Os crimes hediondos e a preferência nos julgamentos, de acordo com a lei nº 13.285/2016

Por
6 min. de leitura

PadraoA previsão constitucional que menciona os chamados crimes hediondos surgiu em razão do cenário de significativo aumento da violência no Brasil, havido a partir do final da década de oitenta.
Na verdade, neste período, houve uma pressão da sociedade e dos meios de comunicação diante do aumento desenfreado da violência no país, por tal razão, pode-se afirmar que há certo envolvimento com o movimento da “Lei e Ordem” e a utilização do direito penal máximo, ou seja, vale-se do direito penal como a primeira e mais eficaz forma de solução dos conflitos.
Sabe-se que o agravamento da violência urbana gerou, dentre outras, a edição da Lei dos Crimes Hediondos (Lei nº 8.072/90) e a superpopulação carcerária proporcionou o advento da Lei dos Juizados Especiais (Lei nº 9.099/95) e a alteração da Parte Geral do Código Penal possibilitou aos condenados a penas iguais ou inferiores a quatro anos o cumprimento de penas restritivas de direitos e não só privativas da liberdade (Lei n° 9.714/98). E assim, surge o paradoxo: “Diante do aumento da violência, a sociedade clama pela agravação da pena, ao mesmo tempo em que, premido pela situação carcerária, boa parte dos juristas advogam o Direito Penal Mínimo[1]”.
Segundo Busato[2], vive-se um momento em que o Direito Penal deparou-se com uma encruzilhada. A dimensão política e a contundência que são suas características levaram-no a converter-se em um instrumento de permanente utilização por parte dos detentores do poder, como forma de, a um só tempo, responder a uma induzida sensação de insegurança social e demarcar claramente os espaços sociais correspondentes a distintas classes de pessoas.
Neste sentido, Santana[3] menciona que a resposta estatal é dada por vezes rápida e irrefletida, fruto da sensibilidade do legislador ao clamor social, que resulta no expansionismo penal punitivo, com dispositivos contraditórios ao princípio da intervenção mínima.
No que pertine aos crimes hediondos, o Brasil adotou o chamado sistema legal (art. 5°, XLIII, da Constituição Federal de 1988), uma vez que a própria lei quem estipula os crimes definidos como tal.
Nesse viés, ensina Moraes[4] que:

Crime hediondo, no Brasil, não é o que se mostra repugnante, asqueroso, sórdido, depravado, abjeto, horroroso, horrível, por sua gravidade objetiva, ou por seu modo ou meio de execuções, ou pela finalidade que presidiu ou iluminou a ação criminosa, ou pela adoção de qualquer critério válido, mas o crime que, por um verdadeiro processo de colagem, foi rotulado como tal pelo legislador ordinário. 

Gize-se que o legislador pátrio adotou um critério legal para definir o rol de crimes considerados hediondos, o que foi implementado pela Lei n.º 8.072/90 e de suas posteriores alterações advindas das Leis n.º 8.930/94 e 9.269/96.
Assim, de acordo com referido critério, é a lei que estabelece taxativamente quais são os delitos considerados hediondos, assim, não competirá ao julgador a possibilidade de deixar de considerar hediondo um crime que conste no rol da Lei nº 8.072 de 1990. Também não poderá acrescentar arbitrariamente nenhuma outra conduta criminosa que lá não esteja.
Percebe-se que haverá, neste particular, uma maior segurança jurídica, pois se evita o subjetivismo e arbítrio do magistrado.
Na mesma linha, já entendeu o pretório excelso que “o regime de estrita legalidade que rege o Direito Penal não admite que, à categoria legal dos crimes hediondos, o juiz acrescente outros, segundo a sua validação subjetiva, de modo a negar ao condenado o que lhe assegura a lei”.
A legislação ordinária, em seu artigo 1º (Lei nº 8.072 de 1990), estabelece que são considerados hediondos os seguintes crimes, todos tipificados no  Código Penal, nas modalidades consumadas ou tentadas:

I – homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2o, incisos I, II, III, IV, V, VI e VII);

I-A – lesão corporal dolosa de natureza gravíssima (art. 129, § 2o) e lesão corporal seguida de morte (art. 129, § 3o), quando praticadas contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição;

II – latrocínio (art. 157, § 3o, in fine);

III – extorsão qualificada pela morte (art. 158, § 2o);

IV – extorsão mediante sequestro e na forma qualificada (art. 159, caput, e §§ lo, 2o e 3o);

V- (revogado);

VI – estupro de vulnerável (art. 217-A, caput e §§ 1o, 2o, 3o e 4o);

VII – epidemia com resultado morte (art. 267, § 1o).

VII-A – (vetado)

VII-B – falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (art. 273, caput e § 1o, § 1o-A e § 1o-B)

VIII – favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável (art. 218-B, caput, e §§ 1º e 2º).

Parágrafo único. Considera-se também hediondo o crime de genocídio previsto nos arts. 1o2o e 3o da Lei no 2.889, de 1o de outubro de 1956, tentado ou consumado.

Assim, pelo exposto, percebe-se que existe apenas um crime hediondo que não está no Código Penal, qual seja: o genocídio.
Importante mencionar, que a lei nº 8.072 de 1990 também aborda a respeito do tratamento que deverá ser atribuído aos crimes equiparados a hediondos, uma vez que o art. 2º prevê que os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de:

I – anistia, graça e indulto;

II – fiança.

§ 1o A pena por crime previsto neste artigo será cumprida inicialmente em regime fechado.

§ 2o A progressão de regime, no caso dos condenados aos crimes previstos neste artigo, dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente.

§ 3o Em caso de sentença condenatória, o juiz decidirá fundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade.

§ 4o A prisão temporária, sobre a qual dispõe a Lei no7.960, de 21 de dezembro de 1989, nos crimes previstos neste artigo, terá o prazo de 30 (trinta) dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade.

Em suma, constata-se que são crimes equiparados aos hediondos: a tortura, o tráfico de drogas e o terrorismo. Segue aqui uma dica, gravar o “T, T, T”.
A respeito do tema tratado nesse artigo, foi sancionada a Lei nº 13.285 de 2016 (que já está em vigor) que estabelece que os julgamentos dos processos envolvendo crimes hediondos devem ter preferência nos tribunais, sendo que a referida regra vale para todas as instâncias: primeira, segunda e tribunais superiores.
A novel legislação alterou o artigo 394 do Código de Processo penal, acrescentando-lhe o artigo 394-A[5], vejamos:

Art. 394-A.  Os processos que apurem a prática de crime hediondo terão prioridade de tramitação em todas as instâncias.

Destaca-se que a nova lei, já nasceu dependendo de interpretação jurisprudencial, pois em nenhum dispositivo menciona que a prioridade de julgamento se estende aos crimes equiparados aos hediondos, assim, surgirá à dúvida, se os assemelhados também deverão ter o julgamento prioritário ou não.
Vislumbra-se que a reforma que prioriza o andamento processual dos crimes hediondos e tenta afastar a já conhecida crítica da morosidade da Justiça em crimes gravíssimos (que causam repugnância social). Também visa amenizar o descrédito da sociedade na prestação do Jus Puniendi pelo Estado.
Percebe-se que a intenção do legislador é um tanto positiva, pois visa dar uma maior efetividade na prestação da tutela, mas, todavia, prestigia a legislação realizada às pressas, aquela que vem atender ao clamor social e a pressão midiática.
Entende-se que se trata de mais uma legislação penal simbólica que visa “aparentemente” resolver os problemas da criminalidade, pois transmite uma falsa ideia de solução de problemas da Justiça Criminal.
A questão não é tão simples como parece, pois existirão casos, como por exemplo, de um homicídio simples ou de um crime de corrupção (estes não se encontram no rol dos crimes hediondos), que não terão preferencia diante de um crime de falsificação de cosmético (é crime hediondo, pois há falsificação de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais nos termos do art. 273, caput e § 1o, § 1o-A e § 1o-B do CP).
Ora, que razoabilidade foi esta estabelecida pelo legislador quando da edição da Lei nº 13.285 de 2016?
Não seria melhor realizar-se a ponderação no âmbito de um caso concreto?
Ademais, outra constatação importante, na maioria dos casos envolvendo à pratica dos crimes hediondos, os acusados já se encontram presos cautelarmente (em razão da prisão preventiva ex vi do artigo 312 do CPP), e, nestes casos, na prática forense, os tribunais brasileiros já atribuem prioridade aos processos de réus encarcerados.
Assim, quanto ao tema, a referida alteração do Código de Processo Penal trará alguma novidade que destoe do que já acontece na prática dos tribunais?
Ainda, será que investir no fato gerador da criminalidade (oportunidade de emprego, saúde, educação, alimentação, dignidade) não seria mais interessante do transmitir a falsa ideia de tramitação célere de processos criminais?
Por fim, entende-se que a legislação em apreço não contribuirá para a eficácia da prestação da tutela jurisdicional, também não conseguirá resolver o problema da impunidade nos crimes hediondos, pelo contrário, haverá casos de estagnação de processos com crimes graves que não estejam no rol da hediondez. De nada adianta uma política criminal simbólica, que vise tão somente atender os anseios sociais e os interesses politiqueiros de alguns.

˜

[1] VELOSO, Roberto Carvalho. A Crise do sistema penitenciário: fator de introdução, no Brasil, do modelo consensual de justiça penal. Jus Navigandi, maio 2003. Disponível em: www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=488 . Acesso 10 dez. 2009.
[2] BUSATO, Paulo César; HUAPAYA, Sandro Montes. Introdução ao direito penal: fundamentos para um sistema penal democrático. 2. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007. p. 20.
[3] SANTANA. Marcos Sílvio de. A pena como instrumento de controle social. LFG, 15 dez. 2008. Disponível em: http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20081209143455922&q. Acesso: 27 set. 2010.
[4] MORAES, Alexandre de; SMANIO, Gianpaolo Poggio. Legislação Penal Especial. 10. Ed. São Paulo: Atlas, 2007. p.28.
[5] BRASIL. Código penal; Código de processo penal; Constituição federal; Lei de Execução penal. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

_______________________________  

José-CarlosJosé Carlos – Professor Universitário e Advogado, com especialização em Direito Penal, Direito Processual Penal e Direito Ambiental e Recursos Hídricos. Doutorando em Direito Penal pela Universidade de Buenos Aires (UBA). Professor Titular de Direito Penal e Direito Processual Penal na Universidade Católica de Brasília (UCB). Professor Titular das Faculdades Integradas da União Educacional do Planalto Central (FACIPLAC) nas áreas de Direito Penal, Processo Penal e Laboratório de Prática Jurídica. Participante de bancas examinadoras de Concursos Públicos.

_______________________________

2ª Fase de Penal do XIX é no Projeto Exame de Ordem!! Matricule-se!

 

Coordenação Pedagógica – Projeto Exame de Ordem
Gran Cursos Online

O Gran Cursos Online desenvolveu o Projeto Exame de Ordem focado na aprovação dos bacharéis em Direito no Exame Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. A renomada equipe de professores, formada por mestres, doutores, delegados, defensores públicos, promotores de justiça e especialistas em Direito, preparou um método online que dará o apoio necessário para o estudante se preparar para a 2ª fase e conseguir a aprovação. O curso proporciona ao candidato uma preparação efetiva por meio de videoaulas com abordagem teórica, confecção de peças jurídicas e resolução de questões subjetivas. É a oportunidade ideal para aqueles que buscam uma preparação completa e a tão sonhada carteira vermelha.

ordem-620x237

Por
6 min. de leitura