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Voltando a discutir a temática sobre a relação entre homens e animais numa perspectiva filosófica, vejamos hoje a perspectiva do humanismo renascentista.
Na Idade Moderna, com a reafirmação do humanismo pela Renascença, Francis Bacon foi o primeiro teórico a enfatizar a capacidade de intervenção humana na natureza, explicitando, de maneira forte, a íntima relação entre saber e poder. Instaura-se, portanto, outra maneira de se visualizar a relação do homem com a natureza, cabendo-lhe dominá-la e utilizá-la em seu proveito (SEVERINO in CARVALHO; GRÜN; TRAJBER, 2009, p. 51–53).
É neste contexto que Bacon recomenda que o homem não se deixe dominar por ídolos que o impeçam de contemplar a verdade. A verdade seria clara, manifesta, o ser humano que não a visualizasse estaria cometendo o erro de se deixar enganar pelos próprios preconceitos. Os ídolos de Bacon seriam, portanto, uma espécie de noção falsa que ocupa o intelecto humano, obstruindo o acesso à verdade. Tal obstrução só poderia ser superada através da formação de noções e axiomas construídos por um processo indutivo (BACON, 1997, p. 12, 40).
É assim que, objetivando abandonar os ídolos, Bacon defendeu uma atitude experimentalista em face dos animais e da filosofia de dominação e manipulação da natureza. Bacon propõe o abandono da tradição, seja ela científica ou filosófica, para construção de uma nova ciência, permitindo-se viver um presente puro, liberto de historicidade.
Dando continuidade ao processo iconoclasta de Bacon, Descartes afirma que o sujeito existe independentemente de tudo o que esteja fora dele, podendo ser aí incluídos os ecossistemas e seus ambientes (GRÜN in CARVALHO; GRÜN; TRAJBER, 2009, p. 63).
Com essa certeza sobre a existência de si mesmo, do sujeito racional, Descartes conclui que não há um lugar para se pertencer, esclarecendo o seguinte: “compreendi que era uma substância cuja essência ou natureza consiste apenas no pensar e que, para ser, não necessita de nenhum lugar, nem depende de qualquer coisa material” (DESCARTES, 2007, p. 56).
Levando ao extremo a tradição aristotélico-tomista, reafirmando que a linguagem seria a única prova de que os homens possuem um espírito capaz de raciocinar, Descartes defendeu que os animais seriam incapazes de sentimento, não passando de simples autômatos.
Tal filósofo advogou, ainda, que os animais seriam destituídos de qualquer dimensão espiritual e que, embora dotados de visão, audição e tato, seriam insensíveis à dor, incapazes de pensamento e de consciência de si (DESCARTES, 2007, p. 56-58). A teoria do animal-máquina de Descartes serviu para justificar inúmeras práticas cruéis em prejuízo destes, inclusive a vivissecção.
Descartes não negou a existência de semelhanças entre o corpo do homem e do animal, comparando ambos a máquinas, contudo existiriam diferenças fundamentais, consistentes, por exemplo, na impossibilidade de a “máquina” animal fazer uso das palavras ou de outros sinais compondo-os para exprimir seus sentimentos ou pensamento. A máquina animal, diferentemente do homem, não agiria com conhecimento, mas unicamente pela disposição de seus órgãos, como autômatos.
A teoria do animal-máquina decorre de um racionalismo mecanicista, cunhado sob forte influência da nascente fisiologia, buscando permitir que a sociedade ignorasse o aparente sofrimento dos animais em experiências feitas por residentes no famoso Convento de Port-Royal, onde o próprio Descartes realizou várias vivissecções (SANTANA, 2006, p. 52). Contra os que defendiam que os animais também possuíam alma, Descartes (2007, p. 67) dizia que:
Não há nenhum outro que afaste tanto os espíritos fracos do reto caminho da virtude como aquele que reside em supor a alma dos animais como sendo da mesma natureza que a nossa e tirar disso a conclusão de que nada temos a temer nem a esperar após esta vida, exatamente como as moscas e as formigas; quando, pelo contrário, se sabe quanto elas são diferentes, compreendem-se melhor as razões que provam que a nossa é de natureza completamente independente do corpo e não está, por isso, sujeita a morrer com ele; pois que, não vendo outras causas que a destruam, somos induzidos, evidentemente, a concluir que ela é imortal.
À época em que viveram Bacon e Descartes, o controle da natureza era mais que uma aspiração, era uma necessidade para melhoria da qualidade de vida do povo europeu. A preocupação à época não era com a problemática ambiental, mas sim com a fome provocada pela explosão demográfica ocorrida a partir do século XVI. Neste contexto, a ciência surge com a grande promessa de possibilitar o domínio da natureza, fazendo com que o homem superasse os limites produtivos por ela impostos (SAWAIA in CARVALHO; GRÜN; TRAJBER, 2009, p. 81).
É importante ressaltar que a revolução epistemológica da modernidade não foi resultado de uma descoberta de verdades científicas, mas sim produto de uma construção teórica orientada pelo objetivo de tornar possível um maior controle da natureza. Ora, se o conhecimento é uma construção, a intencionalidade que o orienta torna-se decisiva para avaliar sua pertinência.
Assim, o homem, sujeito ativo desse conhecimento e dessa dominação, foi pensado de maneira reducionista, com um corpo-máquina e uma consciência que existiria mesmo que separada deste. Foi assim que o homem deixou de ser visto como integrante da natureza, “passando a sê-lo como separado dela e com ela mantendo relações de oposição e dominação, tanto com relação à sua própria natureza, quanto à natureza externa, da qual era ignorada a dinâmica autopoiética” (PLASTINO in CARVALHO; GRÜN; TRAJBER, 2009, p. 140).
Como se percebe, as teorias de Descartes e Bacon também não possibilitaram uma evolução da semântica no contexto do direito animal. Dito de outra forma, as teorias que alegam a superioridade do homem com base na ideia de racionalidade pouco deixam espaço para variações de sentido no âmbito do direito subjetivo animal.
Bem, espero que vocês tenham gostado. Até a próxima.
Foco, força e fé.
Chiara Ramos
Chiara Ramos – Doutoranda em Ciências Jurídico-Políticas pela Faculdade de Direito da Universidade Clássica de Lisboa, em co-tutoria com a Universidade de Roma – La Sapienza. Graduada e Mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco. Procuradora Federal, desde 2009. Atualmente exerce o cargo de Diretora da Escola da Advocacia Geral da União. É Editora-chefe da Revista da AGU, atualmente qualis B2. É instrutora da Escola da AGU, desde 2012Foi professora da Graduação e da Pós-graduação da Faculdade Estácio Atual. Aprovada e nomeada em diversos concursos públicos, antes do término da graduação em direito, dentre os quais: Procurador Federal, Oficial de Justiça do Tribunal de Justiça de Pernambuco, Técnica Judiciária do Tribunal Regional do Trabalho 6ª Região, Técnica Judiciária do Ministério Público de Pernambuco, Escrivã da Polícia Civil do Estado de Pernambuco.
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