Por: Projeto Exame de Ordem | Cursos Online
A busca pela verdade, como descoberta da realidade em si, apresenta-se como mola propulsora do agir filosófico e científico ocidental. Seja na cultura cosmocêntrica da Escola de Mileto, na qual as construções teóricas a respeito da nomos desenvolviam-se com base nas leis da natureza, seja nos pressupostos do conhecimento desenvolvidos pelos socráticos; na fundamentação teológica da escolástica; ou mesmo na reafirmação da concepção humanista a partir da Renascença, o pensar científico buscou conceitos representativos de uma verdade absoluta, universal e estática. Vejamos, de forma sintética, em que consiste essa perspectiva essencialista.
Os filósofos pré-socráticos, com os olhos voltados para a natureza, buscaram descobrir a essência, o princípio unitário que compunha todas as coisas. Para Tales de Mileto (624 a 548 a.C.), por exemplo, esse elemento essencial seria a água. Anaxímenes de Mileto (588 a 524 a.C.), por sua vez, afirmou que o ar (pneuma) constituiria a essência de todas as coisas. Para Heráclito (540 a 476 a.C.), o fogo seria a origem das coisas naturais. Finalmente, Demócrito teorizou sobre o átomo, como partícula indivisível que constitui todas as coisas (SPINELLI, 2003). Apesar das conclusões diferentes, os filósofos da natureza partiram do mesmo pressuposto: existe uma essência, uma verdade apriorística, um elemento único e imutável que compõe todas as coisas e que pode ser descoberto pela razão humana.
Essa busca pela verdade imanente se mantém mesmo quando os socráticos se voltam para o próprio homem. O melhor exemplo do pensamento essencialista desse período está na “Teoria das Ideias” de Platão (428 a 347 a.C.), na qual estas passam a ser compreendidas como essências eternas, como formas não materiais, substanciais e imutáveis, enquanto o que é captado pelos sentidos representaria apenas uma cópia imperfeita do real.
Sem expandir ainda mais essa digressão, em razão das limitações que o presente texto impõe, queremos ressaltar que o essencialismo perpassa toda a construção do pensamento ocidental desde os gregos, tendo sido retomado pela escolástica, sobretudo com a metafísica teológica de Agostinho, bem como pelo jusnaturalismo racionalista da Revolução Francesa, que apenas substituiu “Deus” pela metafísica da Razão Humana.
A busca da essência como verdade pré-existente, que é extraída da coisa em si, é uma tentativa de tornar imutáveis os sentidos, os conceitos. Uma vez descoberto o essencial, este se imortaliza, pois essência é algo que não muda. Como se percebe, são séculos de construção de pensamento alicerçado nos pilares da ontologia, do essencialismo e da metafísica.
A grande questão que colocou em cheque a tradição essencialista foi justamente como provar a existência dessa realidade fundamental e como ter acesso a ela. Ora, se a essência não se mostra de forma imediata, como se pode então provar que o ser revelado é o ser verdadeiro? (DOMINGUES, 1991, p. 370).
Para responder a tal problemática, a estratégia essencialista recorre a uma espécie de visão: a intuição, graças a qual se poderia provar que o ser revelado é o ser verdadeiro, à luz de sua evidência. A intuição seria, pois, “o poder do espírito capaz de vencer a opacidade do real empírico e de nos abrir o acesso à região do ser que abriga a verdade” (DOMINGUES, 1991, p. 370). Assim, para provar a verdade, é preciso fazer uso da evidência (intuição), contudo tal evidência precisa, por sua vez, ser provada (dedução), ou seja, precisa de uma outra evidência (DOMINGUES, 1991, p. 371).
Mesmo diante da reconhecida insuficiência desse modelo de pensamento para lidar com a complexidade contemporânea, a tradição essencialista permanece pautando os diversos ramos das ciências, marcadamente do direito. Não é difícil verificar que a dogmática jurídica atual continua a sua busca pela “natureza” do direito, ou pela “essência” das normas, construindo dicotomias do tipo: direito objetivo/direito subjetivo, direito público/direito privado, regras/princípios, dentre tantas outras.
A teoria do direito continua buscando verdades imutáveis, pois não possui instrumentos teóricos para lidar com as incertezas da dita pós-modernidade. Mesmo após a guinada linguística, com a obra de Saussure, ainda não se reconheceu no mundo jurídico a diferença entre signo e significado como algo puramente semiótico, tornando os valores meros componentes de uma diferença, e não como algo que tem valor por si mesmo (LUHMANN, 2007: 789).
A guinada linguística representa, nesse contexto, uma revolução copernicana no saber filosófico ocidental. Substitui-se o paradigma “sujeito a objeto”, segundo o qual o sujeito se debruça sobre o objeto, buscando descobrir uma verdade preexistente, pelo paradigma “sujeito a sujeito”, segundo o qual a comunicação constrói o sentido, limitado a um determinado tempo e espaço.
Algumas são as tentativas de incluir essa perspectiva à teoria do direito, como ocorre com o Direito Constitucional, com o desenvolvimento de temas como a hermenêutica constitucional.
A mudança de paradigma filosófico promovida pela filosofia da linguagem, contudo, ainda não foi completamente assimilada pelas teorias jurídicas, ainda presas à metafísica essencialista.
Bem, espero que tenham gostado.
Retornaremos a essa discussão em breve.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DOMINGUES, Ivan. O grau zero do conhecimento das ciências humanas: o problema da fundamentação das ciências humanas. São Paulo: Loyola, 1991.
LUHMANN, Niklas & De GEORGI, Raffaele. Teoria de la sociedad. México: Universidad de Guadalajara, Universidad Iberoamericana, Instituto Tecnológico de Estudos Superiores de Occidente, 1993.
LUHMANN, Niklas. Sociologia do direito I. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1983.
_______. Sociologia do direito II. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1985.
_______. La sociedad de la sociedad. México: Universidad Iberoamericana. MAINGUENEAU, Dominique. Gênese dos discursos. Curitiba: Criar, 2007.
_______. El derecho de la sociedad. 2 ed. Ciudad de México: Herder, 2005.
PLATÃO. Fédon. Trad. Miguel Ruas. São Paulo, Editora Martins Fontes, 2007.
Chiara Ramos – Doutoranda em Ciências Jurídico-Políticas pela Faculdade de Direito da Universidade Clássica de Lisboa, em co-tutoria com a Universidade de Roma – La Sapienza. Graduada e Mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco. Procuradora Federal, desde 2009. Atualmente exerce o cargo de Diretora da Escola da Advocacia Geral da União. É Editora-chefe da Revista da AGU, atualmente qualis B2. É instrutora da Escola da AGU, desde 2012Foi professora da Graduação e da Pós-graduação da Faculdade Estácio Atual. Aprovada e nomeada em diversos concursos públicos, antes do término da graduação em direito, dentre os quais: Procurador Federal, Oficial de Justiça do Tribunal de Justiça de Pernambuco, Técnica Judiciária do Tribunal Regional do Trabalho 6ª Região, Técnica Judiciária do Ministério Público de Pernambuco, Escrivã da Polícia Civil do Estado de Pernambuco.
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