Modificações no Código Penal pelo “Pacote Anticrime”, através da Lei 13.964/2019: Análise das Inovações Relativas ao art. 25, CP.

Frequentemente cobrada em concursos, entenda as modificações no art. 25, CP que ocorreram pelo "Pacote Anticrime" através da Lei 13.964/2019!

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29 de Janeiro de 2020

Prof. M.Sc. Adriano Barbosa

Delegado de Polícia Federal

Professor de Direito Penal e Direito Processual Penal

 

I – Introdução

 

O Direito é dinâmico ele evolui e se aperfeiçoa constantemente. Essa evolução e aperfeiçoamento sempre ascende na esteira da tábua de valores sociais e em face das demandas do conjunto da sociedade. Na seara criminal este dinamismo e evolução são maiores, pois a lei penal se vincula fortemente aos bens jurídicos mais caros à sociedade, como vida, integridade física, patrimônio, protegendo-os.

É neste diapasão que surge a lei 13964/2019, que se denominou “Pacto Anticrime”, como uma ação legislativa, proposta pelo Poder Executivo e modificada pelo Poder Legislativo, para se aperfeiçoar institutos do Direito penal e do Direito Processual Penal. Neste sentido, vários dispositivos do Código penal, do Código de Processo Penal e da legislação penal especial foram reformados e alguns dispositivos foram inaugurados.

O presente artigo tem por escopo enfrentar as modificações promovidas pelo “Pacote Anticrime” no arts 25. A posteriori, enfrentaremos em outros artigos científicos os demais dispositivos reformados e introduzidos no CP. Assim, vamos analisar na Parte Geral do CP as modificações promovidas nos arts. 51, 75, 83, 116 e o novel art. 91-A, e na Parte Especial do CP as mudanças promovidas nos arts.157, 171 e 316.

 

II – Do Art. 25, CP – A Legítima Defesa

 

O art. 25 do CP trata da excludente de ilicitude da legítima defesa. Ao lado do estado de necessidade, do estrito cumprimento do dever legal e do exercício regular do direito, a legítima incide sobre condutas que são penalmente relevantes, mas que devem ser consideradas lícitas à luz do ordenamento jurídico pátrio. O Professor GRECO (2017) leciona sobre a legítima defesa o seguinte:

Zaffaroni e Pierangeli, dissertando sobre o tema, prelecionam: “A defesa a direito seu ou de outrem, abarca a possibilidade de defender legitimamente  qualquer bem  jurídico”. No entanto, excepcionando a regra, Muñoz Conde assevera que “os bens jurídicos comunitários não podem ser objeto de legítima defesa”, posição  corroborada  por José Cerezo Mir, quando afirma: “Os bens jurídicos  supra individuais, cujo portador é a sociedade  (por exemplo, a fé  pública, a  saúde pública, a segurança do tráfego) ou o Estado, com o órgão do poder  soberano (a segurança exterior e interior do Estado, a ordem pública, o reto funcionamento da Administração Pública, da  Administração da Justiça etc.), não são, por isso, suscetíveis de legítima defesa. Somente quando o Estado atuar com o pessoa jurídica serão seus bens jurídicos (a propriedade, por exemplo) suscetíveis de legítima defesa.” 

Até a reforma trazida à tona pela lei 13.964/2019 a legítima defesa era tão somente tratada na cabeça do art. 25, CP, nos termos da redação dada pela Lei 7.209/1984, verbis:

Art. 25 – Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.

Dessa forma, à luz do caput deste dispositivo legal é possível afirmar que age em legítima defesa, com animus defendendi, atuando de forma lícita quem:

Lei 13.964/2019

Lei 13.964/2019: Legítima defesa.

III – Das Alterações do Art. 25, CP

A lei 13964/2019, o “Pacto Anticrime”, promoveu a inauguração de um parágrafo único no art. 25, CP. Este novel dispositivo agregado ao art. 25, CP trouxe uma à lume uma “nova” (entre aspas mesmo… veremos a razão mais à frente) figura jurídica que retrata a excludente de ilicitude. O legislador penal pátrio passou a considerar que também deve ser considerado em legítima defesa o agente de segurança pública da forma abaixo representada.

Lei 13.964/2019

Lei 13.964/2019: alterações no Art. 25, CP.

 

Lei 13.964/2019: alterações no Art. 25, CP.

Lei 13.964/2019: alterações no Art. 25, CP.

 

IV – Quadro Comparativo Relativo ao art. 25, CP Antes e Depois da Reforma do Pacote Anticrime

Abaixo trago um quadro comparativo onde se pode ter uma visão panorâmica do art. 25, CP antes e depois da redação dada pelo Pacto Anticrime:

Lei 13.964/2019: alterações no Art. 25, CP.

Lei 13.964/2019: Art. 25, CP, antes e depois da reforma.

 

V – Entendimentos jurisprudenciais sobre o tema da legítima defesa

Em relação à Legítima Defesa trazemos à lume os seguintes julgados que avançam sobre os requisitos legais na forma do art. 25, caput, CP.

 

APELAÇÃO. LESÃO CORPORAL e AMEAÇA. Artigos 129, §9º, e 147, enlaçados na forma do 69, todos do Código Penal. Ameaça e ofensa à integridade corporal de ex-namorada. Autoria e materialidade comprovadas. Laudo de exame de corpo de delito que demonstra a natureza da lesão. Declarações da vítima prestadas de forma firme e convincente, em harmonia com os demais elementos de convicção colhidos durante a instrução probatória. Inexistência de circunstâncias que lhes retirem a idoneidade. Legítima defesa não verificada. Estado anímico exacerbado que não tem o condão de tornar atípica a conduta no que se refere ao crime de ameaça. Condenação mantida. Dosimetria escorreita. Regime inicial aberto corretamente fixado. Impossibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos. Súmula nº 588, do Colendo Superior Tribunal de Justiça. Sursis bem aplicado. Sentença mantida. RECURSO DESPROVIDO.

 

TJSP, Apelação Criminal 0003041-87.2017.8.26.0548; Relator (a): Camargo Aranha Filho; Órgão Julgador: 16ª Câmara de Direito Criminal; Foro Regional de Vila Mimosa – 2ª Vara; Data do Julgamento: 23/01/2020; Data de Registro: 23/01/2020.

 

Exige-se, para se caracterizar a legítima defesa, que concorram, simultaneamente, a agressão injusta, atual ou iminente; direito próprio ou alheio; meios necessários usados moderadamente; e o chamado animus defendendi. Além da desproporção entre a ação em cotejo e as alegadas injustas agressões e ameaças noticiadas, porém não demonstradas, o réu também não comprovou ter agido com animus defendendi, sendo vedado ao mesmo se escusar da responsabilidade que lhe é inerente sob o pretexto de ter agido em legítima defesa.

TJMG, AC 0065676-15.2000.8.13.0079, Rel. Des. Walter Luiz, DJe 17/9/2012.

 

Pronúncia – atuação em legítima defesa não evidente – inviabilidade de absolvição sumária Futilidade – prévia discussão e vingança mencionadas na denúncia – descaracterização da qualificadora – afastamento.

 

TJSP, Recurso em Sentido Estrito 0000068-28.2018.8.26.0548; Relator (a): Vico Mañas; Órgão Julgador: 12ª Câmara de Direito Criminal; Foro de Campinas – VARA DO JÚRI DA COMARCA DE CAMPINAS; Data do Julgamento: 10/01/2020; Data de Registro: 10/01/2020.

A excludente de legítima defesa deve ser reconhecida quando o agente usa de meios que estão ao seu alcance para se defender, em razão de agressão mútua entre acusado e vítima. A ‘necessidade’ prevista para o reconhecimento da excludente de ilicitude da legítima defesa se determina de acordo com a força real da agressão, sendo certo que o ‘ meio necessário’ é aquele de que dispõe o agente no momento em que rechaça a violência sofrida, podendo ser até mesmo desproporcional ao utilizado no ataque, desde que seja o único à sua disposição. Uma vez demonstrados os requisitos necessários ao reconhecimento da descriminante da legítima defesa, imperiosa a absolvição do agente, nos termos do art. 386, inc. VII, do CPP.

TJMG, AC  7999100-25.2007.8.13.0024, Rel. Des. Marcílio Eustáquio Santos, DJe 25/5/2012.

VI – Questões de Concurso

O tema da legítima defesa tem sido cobrado em provas de concurso da seguinte forma:

 

01 – 2015 – VUNESP – PC/CE – Inspetor de Polícia Civil

Com relação à legítima defesa, segundo o disposto no Código Penal, é correto afirmar que

A) um dos requisitos para sua caracterização consiste na exigência de que a repulsa à injusta agressão seja realizada contra direito seu, tendo em vista que se for praticada contra o direito alheio estar-se-á diante de estado de necessidade

B) considera-se em legítima defesa aquele que pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se

C) a legítima defesa não resta caracterizada se for praticada contra uma agressão justa, ainda que observados os demais requisitos para sua caracterização

D) um dos requisitos para sua caraterização consiste na necessidade que a injusta agressão seja atual e não apenas iminente.

E) o uso moderado dos meios necessários para repelir uma agressão consiste em um dos requisitos para caracterização da legítima defesa, ainda que essa agressão seja justa.

 

02 – 2012 – CESPE – PC/AL – Agente de Polícia

Com relação a essa situação hipotética, julgue o item seguinte. João não poderá alegar legítima defesa, pois utilizou navalha para revidar agressões de homem desarmado.

(   ) Certo   (   ) Errado

 

03 – 2014 – FUNDEP – DPE/MG – Defensor Público

Analise o caso a seguir. Para repelir a arremetida de um cão feroz, o agente usa uma arma de fogo matando o animal. O animal tinha sido instado ao ataque pelo seu dono, o que era do conhecimento do agente. O agente praticou o fato.

A) em estado de necessidade.

B) em legítima defesa.

C) em exercício regular de direito.

D) em inexigibilidade de outra conduta.

 

04 – 2013 – CESPE – PC/DF – Escrivão de Polícia

Acerca do direito penal, julgue os itens subsecutivos. Considere a seguinte situação hipotética. Henrique é dono de um feroz cão de guarda, puro de origem e premiado em vários concursos, que vive trancado dentro de casa. Em determinado dia, esse cão escapou da coleira, pulou a cerca do jardim da casa de Henrique e atacou Lucas, um menino que brincava na calçada. Ato contínuo, José, tio de Lucas, como única forma de salvar a criança, matou o cão. Nessa situação hipotética, José agiu em legítima defesa de terceiro.

(   ) Certo   (   ) Errado

 

05 – 2014 – FCC – TCE/GO – Analista de Controle Externo

Considere:

I. Cícerus aceitou desafio para lutar

II. Marcus atingiu o agressor após uma agressão finda.

III. Lícius reagiu a uma agressão iminente.

Presentes os demais requisitos legais, a excludente da legítima defesa pode ser reconhecida em favor de

A) Lícius, apenas.

B) Cícerus e Marcus.

C) Cícerus e Lícius.

D) Marcus e Lícius.

E) Cícerus, apenas

 

VII – Gabarito Comentado das Questões

Questão 01Letra C – Considerando que há de haver uma agressão injusta para caracterizar a legítima defesa nos termos do art. 25, caput, CP: “Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.”

 

Questão 02Errado – Levando em conta que João agiu em face de agressão atual contra si e utilizando o meio necessário nos termos do art. 25, caput, CP: “Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.”

 

Questão 03Letra B – Considerando que o animal (cão feroz) no caso sob exame foi utilizado como instrumento da injusta agressão nos termos do art. 25, caput, CP: “Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.”

 

Questão 04Errado – Levando em conta que o caso apresentado se trata de estado de necessidade considerando que há no cenário um perigo (causado por um animal) e não uma agressão injusta, conforme o art. 24, caput, CP: “Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.”

 

Questão 05Letra A – Considerando que no caso sob exame apenas Licinius tem sua conduta realizada observando requisito legal autorizador da ação em legítima defesa, nos termos do art. 25, caput, CP: “Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.”

 

VIII – Referências Bibliográficas 

  1. BITENCOURT, Cezar Roberto, Tratado de direito penal: parte geral, 1, São Paulo: Saraiva, 2015.
  2. GRECO, Rogério. Código Penal Comentado, Niterói: Editora Impetus, 2017.
  3. NUCCI, Guilherme Souza. Código Penal Comentado, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015.
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29 de Janeiro de 2020