Projeto de Lei 500/2015 é ameaça contra o direito de defesa

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congresso2Por Ibaneis Rocha e Edvaldo Nilo de Almeida

Tramita no Congresso Nacional o projeto de Lei do Senado Federal 500/2015 de iniciativa do senador José Antônio Medeiros (PSD-MT) que determina, em ações de improbidade administrativa e ações penais por crimes contra a administração pública e o sistema financeiro, que o réu comprove a origem lícita dos recursos utilizados no pagamento de honorários advocatícios.
De início, antes de se expor os fundamentos pelos quais se entende que a proposição, da forma como está, veicula potencial e explícita violação à Constituição, externa-se preocupação com as constantes e reiteradas tentativas de violação aos direitos fundamentais do cidadão advindas, ora do Poder Executivo (Estado-administração), ora do Poder Legislativo (Estado-legislação), ora do Poder Judiciário (Estado-Justiça), sob os aplausos da própria população, muitas vezes desconhecedora de que seus direitos estão sendo retirados, não à sorrelfa, não à socapa, mas em plena luz do dia.
Sob o pretexto de se “combater o crime e a impunidade”, ao invés de se aparelhar a administração com os necessários recursos materiais, mecanismos técnicos e de gestão de pessoas, prefere-se, com uma proposição, como a que está em discussão, desvirilizar garantias constitucionais mínimas, mas essenciais, ao pleno exercício do direito de defesa transformando, assim, o advogado, em braço investigador do Estado, além de impor ao réu, nas ações cíveis e penais em referência, mais um ônus: o de provar que os recursos utilizados para pagamento dos honorários do seu defensor têm “origem lícita”.
E nem se diga que a proposição veicula inaceitável violação ao princípio constitucional da isonomia (art. 5°, caput, da CF) e preconceito descabido com a atividade advocatícia, função essencial à Justiça (art. 133 do Texto), cujos honorários ostentam natureza alimentar (Súmula Vinculante 47), e que seria a única das profissões liberais e ver pender sobre si a Espada de Dâmocles acerca do recebimento de seus haveres em decorrência de regular contrato de prestação de serviços, cuja adimplência estaria vinculada à comprovação da licitude do patrimônio do cliente.
Decerto, verifica-se que a proposição viola o princípio constitucional da presunção de inocência (art. 5°, LVII), pois a partir da natureza do crime, ou da infração, impõe ao réu o ônus de provar a licitude da origem dos recursos utilizados para pagamento dos honorários advocatícios de seu patrono. De uma tacada, a proposição, antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória, agrava a situação do réu, fazendo-se presumir ilícitos os valores pagos ao seu defensor como se ele, o causídico, pudesse saber, de antemão, que seu cliente praticou os atos ilícitos em relação aos quais está sendo produzida a defesa. Doutro lado, estabelece que a culpa, se for o caso, deve ser formada no âmbito do devido processo legal a partir do entendimento apriorístico segundo o qual o réu deve ser considerado, e tratado, não culpado pelo (s) fato (s) que lhe (s) é (s) atribuído (s) na peça acusatória.
Uma das consequências do respeito e aplicação do referido princípio é a de dizer que, abstraindo-se das hipóteses de aplicação de medidas assecuratórias (artigos 125 a 144-A, do CPP), obviamente mitigadoras, o estado de não culpabilidade somente pode ser definitivamente debelado a partir do momento do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, ou cível, conforme o caso, impedindo-se, assim, à luz das mais caras garantias históricas e fundamentais do direito à liberdade, que o réu seja tratado como culpado antes deste fatídico momento. Ora, a perda de bens ou valores equivalentes ao produto ou proveito do crime, nos termos do artigo 91, §1º, do Código Penal Brasileiro, constitui-se em um dos efeitos genéricos da condenação, que devem ser já decretados pelo Juiz, presentes os requisitos legais, mas cujos efeitos demandam superveniência do trânsito em julgado da condenação. O contrário disso, como quer o projeto, é tratar o réu já como culpado no âmbito do processo penal sem que haja culpa formada, presumindo-se que todo e qualquer patrimônio que possua decorra de atividades ilícitas e que, portanto, não pode ser utilizado para promoção do exercício de defesa, salvo se ele, o réu, provar que seus recursos são lícitos.
Trata-se, pois, de capitis diminutio intolerável à luz do texto constitucional, posto que subverte a razão essencial da garantia, ora em discussão, além de retirar dos órgãos de persecução, nos âmbitos cível e criminal, a depender da natureza da infração, o tradicional e histórico dever de provar a culpa daquele a quem se aponta a prática de ilícitos. Doravante, caso o projeto seja aprovado, ao Ministério Público bastará denunciar e acusar, sem qualquer prova, fiando-se na malfadada presunção de culpabilidade imposta. A perversa inversão é evidente e, como tal, deve ser rejeitada, especialmente em razão dos efeitos supra denunciados, a menos que se admita que o processo penal brasileiro, e o cível, por extensão, nas ações de improbidade administrativa, retorne ao sistema inquisitorial medieval onde o réu não é sujeito, mas, sim, objeto da prova.
Além disso, o projeto ofende a garantia constitucional ao direito de ampla defesa (art. 5°, LV), uma vez que mitiga-lhe um dos elementos mais comezinhos verificado a partir da bipartição admitida pela doutrina segundo a qual o direito de defesa se subdivide, basicamente, em dois: a) o direito à autodefesa; e, b) o direito à defesa técnica. A autodefesa é o direito do réu se defender, por si, das imputações atribuídas, seja perante o próprio órgão acusador, seja perante a autoridade judiciária competente. É direito fundamental, humano, que remonta à origem dos povos civilizados, a faculdade de ouvir as considerações do réu, caso ele queira falar, a respeito dos fatos que lhes são imputados. Diferentemente é a vertente técnica do exercício do direito defesa, esta confiada, pela Lei, e pela Constituição, aos detentores de capacidade postulatória que nada mais fazem do que fazer a voz da cidadania chegar aos ouvidos dos tribunais, mediante conhecimento científico adquirido na universidade, e cumpridos determinados requisitos legais, conforme previsto no artigo 8º, da Lei 8.906/1994.
O Projeto de Lei, ora em discussão, ao presumir que os recursos para pagamento dos honorários advocatícios, nas ações de que fala, têm origem ilícita, evidencia, em primeiro lugar, que todo e qualquer causídico não poderá aceitar outorga mandato não sem antes esclarecer, de preferência por escrito, com o cliente a origem dos recursos, obrigando-se, assim, à violação dos direitos à intimidade e vida privada, garantidos pelo artigo 5º, inciso X, da Constituição. Em nosso entendimento, não chega a tanto o vínculo de confiança decorrente do contrato de prestação de serviços advocatícios. É dizer: a ninguém pode ser exigido quebra de seus sigilos bancário, fiscal e telefônico com vistas a comprovar, para fins de eventual contratação de advogado, a licitude dos valores. A rigor, o advogado deve confiar em seu cliente e nas informações que lhes são prestadas.
Ademais, na hipótese do cidadão concordar com tais quebras, apenas para contratar o seu defensor, não há garantia alguma de que em juízo a licitude do patrimônio será reconhecida, situação que, como já dito, faz pender a incerteza, tanto para o réu, como para seu patrono, a respeito da legalidade dos pagamentos efetuados e pendentes. Esta preocupação com a “licitude do patrimônio”, é bom que se diga, não é compartilhada pelo próprio Estado vis a vis do conhecido princípio de direito tributário pecunia non oletestabelecido no art. 118 do CTN, que permite a tributação do produto de atividades ilícitas (STF HC 77530/RS; STJ HC 88565/RR).
Por fim, a proposição, padece de vício de inconstitucionalidade material por ofensa ao art. 133 da Constituição posto que impede o livre exercício da atividade advocatícia ao criar, constrangimento na relação cliente-advogado, ao imputar ao réu o ônus de comprovar, no âmbito do processo a licitude da origem dos recursos utilizados para pagar seu defensor. Ao ter tolhido o exercício do direito de defesa técnica, através de profissional da advocacia de sua escolha, face aos obstáculos criados pela proposição, o réu, nesta situação, se veria na contingência de ter que contar com os préstimos da D. Defensoria Pública (art. 134 da CF/88) que, como se sabe, tem requisitos legais para comprovação do estado de miserabilidade jurídica que justifique sua intervenção.
É possível, então, que o réu não cumpra os requisitos para intervenção da Defensoria Pública, nem consiga profissional habilitado para lhe defender, gerando, neste caso, hipótese de perplexa situação de réu indefeso, a justificar a nomeação de um Defensor Dativo. A presunção de ilicitude dos recursos, assim, obrigaria o contribuinte a pagar pela defesa do réu, ainda que ostente condições econômicas para pagar os honorários de seu advogado. A partir do momento em que a proposição dificulta a presença do advogado no processo, submetendo o réu a socorrer-se de figuras impróprias para a situação em que se encontra (Defensoria Pública ou Defensoria Dativa – que, observe-se, compõe-se de Advogados, mas não da escolha do réu), é possível visualizar-se, de pronto, ofensa ao princípio da essencialidade da advocacia na Administração da Justiça, na forma do artigo 133 do Texto Magno.
A proposição menospreza a presença do advogado criando-lhe obstáculos e constrangimentos. Ofende ao direito de defesa técnica e inverte injustamente os papéis no processo penal, e nas ações de improbidade administrativa, ao exigir do réu a prova da sua inocência. Deste modo, a proposição, por estes fundamentos, deve ser considerada inconstitucional e, como tal, ser rejeitada nas instâncias de decisão do Poder Legislativo e Executivo, sob pena de futura e certa pronúncia de nulidade no âmbito do Supremo Tribunal Federal.
Fonte: Conjur

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Edvaldo Nilo – Professor de Direito Tributário, Direito Financeiro e Filosofia do Direito em cursos preparatórios para concursos públicos.Professor da Faculdade de Direito do UniCEUB. Mestre em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Procurador do Distrito Federal. Pós-Graduado em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET) e pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Pós-Graduado em Planejamento Tributário pela Faculdade de Tecnologia Empresarial. Aprovado nos seguintes concursos e seleções públicas: Procurador do Distrito Federal (ESAF), Procurador do Município de Recife (FCC), Ministério Público de Contas do Mato Grosso (FMP/RS), Procurador do Município de Belo Horizonte (FUNDEP/UFMG), Técnico de Nível Superior do Ministério da Saúde (CESPE/UNB), Técnico de Nível Superior do Ministério das Comunicações (CESPE/UNB), Técnico de Nível Superior do Ministério do Turismo (ESAF), Professor Substituto de Ética Geral e Profissional da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

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* Ibaneis Rocha é secretário-geral adjunto do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

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