso, sem prejuízo do conhecimento de recursos que vierem a ser interpostos; (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019) (…) § 3º O presidente poderá, excepcionalmente, deixar de autorizar a execução provisória das penas de que trata a alínea e do inciso I do caput deste artigo, se houver questão substancial cuja resolução pelo tribunal ao qual competir o julgamento possa plausivelmente levar à revisão da condenação. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) § 4º A apelação interposta contra decisão condenatória do Tribunal do Júri a uma pena igual ou superior a 15 (quinze) anos de reclusão não terá efeito suspensivo.  (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) § 5º Excepcionalmente, poderá o tribunal atribuir efeito suspensivo à apelação de que trata o § 4º deste artigo, quando verificado cumulativamente que o recurso: (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) I – não tem propósito meramente protelatório; e (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) II – levanta questão substancial e que pode resultar em absolvição, anulação da sentença, novo julgamento ou redução da pena para patamar inferior a 15 (quinze) anos de reclusão. § 6º O pedido de concessão de efeito suspensivo poderá ser feito incidentemente na apelação ou por meio de petição em separado dirigida diretamente ao relator, instruída com cópias da sentença condenatória, das razões da apelação e de prova da tempestividade, das contrarrazões e das demais peças necessárias à compreensão da controvérsia. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

Nesse cenário, é pertinente destacar que, não obstante as normas gozarem de presunção de constitucionalidade, a possibilidade ou não de execução provisória no âmbito do Tribunal do Júri permanece extremamente polêmica, objeto – como vimos, de série divergência, especialmente dentro da 1ª Turma do STF que, diferentemente da 2ª Turma e da maioria dos julgados recentes do STJ, vem admitindo essa execução antecipada em face da soberania dos veredictos. A posição definitiva e segura somente poderá se dar quando o Supremo Tribunal Federal levar a efeito o julgamento do RE 1.235.340 – cuja repercussão geral foi reconhecida – colocando um ponto final na celeuma.

Feita essa introdução e diante da fluidez de posicionamentos, recentemente, já no ano de 2022, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça construiu importante precedente. Segundo o Colegiado, pendente de julgamento no STF o Tema n. 1.068, em que se discute a constitucionalidade do art. 492, I, do CPP, deve ser reafirmado o entendimento do STJ de impossibilidade de execução provisória da pena mesmo em caso de condenação pelo tribunal do júri com reprimenda igual ou superior a 15 anos de reclusão.

Apesar de o STF ter refutado a execução provisória da pena a partir do 2º grau (ADCs 43, 44 e 54), sem elementos de cautelaridade, a Lei Anticrime veio a trazer previsão específica autorizando essa perspectiva quando – no âmbito do júri – houvesse condenação superior a 15 anos de pena privativa de liberdade. O art. 492 do CPP, que traz a novidade, já foi questionado no âmbito do STF quanto a sua constitucionalidade (TEMA 1068, RE 1.235.340/SC), tendo o Min. Gilmar Mendes votado pela sua inconstitucionalidade. Nesse contexto, diante da pendência do mencionado julgamento no Supremo Tribunal Federal, deve ser reafirmado o entendimento do STJ de impossibilidade de execução provisória da pena mesmo em caso de condenação pelo tribunal do júri com reprimenda igual ou superior a 15 anos de reclusão[6].

Espero que tenham compreendido e gostado.

Vamos em frente!

Pedro Coelho – Defensor Público Federal e Professor de Processo Penal e Legislação Penal Especial.

 

 


[1] Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de prisão cautelar ou em virtude de condenação criminal transitada em julgado. (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019) § 1o As medidas cautelares previstas neste Título não se aplicam à infração a que não for isolada, cumulativa ou alternativamente cominada pena privativa de liberdade. (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011). § 2o A prisão poderá ser efetuada em qualquer dia e a qualquer hora, respeitadas as restrições relativas à inviolabilidade do domicílio. (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).

[2] STF, Plenário, ADC 43/DF, ADC 44/DF e ADC 54/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgados em 7/11/2019.

[3]. HC 140449, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 06/11/2018.

[4]. Esse tema será detalhado quando estudarmos Apelação, no capítulo de Recursos em Espécie.

[5]. HC 174759 MC, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, julgado em 20/09/2019. No mesmo sentido, decisão monocrática da Ministra Laurita Vaz na ordem de habeas corpus 458.249, julgada em 12 de julho de 2018.

[6] AgRg no HC 714.884-SP, Rel. Min. Jesuíno Rissato (Desembargador convocado do TJDFT), Rel. Acd. Min. João Otávio de Noronha, Quinta Turma, por maioria, julgado em 15/03/2022, DJe 24/03/2022

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