O trato de informações no MRE

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Nós, diplomatas, temos acesso a informações consideravelmente sensíveis do ponto de vista da política externa brasileira. É de nossa responsabilidade, portanto, saber lidar com essas informações da forma mais adequada. Isso exige bom senso acima de tudo, pois em geral é mais difícil classificar um documento como ostensivo do que sigiloso (reservado, secreto ou ultrassecreto). Aliás, bom senso talvez seja a principal qualidade de um(a) bom(a) diplomata.

Até maio de 2012, quando entrou em vigor a Lei de Acesso à Informação (LAI – Lei n. 12.527/2011), a classificação sigilosa de documentos produzidos no Ministério das Relações Exteriores (MRE) era mais frequente, pois não havia necessidade de fundamentar a decisão. Muitos expedientes eram classificados como sigilosos sem qualquer critério. Alguns diplomatas utilizavam esse artifício para chamar a atenção para os textos que produziam[1]. Além disso, antes da LAI, era necessário fundamentar pedidos de acesso à informação.

Com a entrada em vigor da LAI, o acesso passou a ser regra, e o sigilo exceção. Ou seja, os agentes públicos devem agir com a máxima transparência possível, pois qualquer cidadã(o) pode e deve ter conhecimento de qualquer informação que não prejudique a segurança do Estado ou, no caso de suas relações internacionais, seus interesses no relacionamento com outros países. E, para ter acesso a informações ostensivas, os requerentes não necessitam explicar por que ou para que as desejam (não exigência de motivação)[2].

Já as exceções a essa regra (hipóteses de sigilo) passaram a ser limitadas pela LAI e legalmente previstas. Ainda assim, o sigilo será mantido apenas por determinado tempo: 5 anos para informações reservadas, 15 para as secretas e 25 (renovável uma única vez) para as ultrassecretas.

As hipóteses de classificação sigilosa são três: a) quando se tratar de dados pessoais (informações relacionadas a uma determinada pessoa que possam afetar sua intimidade, vida privada, honra e imagem, liberdades e garantias individuais); b) informações classificadas por autoridades como sigilosas; c) informações sigilosas com base em outras leis. Nos casos b) e c), o agente público ou a própria lei terá como critério possíveis ameaças à segurança (ou alto interesse) do Estado ou da sociedade caso a informação seja tornada pública antes de um prazo adequado (5 a 50 anos).

Os órgãos estatais, inclusive o Itamaraty, não devem esperar que os cidadãos requeiram acesso a informações públicas, pois a divulgação deve ser proativa (transparência ativa), quando se tratar de informações de interesse coletivo. Além disso, os órgãos e entidades do Poder Executivo Federal devem divulgar lista das informações classificadas e desclassificadas nos últimos 12 meses, até o dia 1º de junho de cada ano, em seus sites na internet. Como forma de facilitar o acesso a todos os dados, a CGU faz anualmente um levantamento das informações publicadas por todos os órgãos/entidades do Executivo Federal[3].

A LAI tem preocupação basicamente com a segurança do Estado e da sociedade brasileira. No caso dos temas de responsabilidade do MRE, no entanto, muitas vezes as informações produzidas não apresentam ameaça à segurança, porém podem afetar os interesses brasileiros (políticos, econômico-comerciais, culturais etc.) no relacionamento com determinado país. É por isso, por exemplo, que parte das sessões de sabatina de Embaixadores no Senado Federal é fechada ao público.

Os diplomatas necessitam, portanto, ter extremo cuidado no momento de classificar um documento. Nada do que falam, e principalmente escrevem, é inconsequente. Isso se torna ainda mais grave quando servem no exterior, pois um(a) diplomata acreditado(a) no exterior será representante de seu país 24 horas por dia, não apenas durante o período de seu expediente de trabalho.

 

[1]                     O ser humano tem a tendência de se interessar por segredos. Como os documentos sigilosos não podem ser lidos por qualquer um, cria-se a impressão natural de que contêm alguma informação importante. Assim, mesmo que inconscientemente, quem a lê também se sente importante.

[2]                     O Decreto n. 7.724 (art. 13), que regulamenta a LAI no Poder Executivo Federal, também prevê que não serão atendidos pedidos de informação que sejam:

I – genéricos;

II – desproporcionais ou desarrazoados; ou

III – que exijam trabalhos adicionais de análise, interpretação ou consolidação de dados e informações, ou serviço de produção ou tratamento de dados que não seja de competência do órgão ou entidade.

[3]                     Cf. http://www.acessoainformacao.gov.br/assuntos/relatorios-dados/informacoes-classificadas/levantamento-de-informacoes-classificadas-2016-2017.xlsx

Prof.Jean Marcel Fernandes – Coordenador Científico

Jean MarcelNomeado Terceiro-Secretário na Carreira de Diplomata em 14/06/2000. Serviu na Embaixada do Brasil em Paris, entre 2001 e 2002. Concluiu o Curso de Formação do Instituto Rio Branco em julho de 2002. Lotado no Instituto Rio Branco, como Chefe da Secretaria, em julho de 2002. Serviu na Embaixada do Brasil em Buenos Aires – Setor Político, entre 2004 e 2007. Promovido a Segundo-Secretário em dezembro de 2004. Concluiu Mestrado em Diplomacia, pelo Instituto Rio Branco, em julho de 2005. Publicou o livro “A promoção da paz pelo Direito Internacional Humanitário”, Fabris Editor, Porto Alegre, em maio de 2006. Saiba +


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