Independência ou morte!

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A célebre frase proclamada por Dom Pedro I, em 7 de setembro de 1822, bem se aplica atualmente ao Ministério Público brasileiro, especialmente ao estado de apreensão sentido entre seus membros e membras em razão da possível aprovação da PEC 05/2021.

Para quem ainda não sabe, a PEC, em seu último substitutivo, altera a composição do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), acrescentando à sua estrutura mais 03 (três) integrantes. O quadro de conselheiros, portanto, passa de 14 (quatorze) para 17 (dezessete). Até aí nada a reclamar, não fosse a pretensão de incluir como membros do órgão de sobreposição pessoas estranhas à carreira do Ministério Público e indicados pelos Poderes estatais.

De fora dos quadros ministeriais, acrescem-se 1 cidadão de notável saber jurídico e reputação ilibada, indicado, alternadamente, pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal e um Ministro ou juiz, indicado pelo Supremo Tribunal Federal, e eleito, a cada biênio, alternadamente, pelo Senado Federal e pela Câmara dos Deputados.

Mas Câmara dos Deputados e Senado Federal ganham ainda maior incursão no Ministério Público, ao indicarem “um membro dos Ministérios Públicos dos Estados ou da União, dentre os que ocupam ou ocuparam, respectivamente, o cargo de Procurador-Geral de Justiça ou Procurador-Geral de um dos ramos do Ministério Público da União”.

Grande problema é que esse membro do Ministério Público indicado pelo Poder Legislativo é justamente, a teor da proposta, o Corregedor Nacional do Ministério Público Brasileiro.

O Ministério Público brasileiro, apesar de longe de perfeito, é exemplo para o mundo. Que o diga o jurista italiano Luigi Ferrajoli, o qual reconhece o “Parquet” tupiniquim como uma instituição independente que rompe a inércia do Poder Judiciário e vindica a implementação de direitos fundamentais, sendo a mais representativa expressão do princípio da acionabilidade.

Isso, evidentemente, só é possível por causa de nossa arquitetura constitucional, desenhada para assegurar a autonomia da própria instituição (autonomias funcional, administrativa e financeira) e uma série de vedações e garantias aos seus membros e membras, entre elas, a independência funcional.

Tamanha ingerência política na composição do CNMP, com o delineamento de antemão do Corregedor Nacional (como se o MP fosse uma desconcentração do Poder Legislativo e não um órgão estatal com autonomia organizacional e garantias de Poder) decerto atenta contra a autonomia do Ministério Público brasileiro e daquilo que a Comissão de Notáveis (Afonso Arinos) fez emplacar em nossa Constituição Coragem, por meio do Poder Constituinte originário.

Mas desgraça pouca é bobagem. A proposta pretende ainda que o mesmo Conselho, cada vez mais politicamente cercado, possa adentrar na atividade finalística, transformando a instância controladora em revisora de atos praticados no exercício do mister constitucional de defesa da ordem jurídica, do regime democrático, dos interesses sociais e individuais indisponíveis. E como não esbarrar na independência funcional, que o próprio preceito da proposta ressalva? A redação é, no mínimo, cerebrina.

Para o “gran finale”, a PEC ainda confere ao CNMP o prazo de 120 (cento e vinte) dias para a elaboração de um Código de Ética do Ministério Público brasileiro, válido em todo o território nacional, substituindo os regramentos dos ramos autônomos do Ministério Público. E na omissão do Conselho, caberá ao Congresso Nacional dispor sobre a matéria por lei ordinária.

Ou seja, a proposta pretende suplantar a autonomia administrativa do MP brasileiro, e seus diversos ramos autônomos, quando, a teor do art. 127, § 2º, da CR, assegura-se ao Ministério Público autonomia administrativa. Igualmente digno de registro o art. 128, § 5º, da CR, o qual preceitua que “leis complementares da União e dos Estados, cuja iniciativa é facultada aos respectivos Procuradores-Gerais, estabelecerão a organização, as atribuições e o estatuto de cada Ministério Público”.

Assim, na linha do disposto pelo Constituinte, para além da autonomia administrativa e organizacional, há a iniciativa privativa dos respectivos Procuradores-Gerais para as leis que estabeleçam o estatuto de cada MP (que, evidentemente, contém os deveres e sanções), o qual, necessariamente, deve ser aprovado por meio de lei complementar.

Trocando em miúdos, transferir tal iniciativa do Chefe de cada ramo autônomo do MP para o CNMP e, posteriormente, ao Congresso Nacional, é claramente inconstitucional, vituperando os arts. 127, § 2º e 128, § 5º, da CR, sem falar do vício formal consistente na edição de lei ordinária, quando a matéria é constitucionalmente reservada à lei complementar.

Vale lembrar que o Ministério Público é cláusula pétrea heterotópica, é instituição permanente, não comporta, portanto, qualquer tipo de alteração constitucional tendente à sua abolição ou seu acanhamento. Há pouco mais de um mês do aniversário da independência de nossa Pátria, é chegada a hora de reafirmar a independência do Ministério Público brasileiro, como um dos pilares do Estado Democrático de Direito.

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