O preconceito linguístico. Por: Elias Santana

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Você certamente já ouviu falar sobre diversas formas de preconceito: contra negros, mulheres, homossexuais, nordestinos, venezuelanos. Todas essas formas de segregação têm algo em comum: as pessoas que as sofrem passam por isso em função de uma característica que é inerente ao indivíduo. Um negro não deixa de ser negro e uma mulher não deixa de ser mulher, por exemplo. Por isso, em nossa sociedade, surgem ações afirmativas a fim de combater cada uma dessas desigualdades.

Todavia, há um preconceito que ainda não conseguiu alcançar o reconhecimento da nossa sociedade: o linguístico.

Vamos imaginar duas situações hipotéticas:

1) Em uma roda de amigos, uma pessoa diz “pra que eu seje mais feliz, preciso passar em um concurso”. A informação em si é deixada de lado pelos receptores (apesar de ter sido compreendida por todos), e o assunto da conversa passa a ser o seje. As piadas começam. Além das piadas acerca da pronúncia, uma parece ser mais séria: “você quer passar onde mesmo com esse seje? Talvez, todos levem na brincadeira. Talvez, a amizade seja desfeita. Talvez, a pessoa desista do seu objetivo. Talvez…

2) Um casal alfabetizado tardiamente (e você, leitor, pode, por sua conta, imaginar por que motivos uma pessoa só consegue aprender a ler e a escrever durante a fase adulta) resolve criar um comércio em casa, para melhorar a renda familiar. Criam um anúncio – vende-se doces. Os comentários começam. “Nesse doce não dá pra confiar”; “doce sem concordância não é pra mim”. O casal, então, desiste do comércio (e você, leitor, pode refletir sobre as suas desistências – e os motivos que te fizeram motivaram a tomar essa atitude).

Quando falo sobre esse assunto, só me lembro de um versículo: “Por que olhas a palha que está no olho do teu irmão e não vês a trave que está no teu?” (Mateus 7, 3). Faço uma pergunta: você sabe tudo sobre português? E já deixo a minha resposta: eu não sei.

Disfarçado em diversos mitos [1] – o brasileiro não sabe português; o português é muito difícil; a ascensão social depende do português –, o preconceito linguístico cresce de maneira assustadora, e me preocupa a falta de ações de combate a ele. Muitas pessoas ainda pensam, de maneira rasteira, que o que é certo, na fala e na escrita, está expresso nas gramáticas normativas, sem sequer observarem o contexto e a finalidade em que determinada comunicação foi produzida. É equivocado pensar que só existe uma língua portuguesa! Todo falante é poliglota em sua língua materna. Há várias línguas portuguesas: a da conversa íntima, a da entrevista de emprego, a da redação para concursos. Ter consciência disso é o primeiro passo para se refazer a noção de erro.

Saiba: muitas pessoas perdem oportunidades ou desistem de algo em função do receio, medo ou vergonha de falar ou escrever, e isso não é bom para que, futuramente, essas pessoas possam ampliar (e não corrigir) o seu conhecimento acerca do português. A linguagem é uma das características que nos diferenciam dos demais animais. Usemos, portanto, a nossa racionalidade em prol de uma sociedade mais justa.

[1] Apresentados na obra “Preconceito Linguístico”, de Marcos Bagno.

 


Elias Santana

Licenciado em Letras – Língua Portuguesa e Respectiva Literatura – pela Universidade de Brasília. Possui mestrado pela mesma instituição, na área de concentração “Gramática – Teoria e Análise”, com enfoque em ensino de gramática. Foi servidor da Secretaria de Educação do DF, além de professor em vários colégios e cursos preparatórios. Ministra aulas de gramática, redação discursiva e interpretação de textos. Ademais, é escritor, com uma obra literária já publicada. Por essa razão, recebeu Moção de Louvor da Câmara Legislativa do Distrito Federal.

 


 

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