A pandemia do novo coronavírus provocou uma série de inseguranças jurídicas, além de evidente prejuízo às atividades econômicas e laborais. Diante de um problema que exige o funcionamento de determinadas atividades, em especial as consideradas essenciais, surgiu um novo questionamento: a fiscalização do trabalho por atuar regularmente?
Nesse ponto, não se pode olvidar que o art. 3º do Decreto 10.282/20, ao elencar as atividades que são reputadas essenciais, impôs que todas as cautelas devem ser adotadas para redução da transmissibilidade do vírus, conforme parágrafo sétimo:
“Art. 3º (…)
§ 7º Na execução dos serviços públicos e das atividades essenciais de que trata este artigo devem ser adotadas todas as cautelas para redução da transmissibilidade da covid-19.”
Além disso, nas localidades em que não houve restrição das atividades não essenciais ou em que as restrições foram menores, o empregador deve adotar todas as medidas para prevenir o contágio do trabalhador, sobretudo quando pode ser reconhecida a condição de doença ocupacional, se for estabelecido o nexo causal. Além disso, existe o risco de responsabilização civil por eventuais danos causados ao obreiro.
Dessa forma, considerando que já existia uma quantidade significativa de normas trabalhistas e tendo em vistas as novas exigências, houve quem defendesse a necessidade de flexibilização do poder fiscalizatório.
Aliás, o art. 31 da MP 927/2020 determinou a atuação orientadora da fiscalização, ressalvando casos especiais:
“Art. 31. Durante o período de cento e oitenta dias, contado da data de entrada em vigor desta Medida Provisória, os Auditores Fiscais do Trabalho do Ministério da Economia atuarão de maneira orientadora, exceto quanto às seguintes irregularidades:
I – falta de registro de empregado, a partir de denúncias;
II – situações de grave e iminente risco, somente para as irregularidades imediatamente relacionadas à configuração da situação;
III – ocorrência de acidente de trabalho fatal apurado por meio de procedimento fiscal de análise de acidente, somente para as irregularidades imediatamente relacionadas às causas do acidente; e
IV – trabalho em condições análogas às de escravo ou trabalho infantil.”
Contudo, a norma não foi bem recebida. De fato, tendo em vista que as normas trabalhistas são criadas para assegurar a proteção do trabalhador, seja em termos de segurança e saúde, seja em termos de direito trabalhistas mínimos, não se poderia cogitar, justamente no momento de pandemia e de maior vulnerabilidade obreira, de flexibilização dos critérios de atuação fiscal.
Essa flexibilização não assegura a manutenção de empregos e não colabora com o combate à pandemia. Haveria risco de servir de lastro para maior exposição do trabalhador a riscos não somente ligados ao vírus.
Ressalte-se que o STF, em decisão colegiada, suspendeu o referido preceito no julgamento de várias medidas cautelares em diferentes Ações Diretas de Inconstitucionalidade (6342, 6344, 6348, 6352, 6354, 6346, 6349) afastando a presunção relativa existente. Veja a decisão da excelsa Corte:
“O Tribunal, por maioria, negou referendo ao indeferimento da medida cautelar tão somente em relação aos artigos 29 e 31 da Medida Provisória 927/2020 e, nos termos do voto do Ministro Alexandre de Moraes, Redator para o acórdão, suspendeu a eficácia desses artigos, vencidos, em maior extensão, os Ministros Edson Fachin, Roberto Barroso, Rosa Weber e Ricardo Lewandowski, nos termos de seus votos, e os Ministros Marco Aurélio (Relator), Dias Toffoli (Presidente) e Gilmar Mendes, que referendavam integralmente o indeferimento da medida cautelar. Ausente, justificadamente, o Ministro Celso de Mello. Plenário, 29.04.2020 (Sessão realizada inteiramente por videoconferência – Resolução 672/2020/STF).”
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