O serviço público, em geral e em linguagem bem coloquial, no que concerne à estabilidade no cargo de seus servidores, pode apresentar as categorias de não estáveis, estáveis ou vitalícios.
Na primeira categoria, estão os servidores que podem perder o cargo pela não confirmação, entenda-se, os que estão em estágio probatório e que podem não adquirir efetivamente o cargo.
Na segunda categoria, estão os que, vencido o estágio probatório, apenas podem perder seus cargos por sentença judicial transitada em julgado ou por decisão em processo administrativo, onde se garanta a ampla defesa e o contraditório.
Assim, o estágio probatório é o marco para a aquisição da estabilidade, sendo importante destacar que dito estágio probatório é vencido após 3 anos de efetivo exercício, nos termos da nova redação do art. 41, caput, da Constituição Federal, dada pela Emenda Constitucional n. 19/1998. Antes dessa mudança na Constituição, a estabilidade era alcançada após vencidos 2 anos de efetivo exercício.
Ao lado dessas conformações, entretanto, deve-se compreender a existência de uma terceira categoria, afeta às carreiras dotadas de vitaliciedade, como, por expressa previsão constitucional, a carreira dos membros do Ministério Público (art. 128, § 5º, I, “a”, da CF) e dos magistrados (art. 95, I, da CF).
Note-se que a vitaliciedade pode ser adquirida por forma variada. Exemplificativamente, para os magistrados, ela ocorre, em primeira instância, após o período de dois anos de exercício no cargo, enquanto em casos de tribunais, mesmo para os que não eram da carreira do Poder Judiciário, a contar da nomeação para o cargo, qual ocorre com os Desembargadores pelo chamado “Quinto Constitucional” (art. 94 da CF).
Mas o que significa ser vitalício?
Ser vitalício importa em não poder perder o cargo senão por decisão judicial transitada em julgado, ou seja, diferentemente do estável, o agente público vitalício não pode perder o cargo por decisão em processo administrativo.
Mas e o caso dos militares? Eles se submetem a essas categorizações?
Em verdade, a própria Constituição Federal excepciona a regra para os militares, no inciso X do § 3º do art. 142:
Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.
§ 3º Os membros das Forças Armadas são denominados militares, aplicando-se-lhes, além das que vierem a ser fixadas em lei, as seguintes disposições:
X – a lei disporá sobre o ingresso nas Forças Armadas, os limites de idade, a estabilidade e outras condições de transferência do militar para a inatividade, os direitos, os deveres, a remuneração, as prerrogativas e outras situações especiais dos militares, consideradas as peculiaridades de suas atividades, inclusive aquelas cumpridas por força de compromissos internacionais e de guerra (g.n.).
Embora destinado aos militares das Forças Armadas, o dispositivo é aplicado às Forças Auxiliares, por imposição do art. 42, § 1º, CF:
Art. 42 Os membros das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, instituições organizadas com base na hierarquia e disciplina, são militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.
§ 1º Aplicam-se aos militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, além do que vier a ser fixado em lei, as disposições do art. 14, § 8º; do art. 40, § 9º; e do art. 142, §§ 2º e 3º, cabendo a lei estadual específica dispor sobre as matérias do art. 142, § 3º, inciso X, sendo as patentes dos oficiais conferidas pelos respectivos governadores (g.n.).
Assim, os militares federais e estaduais não seguem a norma constitucional que disciplina a estabilidade, podendo haver regra distinta por lei específica – que, claro, pode repetir o dispositivo constitucional –, no caso dos militares estaduais, por lei da Unidade Federativa.
Exemplificativamente, a estabilidade nas Forças Armadas é alcançada, pela praça de carreira (não temporária), somente com 10 anos ou mais de tempo de efetivo serviço (art. 50, IV, “a”, da Lei n. 6.880/1980 – “Estatuto dos Militares”).
Cada Estado, repita-se, pode, por lei estadual, inovar essa situação. No Estado de São Paulo, por exemplo, a Lei Complementar n. 1.291/2016 dispõe o estágio probatório para o ingresso no Quadro de Praça de Polícia Militar de 3 anos (inciso IV do art. 15).
Mas, note, apenas falamos de praças. Qual seria a situação de oficial?
A resposta a essa questão não é pacífica.
Alguns entendem que, embora não expresso na Constituição Federal, o oficial, vencido o estágio probatório definido em lei específica, assume a vitaliciedade do cargo, isso com base no disposto no art. 142, § 3º, inciso VI, da Constituição Federal, norma específica para as Forças Armadas, mas que também se aplica às Forças Auxiliares pelo § 1º do art. 42 da Constituição Federal.
Por ele, o “oficial só perderá o posto e a patente se for julgado indigno do oficialato ou com ele incompatível, por decisão de tribunal militar de caráter permanente, em tempo de paz, ou de tribunal especial, em tempo de guerra”.
Dessa forma, predomina a visão de que o oficial apenas poderá perder o posto e a patente – o que a maioria identifica como perda do cargo – por decisão judicial, o que lhe confere a vitaliciedade, visão mais interessante nos concursos que tenham como tema principal o Direito Castrense e todas as suas colorações.
Essa a visão, por exemplo, de Antônio Pereira Duarte (1995, p. 59-60):
Contudo, em razão da natureza vitalícia do cargo que ostenta, o oficial somente poderá ter suprimido o posto e a patente mercê de sentença judiciária. Isto equivale dizer que jamais o oficial será demitido do serviço público pura e simplesmente, visto que a vitaliciedade ínsita ao cargo que ocupa, o torna invulnerável ao ato demissional. Somente por via da declaração judicial de indignidade ou incompatibilidade para o oficialato, é que decorrerá a demissão ex officio do militar assim considerado indigno ou incompatível com a sua alta posição hierárquica (g.n.).
Nesse cenário, tomando um exemplo estadual, um oficial da Polícia Militar do Estado de São Paulo, terá por estágio probatório, primeiro, o período de cadete (denominado “Aluno Oficial”) e de aspirantado, conforme inciso I do art. 15 da Lei Complementar n. 1.291/2016. Vencida essa etapa, torna-se segundo tenente, alcançando o vitaliciamento, somente podendo perder o posto e a patente (o cargo) por decisão judicial.
A decisão judicial, ademais, como regra – há discussão em casos de improbidade e em condenações na Justiça Comum, em que se pode aplicar o efeito da condenação –, é de tribunal militar de caráter permanente, em tempo de paz, ou de tribunal especial, em tempo de guerra, nos parâmetros constitucionais já indicados.
Adicione-se ao inciso VI do § 3º do art. 142 da CF, o inciso VII, que comanda que “o oficial condenado na justiça comum ou militar a pena privativa de liberdade superior a dois anos, por sentença transitada em julgado, será submetido ao julgamento previsto no inciso anterior”.
Assim, seja por um crime que gere a indignidade (art. 100 do Código Penal Militar) ou incompatibilidade (101 do Código Penal Militar) ou ainda por qualquer condenação criminal superior a 2 anos, conforme o inciso VII do § 3º do art. 142 da CF, o oficial será submetido no tribunal competente a um processo para a perda de posto e patente, em competência originária.
Atente para o caso de condenações na Justiça Comum em que, repita-se, há a discussão se haveria ou não necessidade de manifestação de tribunal, mas este é um tema que merece estudo destacado.
Referências:
DUARTE, Antônio Pereira. Direito administrativo militar. Rio de Janeiro: Forense, 1995.
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