Proteção Constitucional, Nomenclatura E Proteção Previdenciária Das Pessoas Com Deficiência (Parte 2).

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Vamos continuar nosso estudo sobre a proteção constitucional previdenciária das pessoas com deficiência. No artigo anterior que publicamos, foram tratadas questões introdutórias relacionadas às fontes normativas primárias do nosso estatuto da pessoa com deficiência, bem como a nomenclatura adequada para tratarmos dos seus respectivos direitos. Ao final, apenas para lembrar você, entramos nos detalhes relacionados aos requisitos constitucionais expressos pela Emenda 103, que alterou a redação dada ao art. 40, §4º-A, bem como no que toca ao art. 201, §1º, inciso I, ambos da Constituição Federal de 1988.

Com a Emenda 103, portanto, como vimos, os requisitos constitucionais são exatamente os mesmos no que toca à concessão de aposentadoria especial das pessoas com deficiência, igualando os servidores públicos com os segurados do RGPS.

Pois bem, vamos avançar mais um pouco hoje sobre questões muito importantes relacionadas à aposentadoria especial de pessoas com deficiência.

Vou dividir por tópicos para ficar mais didático, ok?

 

Vamos lá!

  1. SOBRE A ALTERAÇÃO DO STATUS DA NORMA CONSTITUCIONAL: NORMA DE EFICÁCIA LIMITADA QUE AGORA É FLEXÍVEL, OPTATIVA, EM SUBSTITUIÇÃO À NORMA ANTERIOR, DE CUNHO IMPOSITIVO.

 

Tratam-se, os dispositivos do art. 40, §4º-A e 201, §1º, I, da CF, de normas constitucionais de eficácia LIMITADA, pois dependem da edição de ato normativo pelo Congresso Nacional. No caso, como visto, esse ato normativo há de ser uma LEI COMPLEMENTAR.

Mas, sobre a eficácia limitada dessas normas constitucionais, uma questão importante deve ser demarcada. É que ambos os noveis dispositivos falam que “poderá” haver a definição de requisitos diferenciados por lei complementar.

As normas até então vigentes, nas redações dadas pela Emenda 47/05, não conjugavam o verbo referido e, por isso, não deixavam margem literal para que se argumentasse no sentido de que haveria uma opção estatal em editar, ou não, uma lei que instituísse efetivamente a aposentadoria especial das pessoas com deficiência.

Antes, tratavam-se de normas constitucionais de núcleo duro e inflexível, que traduziam um princípio institutivo impositivo quanto ao beneficio previdenciário de aposentadoria especial para pessoas com deficiência. Agora, a Constituição diz “poderá” no art. 40, §4º-A e fala que existe a “possibilidade”, no art. 201, §1º, I, deixando nítida a anotação de que não se trata de norma impositiva do ponto de vista da obrigatoriedade de uma política pública previdenciária nesse sentido, traduzindo isso uma norma flexível e de instituição facultativa.

O resultado disso é que não cabe mais falar em MANDADO DE INJUNÇÃO ou AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO, pois, em sendo facultativa a implementação daquela espécie de aposentadoria, não haveria mais como se caracterizar a omissão estatal.

Acerca da diferenciação havida entre normas de eficácia limitada, aliás, cito a doutrina de ALEXANDRE DE MORAES[1], que, ao tratar do tema da inconstitucionalidade por omissão, e mencionando as lições de CANOTILHO, confirma nossas percepções.

 

Veja:

Não se deve, porém, confundir “omissão legislativa” com “opção legislativa”, que se consubstancia em legítima discricionariedade do Congresso Nacional, no exercício de sua função legiferante precípua.

 

Portanto, só há o cabimento da presente ação quando a constituição obriga o Poder Público a emitir um comando normativo e este se queda inerte, pois, como ressalta Canotilho,

 

“a omissão legislativa (e ampliamos o conceito também para a administrativa) só é autônoma e juridicamente relevante quando se conexiona com uma exigência constitucional de ação, não bastando o simples dever geral de legislador para dar fundamento a uma omissão constitucional.

 

Um dever jurídico-constitucional de ação existirá quando as normas constitucionais tiverem a natureza de imposições concretamente impositivas”.

 

De todo modo, se é que há, de fato, uma liberdade de escolha estatal nesse sentido, ela ainda está sendo exercida favoravelmente às pessoas com deficiência no âmbito da UNIÃO. Pois, a própria Emenda Constitucional n. 103 tratou de deixar claro que, enquanto não houver a edição de uma nova lei complementar que trate do assunto, continuará valendo a Lei Complementar n. 142, de 08 de maio de 2013, senão vejamos:

 

Art. 22. Até que lei discipline o § 4º-A do art. 40 e o inciso I do § 1º do art. 201 da Constituição Federal, a aposentadoria da pessoa com deficiência segurada do Regime Geral de Previdência Social ou do servidor público federal com deficiência vinculado a regime próprio de previdência social, desde que cumpridos, no caso do servidor, o tempo mínimo de 10 (dez) anos de efetivo exercício no serviço público e de 5 (cinco) anos no cargo efetivo em que for concedida a aposentadoria, será concedida na forma da Lei Complementar nº 142, de 8 de maio de 2013, inclusive quanto aos critérios de cálculo dos benefícios.

 

Essa nova lei complementar, de fato, ainda não foi editada. Portanto, temos que nos socorrer da Lei Complementar n. 142/13, conforme determinado acima. Perceba, desde já, que o Constituinte Derivado ordenou que a LC 142/13 valha tanto para o regime geral, quanto para o regime próprio dos servidores públicos federais.

Sobre isso, vamos dividir adiante nossa abordagem quanto ao RGPS e quanto aos regimes próprios.

 

  1. SOBRE A APLICAÇÃO DA LC 142 AO REGIME GERAL.

Quanto à manutenção da aplicação da LC 142 para o RGPS, não temos problemas. É que essa lei complementar foi editada justamente para as aposentadorias especiais das pessoas com deficiência no âmbito do regime geral mesmo. Quando uma nova lei complementar vier ao ordenamento jurídico para regulamentar o art. 201, §1º, inciso I, da CF, ela será de cunho federal, eis que não há regime previdenciário geral nos Estados, DF e Municípios. O RGPS, por óbvio, permanece apenas na esfera federal.

 

  1. SOBRE A APLICAÇÃO DA LC 142 AOS REGIMES PRÓPRIOS.

Aqui começam as polêmicas.

A LC 142, na origem, não seria aplicável aos regimes próprios. Não existe até hoje lei complementar para tratar da aposentadoria especial de servidores públicos federais com deficiência. E até pouco tempo, também não havia leis estaduais regulamentando essa espécie de aposentadoria para servidores estaduais com deficiência.

Desde o ano de 2005 existe, entretanto, o PLC 250/2005, para regulamentar a aposentadoria especial dos servidores públicos com deficiência (o projeto estabelece “requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos servidores públicos portadores de deficiência”). O PLC 250 foi aprovado pelo Senado e remetido para a Câmara dos Deputados em dezembro/2014. Ao chegar nessa cada parlamentar foi registrado como PLC 454/2014 e sofreu algumas alterações, estando neste momento pendente de apreciação pela CPD – Comissão dos Direitos das Pessoas com Deficiência[2].

Sobre a tramitação do PLC 454/2014, veja trecho da notícia extraída do site da Câmara dos Deputados[3]:

A proposta recebeu parecer favorável da relatora, deputada Erika Kokay (PT-DF). Ela afirmou que a aposentadoria especial não constitui um privilégio, e sim uma medida afirmativa. “Busca equiparar o tratamento conferido aos servidores que não enfrentam dificuldades para inserção no mercado de trabalho com o daqueles que enfrentam diariamente barreiras físicas e sociais”, disse.

 

A aposentadoria com critérios especiais para pessoas com deficiência também será aplicada aos magistrados, aos ministros e conselheiros dos tribunais de contas e aos membros do Ministério Público. O projeto ressalva que as reduções não podem ser acumuladas com reduções garantidas por outras circunstâncias, como exercício de atividade de risco ou sob condições que prejudiquem a saúde ou a integridade física.

 

Por conta dessa eterna pendencia de aprovação de uma lei complementar específica da aposentadoria especial dos servidores públicos com deficiência, o Supremo Tribunal Federal recebeu ao longo dos últimos dez anos inúmeros MANDADOS DE INJUNÇÃO. A ausência de norma regulamentadora do direito ao benefício para os servidores públicos em geral era manifesta (a ser feita à época pela União). O mesmo ocorreu em relação à edição de norma regulamentadora (também pela União), relativa à concretização do direito à aposentadoria especial para atividades especiais no serviço público, decorrente de agentes nocivos físicos, químicos e/ou biológicos.

 

E como foram resolvidos esses mandados de injunção no Supremo?

Bom, note, primeiramente, que, antes da EC 103, essas aposentadorias estavam previstas no art. 40, §4º, incisos I e III, da Constituição. O inciso I tratava da aposentadoria especial para os servidores públicos com deficiência, enquanto que o inciso III cuidava dos servidores públicos cujas atividades eram “exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física”.

As decisões iniciais apenas exortavam o Poder Legislativo à deliberação na casa parlamentar a respeito do tema, a fim de que o direito fosse regulamentado e concretizado.

Nada obstante essa postura inicial mais contida, a enxurrada de mandados de injunção no STF para ambas as espécies forçou, posteriormente, o Supremo Tribunal Federal a evoluir seu entendimento a respeito dos EFEITOS DA DECISÃO proferida naquelas ações. Em verdade, a Corte Suprema já vinha paulatinamente tratando de mandados de injunção em relação a diversos temas presentes na Constituição Federal de 1988, desde a sua promulgação, elaborando, com isso, algumas correntes de entendimento a respeito das consequências legislativas decorrentes das decisões proferidas em tais ações.

Recorrendo-nos, novamente, à doutrina de ALEXANDRE DE MORAES[4], podemos citar o pronunciamento do Ministro Néri da Silveira[5], que com absoluta clareza resumiu as posições iniciais existentes no Supremo Tribunal Federal em relação ao mandado de injunção.

 

Vejamos:

Há, como sabemos, na Corte, no julgamento dos mandados de injunção, três correntes: a majoritária, que se formou a partir do Mandado de Injunção nº 107, que entende deva o Supremo Tribunal Federal, em reconhecendo a existência da mora do Congresso Nacional, comunicar a existência dessa omissão, para que o Poder Legislativo elabore a lei. Outra corrente, minoritária, reconhecendo também a mora do Congresso Nacional, decide, desde logo, o pedido do requerente do mandado de injunção e provê sobre o exercício do direito constitucionalmente previsto. Por último, registro minha posição, que é isolada: partilho do entendimento de que o Congresso Nacional é que deve elaborar a lei, mas também tenho presente que a Constituição, por via do mandado de injunção, quer assegurar aos cidadãos o exercício de direitos e liberdades, contemplados na Carta Política, mas dependentes de regulamentação. Adoto posição que considero intermediária.

 

Entendo que se deva, também, em primeiro lugar, comunicar ao Congresso Nacional a omissão inconstitucional, para que ele, exercitando sua competência, faça a lei indispensável ao exercício do direito constitucionalmente assegurado aos cidadãos. Compreendo, entretanto, que, se o Congresso Nacional não fizer a lei, em certo prazo que se estabeleceria na decisão, o Supremo Tribunal Federal pode tomar conhecimento de reclamação da parte, quanto ao prosseguimento da omissão, e, a seguir, dispor a respeito do direito in concreto.

 

Assim, em suma, aproveitando o artigo para fincarmos essa questão em nosso aprendizado, podemos sintetizar as correntes doutrinárias e jurisprudenciais a respeito dos efeitos da decisão proferida em mandados de injunção, da seguinte forma:

 

 

Após alguns anos, quanto ao direito de servidores obterem aposentadoria especial (seja para atividades especiais, seja para servidores com deficiência), o Supremo acabou adotando, ao final da linha evolutiva de entendimentos, tal como acima explicado, a linha CONRETISTA INTERMEDIÁRIA, garantido o direito reclamado não apenas pela via recomendatória ao Parlamento, mas indo além e fixando uma NORMA TEMPORÁRIA[6], diante da mora injustificável do legislador.

Note, ainda, que essa linha jurisprudencial, em 2016, acabou se consolidando em nosso ordenamento positivado, por meio da Lei n. 13.300, de 23 de junho de 2016, que disciplina “o processo e o julgamento dos mandados de injunção individual e coletivo”. Os artigos 8º e 9º, da referida lei traduzem a posição concretista intermediária ao enunciarem os efeitos da decisão proferida em mandado de injunção individual ou coletivo.

Além disso, após reiteradas decisões, o Supremo Tribunal Federal acabou editando sua Súmula Vinculante 33, para determinar o seguinte quanto à aposentadoria especial de servidores cujas atividades exercidas eram prejudiciais à saúde ou a integridade física:

Aplicam-se ao servidor público, no que couber, as regras do regime geral da previdência social sobre aposentadoria especial de que trata o artigo 40, § 4º, inciso III da Constituição Federal, até a edição de lei complementar específica.

 

Muito bem. Visto isso até aqui, vamos fazer mais algumas observações importantes. O tema é complexo, de fato.

A primeira observação que faço é que, como se vê, a SV 33 fez expressa referência ao então art. 40, §4º, III, CF, que era relativo à aposentadoria especial de servidores cujas atividades eram prejudiciais à saúde ou à integridade física. A SV 33 não fez referencia expressa, portanto, a aposentadoria especial dos servidores com deficiência, que à época, como vimos, era descrita no art. 40, §4º, I, CF. Tratava-se de dispositivo constitucional distinto.

De todo modo, quanto ao tema, já era farta a jurisprudência do Supremo no mesmo sentido da SV 33, ou seja, de que, enquanto não houvesse norma regulamentadora a respeito da aposentadoria especial para servidores com deficiência, deveria ser adotada a legislação do regime geral, no caso, a LC 142.

 

Veja, nesse sentido, a seguinte decisão, a qual foi proferida ANTES da EC 103:

 

Ementa: DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO INTERNO EM MANDADO DE INJUNÇÃO. APOSENTADORIA ESPECIAL DE SERVIDORES PORTADORES DE DEFICIÊNCIA PERMANENTE (ART. 40, § 4º, I, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). CONCESSÃO PARCIAL DA ORDEM. APLICAÇÃO IRRESTRITA DA LC 142/2013. ACOLHIMENTO DOS DECLARATÓRIOS DA UNIÃO, COM EFEITOS INFRINGENTES. PROVIMENTO DO RECURSO DE AGRAVO.

 

  1. A jurisprudência formada a partir do início do julgamento do MI 1613 AgR-AgR (Rel. Min LUIZ FUX, Pleno, Dje de 26/5/2017) era no sentido de que, havendo omissão legislativa, deveria ser utilizado o disposto no art. 57 da Lei 8.213/1991 até a entrada em vigor da Lei Complementar 142/2013 para fins de verificação do preenchimento dos requisitos ao direito à aposentadoria especial de servidor público portador de deficiência.

 

  1. Ocorre que a colenda Primeira Turma, na sessão de 13/8/2019, ao examinar o MI 6818, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, firmou entendimento no sentido da aplicação irrestrita da Lei Complementar 142/2013 para a análise dos requisitos de aposentadoria especial de servidor com deficiência, inclusive em relação ao tempo de serviço anterior à sua vigência.

 

  1. Embargos de Declaratórios da União acolhidos, com efeitos infringentes, para dar provimento ao recurso de agravo, a fim de que sejam observados os parâmetros estabelecidos pela Lei Complementar 142/2013 em relação a todo o período avaliativo para fins de verificação dos requisitos de aposentadoria especial de servidor com deficiência.

 

(MI 7083 AgR-ED, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 23/08/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-195  DIVULG 06-09-2019  PUBLIC 09-09-2019)

 

A segunda observação a ser feita é a de que a publicação da Emenda 103 alterou o panorama jurisprudencial do Supremo. Alterou tanto para os servidores federais, quanto para os servidores dos Estados, DF e Municípios.

Explico.

Com relação aos servidores federais, O STF ENTENDE QUE NÃO HÁ MAIS INTERESSE JURÍDICO para que sejam recebidos mandados de injunção relativamente ao tema da aposentadoria especial de servidores públicos da UNIÃO com deficiência. É que o art. 22, caput, da EC 103, como já transcrito em linhas iniciais deste artigo, expressa uma ordem que seja adotada a LC 142, até que sobrevenha uma lei complementar específica, tanto para o regime geral, quanto para o regime próprio FEDERAL. Ou seja, a questão já está resolvida pelo “legislador”. Não há mais lacuna a ser colmatada pelo Judiciário.

Com relação aos ESTADOS, DF, E MUNICÍPIOS, o STF VEM ENTENDENDO QUE NÃO É MAIS COMPETENTE PARA APRECIAR MANDADOS DE INJUNÇÃO para colmatar a ausência de norma regulamentadora relativamente à aposentadoria especial de servidores com deficiência daqueles entes federativos. Vejamos um julgado recente de nossa Suprema Corte exatamente nesse sentido:

A seu turno, no que concerne a servidores estaduais, municipais ou distritais, insta ressaltar que, a partir da reforma promovida pela Emenda Constitucional 103/2019, cada ente político da Federação deverá estabelecer, em relação a seus próprios agentes estatais, por meio de leis complementares a serem editadas no âmbito de cada uma das unidades federadas, o respectivo regime especial de aposentadoria dos servidores públicos com deficiência.

 

(…)

 

Nesse cenário, em se tratando de servidores estaduais, municipais ou distritais, a colmatação de eventual lacuna legislativa existente deverá ser implementada por meio da legislação complementar a ser editada pela correspondente unidade da Federação, de sorte que a União Federal não mais possui competência legislativa para dispor sobre a aposentadoria especial desses servidores, na forma do art. 40, § 4º-A, da Constituição Federal, incluído pela EC 103/2019. Ausente, assim, a competência legislativa da União Federal, nada justifica a indicação do Presidente da República ou do Congresso Nacional para figurarem como autoridades ou órgãos estatais coatores, o que afasta a competência desta Corte para a apreciação do mandamus, na forma do art. 102, I, “q”, da Constituição da República.

 

(…)

 

(MI 4245 AgR-AgR, Relator(a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 27/04/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-155  DIVULG 19-06-2020  PUBLIC 22-06-2020)

 

É que a reforma previdenciária ao dar nova redação ao art. 40, §4-A, CF, assentou que cada ente federativo poderá elaborar SUA PRÓPRIA LEI COMPLEMENTAR.

A “bola”, então, não está mais apenas com a União!

Antes, a lei complementar deveria ter cunho geral e seria editada na esfera federal. Agora, isso não mais subsiste. Inaugurou-se um sistema federativo simétrico no que toca à previdência social, com a Emenda 103, no que toca ao regime previdenciário dos servidores públicos. Cada Estado, Municípios e o DF poderão promover suas reformas previdenciárias, desde que não violem a base normativa já dada pela Constituição Federal.

Da EC 103 em diante, os Estados, DF e Municípios possuem total autonomia para instituírem, ou não, esse tipo de aposentadoria especial em relação a seus servidores. Lembre-se: cada Estado, DF e Município promoverá sua própria reforma previdenciária no âmbito do serviço público.

Por isso, não será possível mais, salvo nos casos de DIREITO ADQUIRIDO, fazer uso analógico da Súmula Vinculante 33 e, tampouco, dos demais precedentes do Supremo Tribunal Federal que deram azo entendimento exposto nas linhas anteriores. Para os casos de possível direito adquirido à aposentadoria especial do servidor público federal, relativamente a condições que prejudiquem sua saúde ou integridade física, poderia ser invocável a SV 33, já que as regras expressas editadas pela União somente vieram com a EC 103. Os servidores dos Estados, DF e Municípios também podem se valer de eventual direito adquirido de acordo com a SV 33, caso tenham completado os requisitos anteriormente a publicação da Emenda.

Para os casos de servidores públicos federais com deficiência, a questão do direito adquirido já estaria também resolvida pelo art. 22, da EC 103, dispositivo esse que pode abarcar aqueles que teriam completado os requisitos anteriormente à reforma da previdência e que necessitariam fazer uso até então da LC 142.

Quanto aos servidores públicos dos Estados, DF e Municípios que teriam cumprido os requisitos para se aposentarem com base na LC 142, penso que seria mais justo que eles fizesse jus à aplicação do entendimento do STF até então. Isso porque, até a Emenda 103, o Supremo Tribunal Federal também aplicava a LC 142 aos servidores públicos estaduais, do DF e municipais. Entendia-se como sendo competente o STF para apreciar esses mandados de injunção, ainda que impetrados por servidores daqueles entes federativos em face da Presidência da República. Isso ficou assentado no julgamento do TEMA 727 de sua repercussão geral.

 

Vejamos:

 

Tema

 

727 – Definição da legitimidade passiva ad causam e, portanto, da competência para julgar o mandado de injunção impetrado por servidores públicos municipais, estaduais e distritais em que se pretende a declaração de mora legislativa para edição da lei complementar relativa à disciplina da aposentadoria especial de servidor público, a que alude o § 4º do art. 40 da Constituição federal.

 

Tese

 

Compete ao Supremo Tribunal Federal julgar mandado de injunção referente à omissão quanto à edição da lei complementar prevista no art. 40, § 4º, da Constituição de 1988.

 

Obs: Redação da tese aprovada nos termos do item 2 da Ata da 12ª Sessão Administrativa do STF, realizada em 09/12/2015.

 

 

Recurso extraordinário. Repercussão Geral da questão constitucional reconhecida. Reafirmação de jurisprudência.

 

  1. A omissão referente à edição da Lei Complementar a que se refere o art. 40, §4º, da CF/88, deve ser imputada ao Presidente da República e ao Congresso Nacional.

 

  1. Competência para julgar mandado de injunção sobre a referida questão é do Supremo Tribunal Federal.

 

  1. Recurso extraordinário provido para extinguir o mandado de injunção impetrado no Tribunal de Justiça.

 

(RE 797905 RG, Relator(a): GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 15/05/2014, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-102 DIVULG 28-05-2014 PUBLIC 29-05-2014)

 

Na medida em que era da incumbência única da União editar a norma geral federal que permitisse a aposentadoria especial de servidores com deficiência, fossem eles federais, estaduais, distritais e municipais, perfazia-se a legitimidade passiva da Presidência da República.

Assim, servidores públicos com deficiência, estaduais, distritais e municipais que não tiverem cumprido os requisitos para a aposentadoria especial até 13/11/2019, não poderão mais fazer uso da LC 142/13 para obterem a concessão de aposentadoria especial prevista no art. 40, §4º-A, da CF.

Na prática, contudo, acredito que os Estados garantirão em suas leis complementares a aposentadoria especial de seus servidores com deficiência. Isso já ocorreu, por exemplo, com o Estado de São Paulo, que incluiu o direito à aposentadoria especial de seus servidores com deficiência no art. 3º, de sua Lei Complementar Estadual n. 1.354/2020.

É isso, meus guerreiros e guerreiras!

 

Na próxima semana, teremos mais um artigo sobre a aposentadoria especial de pessoas com deficiência, quando abordaremos em detalhes os requisitos previstos na LC 142.

Continue acompanhando nosso blog!

Vamos seguindo em frente! Espero ter ajudado. Estou à disposição (inclusive no meu perfil no instagram @prof.fred_martins).

Um grande abraço,

Frederico Martins.

Juiz Federal do TRF-1

Professor do Gran Cursos

 

 

 

 

[1] MORAES, Alexandre de, in Curso de Direito Constitucional, 33ª Edição, Editora Atlas, pg. 553.

[2] https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=860914

[3] Fonte: Agência Câmara de Notícias.

[4] Op. cit., pg. 139.

[5] . Ata da 7ª (sétima) sessão extraordinária do Supremo Tribunal Federal, realizada em 16 de março de 1995 e publicada no Diário da Justiça, 4 abr. 1995, Seção I, p. 8.265.

[6] Cumpre ressaltar, finalmente, que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em diversos precedentes firmados sobre a matéria (…), salientou que, efetivada a integração normativa necessária ao exercício de direito pendente de disciplinação normativa, exaure-se a função jurídico-constitucional para a qual foi concebido (e instituído) o remédio constitucional do mandado de injunção (…). [MI 3.215 AgR-ED-AgR, voto do rel. min. Celso de Mello, P, j. 1º-8-2014, DJE 191 de 1º-10-2014.]

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