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Para concluir esta série de artigos sobre a relação do homem com a natureza e, em especial, com os animais, gostaria de deixar algumas reflexões, pressupondo que os futuros advogados devem estar filosoficamente preparados para lidarem com questões complexas, cujas teorias tradicionais e os dogmas jurídicos não solucionarão. Diante desses casos ditos difíceis, acreditem em mim: a Filosofia do Direito será sua melhor amiga.
Como se percebe dos artigos anteriores, a comunicação sobre a necessidade de proteção da natureza se dá com base na dicotômica distinção entre natureza-objeto/natureza-sujeito. A natureza-objeto apoia-se numa visão dualista do mundo: de um lado, estão os seres humanos, únicos sujeitos de direitos e obrigações, enquanto do outro encontra-se a natureza, reduzida à condição única de objeto, posta à disposição de todos, passível de apropriação, de manejo e até de destruição irreversível, pura e simples.
Nos últimos anos, contudo, vem ganhando força a tese de que um dos objetivos do Direito Ambiental é a proteção da biodiversidade (fauna, flora e ecossistemas), sob uma diferente perspectiva: a natureza se apresenta como titular de um valor jurídico intrínseco ou próprio, sendo indispensável a sua proteção, independentemente de sua utilidade econômico-sanitária direta para o homem.
Edna Cardozo Dias, a primeira brasileira a escrever uma tese de doutorado sobre o tema, ressalta que os animais se tornam sujeitos de direitos por força das leis que os protegem. Afirma que, embora não possuam capacidade de comparecer em juízo para pleiteá-los, o Poder Público e a coletividade receberam a incumbência constitucional da proteção dos animais. Neste contexto, o Ministério Público seria competente para representar os animais, sempre que as leis que os protegem forem violadas (DIAS, 2005, p. 1).
De forma semelhante, um dos maiores defensores da chamada “causa animal”, o teórico e promotor de justiça Laerte Fernando Levai, defende a necessidade de modificar a distinção básica que fundamenta a atribuição dos direitos subjetivos apenas aos seres humanos, relegando aos animais o papel de objetos da relação jurídica.
Nesse sentido, Levai afirma que o pensamento jurídico tradicional comete o equívoco de pressupor a existência de uma diferença qualitativa entre o homem e o animal, com base na racionalidade. Contudo, a essência ética da tese de que os animais são sujeitos de direito não se restringiria à capacidade de pensar ou de falar, mas à capacidade de sofrer (LEVAI, 2001, p. 71).
Buscando apelar para a moral e sensibilidade do leitor, Levai descreve de forma pormenorizada as diversas formas de violência praticada contra os animais, tanto silvestres, como a caça e a pesca predatória, quanto domésticos ou domesticáveis, como os cruéis treinamentos de ursos, leões, tigres e elefantes para o espetáculo circense, bem como as touradas, a Farra do Boi de Santa Catarina, as vaquejadas do Nordeste, as brigas de galo e até mesmo o abate nos criadouros que visam o agronegócio.
Contudo, após mais de dois séculos, as teorias acerca do sistema jurídico continuam presas às amarras de uma concepção individualista e essencialista. Mesmo após a guinada linguística, com a obra de Saussure, ainda não se reconheceu no mundo jurídico a diferença entre signo e significado como algo puramente semiótico, tornando os valores meros componentes de uma diferença, e não algo que tem valor por si mesmo (LUHMANN, 2007, p. 789). Por isso, o discurso em defesa dos direitos dos animais procura adaptar-se à comunicação reproduzida pelo sistema jurídico, propondo uma consideração moral dos animais por seus valores inatos, impossibilitando que a teoria do direito dissolva paradigmas e dualismos que a engessam.
Outro possível equívoco que identificamos nas teorias em defesa do direito subjetivo animal está na crença de que a humanidade vive uma evolução histórica para a progressão moral. As afirmações neste tocante são quase proféticas, a exemplo do teorizado por Norberto Bobbio (1992, p. 63), in verbis:
Olhando para o futuro, já podemos entrever a extensão da esfera do direito à vida das gerações futuras, cuja sobrevivência é ameaçada pelo crescimento desmesurado de armas cada vez mais destrutivas, assim como a novos sujeitos, como os animais, que a moralidade comum sempre considerou apenas como objetos, ou, no máximo, como sujeitos passivos, sem direitos.
Entendemos não ser possível a aplicação de uma causalidade linear à teoria do direito, segundo aclaram os pressupostos introdutoriamente especificados. A descrença na ideia de prognósticos por parte das ciências de cada um dos chamados sistemas sociais, inclusive do sistema jurídico, parte da distinção entre operação e causalidade. Não se quer com isso negar a causalidade das operações do sistema. Melhor explicando, as operações controlam e variam uma parte das causas que são necessárias para a reprodução do sistema (autopoiese). Além disso, as designações causais sempre supõem a atuação de um observador, que atribui determinados efeitos a determinadas causas selecionadas entre inúmeros outros fatores causais. Daí decorre que, dependendo do interesse da atribuição, a correlação varia de maneira definitiva. Ou seja, para saber que relações causais se estabelecem, se selecionam, é necessário observar o observador (LUHMANN, 2007, p. 96).
Gary Francione, por sua vez, afirma que é preciso enfrentar a questão dos direitos dos animais não humanos a partir da necessidade de se expandir o rol dos sujeitos de direito para além da espécie humana, outorgando-lhes personalidade jurídica. Para ele, se examinarmos a história do Direito, não será difícil perceber que nem todos os homens são (ou foram) considerados pessoas, assim como nem todas as pessoas são seres humanos.
Então, a que conclusões vocês chegaram: os animais não humanos podem ou não podem ser considerados sujeitos de direito?
Até a próxima.
Foco, força e fé.
Chiara Ramos
Chiara Ramos – Doutoranda em Ciências Jurídico-Políticas pela Faculdade de Direito da Universidade Clássica de Lisboa, em co-tutoria com a Universidade de Roma – La Sapienza. Graduada e Mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco. Procuradora Federal, desde 2009. Atualmente exerce o cargo de Diretora da Escola da Advocacia Geral da União. É Editora-chefe da Revista da AGU, atualmente qualis B2. É instrutora da Escola da AGU, desde 2012Foi professora da Graduação e da Pós-graduação da Faculdade Estácio Atual. Aprovada e nomeada em diversos concursos públicos, antes do término da graduação em direito, dentre os quais: Procurador Federal, Oficial de Justiça do Tribunal de Justiça de Pernambuco, Técnica Judiciária do Tribunal Regional do Trabalho 6ª Região, Técnica Judiciária do Ministério Público de Pernambuco, Escrivã da Polícia Civil do Estado de Pernambuco.
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