Jurisprudência comentada: a influência da tópica de Viehweg na teoria da argumentação jurídica de Robert Alexy

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23 de setembro3 min. de leitura

Caras e caros colegas,

Como vimos semana passada, Robert Alexy reconhece a complexidade que envolve a solução das controvérsias jurídicas na pós-modernidade, o que torna insuficiente a atividade silogística (subsunção do caso concreto à norma), sobretudo se considerarmos a imprecisão semântica do texto normativo ou a possibilidade de conflito entre normas, bem como a existência de lacunas ou mesmo o fato de a aplicação da norma a um caso específico resultar em uma injustiça.

Nesse contexto, o que substituiria o silogismo? Ou seja, como poderíamos justificar racionalmente a decisão jurídica, de forma a garantir o máximo de objetividade e segurança jurídica? Segundo Alexy, isso seria possível por meio da integração entre os argumentos jurídicos e os argumentos práticos gerais.

A tese da integração é a base da teoria da argumentação do teórico alemão, que pretende desenvolver um modelo que, “por um lado, permita as convicções comumente aceitas e os resultados de prévias discussões jurídicas, e, por outro, deixe espaço aberto para os critérios de correção” (ALEXY, p. 23), destacando-se neste último ponto a importância da teoria do discurso, como instrumento capaz de tornar mais visível um ideal pelo qual valha a pena lutar (ALEXY, p. 29).

Contudo, antes da teoria da argumentação jurídica de Alexy, alguns outros caminhos foram trilhados na tentativa de restinguir a liberdade do aplicador do direito no processo de decisão. A principal preocupação é a de evitar que as convicções morais subjetivas dos magistrados prevaleçam nos julgamentos. Para tanto, defendem alguns, “o magistrado deve se ater aos julgamentos de valor de caráter universal ou de um grupo específico” (ALEXY, p. 23), o que se mostra tarefa impossível na realidade.

Um outro caminho seria defender a “coerência estimada do interior da ordem jurídica”, o que é, em parte, inadequado, pois o próprio conceito de coerência não limita quem decide a um determinado julgamento de valor. Por outro lado, essa teoria é acertada, pois as “perspectivas de avaliação formuladas na constituição, bem como em outras leis ou incorporadas numa variedade de normas e decisões são relevantes para qualquer tomada de decisão” (ALEXY, p. 23).

Na verdade, Alexy defende que se faz necessário o desenvolvimento de técnicas para buscar premissas para um argumento, o que aproxima sua teoria da proposta de Viehweg, o qual afirma:

Toda questão que aparentemente permite mais de uma resposta e que requer necessariamente um entendimento preliminar, de acordo com o qual toma o aspecto de questão que há que levar a sério e para a qual há que buscar uma resposta como solução. Isto se desenvolve abreviadamente do seguinte modo: o problema, através de uma reformulação adequada, é trazido para dentro de um conjunto de deduções, previamente dado, mais ou menos explícito e mais ou menos abrangente, a partir do qual se infere uma resposta. Se a este conjunto de deduções chamamos sistema, então podemos dizer que, de um modo mais breve, que, para encontrar uma solução, problema se ordena dentro de sistema (1979, p. 34).

A defesa dessa técnica não é propriamente uma inovação, na realidade corresponde a uma tendência de resgatar a retórica grega e a prática jurídica romana, presente na jusfilosofia do século XX. As teorias ditas pós-positivistas objetivam, com isso, construir um modelo de fundamentação da decisão jurídica adequado aos problemas do mundo pós-guerra, por meio da “reflexão sobre a atividade discursiva sob o ponto de vista ético” (CAMARGO, p. 134/135).

No que diz respeito à contribuição grega à tópica, destaca-se o Organon, de Aristóteles, composto por seis obras sobre lógica, quais sejam: Ategorias, Da Interpretação, Analíticos Anteriores, Analíticos Posteriores, Tópicos e Refutações Sofísticas. Dentre os temas abordados pelo grego, a disputa entre retóricos e sofistas ganhou especial atenção. E, mesmo criticando os sofistas, Aristóteles se valeu da distinção entre verdade e opinião, retomando as técnicas argumentativas dos sofistas, sem, contudo, descuidar da ética, da virtude.

Ainda na Antiguidade Clássica, não podemos deixar de mencionar a importância de Cícero para difusão da tópica. Diferentemente da perspectiva aristotélica, Cícero procurou escrever uma obra para os juristas, voltada à aplicação da tópica aos casos concretos.

Margarida Lacombe Camargo esclarece que Cícero ordena os topoi ou loci em catálogos, com a finalidade de que pudessem ser mais bem aproveitados na prática. Assim, por exemplo, o prático romano agrupava os topoi em função de termos técnicos que se ligam a determinado assunto, provendo-lhes a qualidade de topoi científicos; e outros, mais gerais, que serviriam a qualquer tipo de problema, como qualificação de gênero, espécie, quantidade, semelhança, diferença, lugar etc.

Viehweg retoma tais ideias, tornando a tópica uma técnica de pensamento orientada para a solução dos problemas contemporâneos. A tópica representaria uma forma de pensar, um método, que parte do problema para se chegar à construção da norma, por meio do confronto de argumentos, os quais levariam à melhor solução para o caso concreto.

Não temos dúvidas da importância da contribuição da tópica de Viehweg para a teoria do direito, bem como para o surgimento das teorias da argumentação jurídica. Não por acaso, Robert Alexy dialoga diretamente com a tópica no primeiro capítulo da sua teoria da argumentação.

As críticas à tópica, contudo, são inúmeras. E é sobre elas que falaremos em nosso próximo encontro.

Até breve,

Chiara Ramos

Doutoranda em Ciências Jurídico-Políticas pela Faculdade de Direito da Universidade Clássica de Lisboa, em co-tutoria com a Universidade de Roma – La Sapienza. Graduada e Mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco. Procuradora Federal, desde 2009. Atualmente exerce o cargo de Diretora da Escola da Advocacia Geral da União. É Editora-chefe da Revista da AGU, atualmente qualis B2. É instrutora da Escola da AGU, desde 2012. Foi professora da Graduação e da Pós-graduação da Faculdade Estácio Atual. Aprovada e nomeada em diversos concursos públicos, antes do término da graduação em direito, dentre os quais: Procurador Federal, Oficial de Justiça do Tribunal de Justiça de Pernambuco, Técnica Judiciária do Tribunal Regional do Trabalho 6ª Região, Técnica Judiciária do Ministério Público de Pernambuco, Escrivã da Polícia Civil do Estado de Pernambuco.

 

ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica. São Paulo: Landy Editora, 2001.

ATIENZA, Manuel. As Razões do Direito: Teorias da Argumentação Jurídica. 3. ed. São Paulo: Landy, 2003.

CAMARGO, Margarida Maria Lacombe. Hermenêutica e Argumentação: uma contribuição ao estudo do direito. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

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