Coluna Futuro Fiscal: O que é guerra fiscal (ICMS)?

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22 de março4 min. de leitura

guerra fiscal (ICMS)A questão da guerra fiscal é tema recorrente em debates tributários. A luta fratricida pela atração de investimentos privados à custa de renúncia de receitas tributárias está há anos na pauta dos assuntos tributários de interesse nacional e até hoje não parece ter encontrado solução satisfatória.

Para entender o tema do ponto de vista jurídico-tributário, é preciso, em primeiro lugar, dar conta de que a Constituição Federal não veda a concessão de benefícios fiscais. Como se afirma com alguma frequência na doutrina, quem tem competência para instituir tributos tem também para exonerá-los, isto é, conceder benefícios fiscais. Ou seja, se os Estados-membros são competências para a cobrança do IPVA, podem também instituir benefícios fiscais relativos a esse imposto: isenções, redução de alíquota ou de base de cálculo, remissões e anistias – enfim, qualquer sorte de expediente jurídico utilizado para reduzir a carga fiscal incidente sobre certa classe de contribuintes.

Quanto ao ICMS, no entanto, há algumas peculiaridades. É que a Constituição Federal restringiu sensivelmente a liberdade do legislador estadual, exigindo procedimento específico para instituição de benefícios fiscais relativos a esse imposto. A matéria está prevista no art. 155, XII, “g”, que determina que caberá a lei complementar “regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados” em matéria de ICMS.

O procedimento é o da Lei Complementar n. 24/1975. A lei complementar determina que a concessão de quaisquer exonerações relativas ao ICMS dependerá da prévia celebração de convênio pelos Estados e pelo Distrito Federal, mediante deliberação unânime na forma do art. 2º, § 2º. A celebração dos referidos convênios faz-se atualmente no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), órgão composto pelos secretários da Fazenda dos Estados e do Distrito Federal, sob a presidência do ministro da Fazenda.

A regra de unanimidade aplica-se à criação ou ampliação de isenções; redução da base de cálculo; devolução de tributo; concessão de créditos presumidos; ou a quaisquer outros incentivos ou favores fiscais, ou financeiro-fiscais, concedidos com base no ICMS, dos quais resulte redução ou eliminação, direta ou indireta, do respectivo ônus. Todas essas são formas de concessão de benefícios fiscais. A revogação, por sua vez, dependerá de aprovação de quatro quintos, pelo menos, dos representantes presentes.

É polêmica a exigência de deliberação unânime para a celebração de convênios no âmbito do CONFAZ. Há contestações no plano político e judicial. Na prática, a previsão dá poder de veto a qualquer ente que se sinta prejudicado e, assim, inviabiliza boa parte dos debates a respeito de novos programas de desenvolvimento regional.

O critério da unanimidade também é discutido na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n. 198 no Supremo Tribunal Federal. A ação ajuizada pelo governador do Distrito Federal discute os arts. 2º, § 2º, e 4º da Lei Complementar n. 24/1974, especialmente no que se refere à exigência de unanimidade nas deliberações acerca da concessão de benefícios fiscais e à regra que determina a ratificação tácita dos convênios, na hipótese de transcorrido in albis o prazo legal. A ação ainda aguarda julgamento.

A recente Lei Complementar n. 160/2015 afasta a exigência de deliberação unânime para que os Estados e o Distrito Federal, ao celebrar convênios, possam conceder “remissão dos créditos tributários, constituídos ou não, decorrentes das isenções, dos incentivos e dos benefícios fiscais ou financeiro-fiscais instituídos em desacordo com o disposto na alínea ‘g’ do inciso XII do § 2o do art. 155 da Constituição Federal por legislação estadual publicada até a data de início de produção de efeitos desta Lei Complementar” e também reinstituir essas mesmas medidas de incentivo (isenções, incentivos e benefícios fiscais ou financeiro-fiscais).

Para tanto, o art. 2o da lei de 2015 estabelece que o convênio deve ser aprovado e ratificado com o voto favorável de, no mínimo, 2/3 (dois terços) das unidades federadas e 1/3 (um terço) das unidades federadas integrantes de cada uma das cinco regiões do País. Esse quórum, no entanto, aplica-se apenas às hipóteses de remissão dos créditos tributários constituídos em decorrência de benefícios irregulares e reinstituição dos referidos benefícios. Não substitui o quórum da Lei Complementar n. 24/1975, que segue em vigor para os demais casos.

Afora controvérsias específicas que ainda aguardam deliberação do STF, a orientação do Tribunal a respeito da guerra fiscal em matéria de ICMS sempre foi firme: são inconstitucionais leis de incentivo estadual ou distrital que não observem o procedimento exigido pela Constituição e disciplinado pela Lei Complementar n. 24/1975. Em outras palavras, é inconstitucional a concessão unilateral de incentivos fiscais, em matéria de ICMS, sem prévia aprovação unânime dos entes representados no CONFAZ.

Há, inclusive, objeto de Proposta de Súmula Vinculante do Supremo Tribunal Federal a respeito do tema. Trata-se da PSV 69, com o seguinte enunciado: “Qualquer isenção, incentivo, redução de alíquota ou de base de cálculo, crédito presumido, dispensa de pagamento ou outro benefício fiscal relativo ao ICMS, concedido sem prévia aprovação em convênio celebrado no âmbito do CONFAZ, é inconstitucional”. A Proposta é de autoria do Ministro Gilmar Mendes e ainda aguarda deliberação do Plenário do STF.

Apesar de não haver dúvida jurídica quanto à invalidade da concessão de benefícios fiscais sem prévia celebração de convênio no âmbito do CONFAZ, o desejo de fomentar o desenvolvimento regional aliado à baixa capacidade de investimento público e à falta de uma política de desenvolvimento eficiente tornam a prática ainda hoje comum. Pode-se dizer que todos os Estados da federação participam da “guerra fiscal”, isto é, concedem benefícios fiscais em ICMS de forma irregular com o objetivo de atrair ou manter investimentos privados em seu território.

A reiteração permanente dessa conduta aliada a seus já conhecidos efeitos perniciosos fazem da guerra fiscal um conflito federativo permanente e perverso, a demandar atenção de todos os entes federados, inclusive do Governo Federal, a quem cabe o papel de coordenar esforços para enfrentá-lo.


Celso Correia – Doutor em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela Universidade de São Paulo e graduado em Direito pela Universidade Federal de Alagoas. Atualmente, Chefe de Gabinete de Ministro do Supremo Tribunal Federal. Professor do mestrado e da graduação da Universidade Católica de Brasília e da pós-graduação lato sensu do Instituto Brasiliense de Direito Público. Ministra disciplinas nas áreas de Direito Tributário, Direito Constitucional e Direito Financeiro. Autor dos livros “Tributação e Direitos Fundamentais” (Saraiva, 2012), “O Avesso do Tributo”(Almedina, 2016) e “Os Impostos e o Estado de Direito” (Almedina, 2017, no prelo), além de dezenas de artigos e capítulos de livros em revistas e obras especializadas.

 


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