Prezados alunos,
dando continuidade a série Regressiva 31 dias OAB, seguem dicas preciosas para a 2ª fase de Direito do Trabalho. Vejamos:
HORAS ITINERÁRIAS
O operador do Direito, na área trabalhista, deve dominar as peculiaridades referentes às chamadas horas itinerárias (também conhecidas como horas in itinere), ou seja, o tempo no trajeto entre a residência e o trabalho e vice-versa.
Como sabemos, a regra é que esse tempo de deslocamento não é contabilizado na jornada, exceto se houver a concorrência de dois requisitos, como vemos na ressalva do art. 58, § 2º, da CLT: “O tempo despendido pelo empregado até o local de trabalho e para o seu retorno, por qualquer meio de transporte, não será computado na jornada de trabalho, salvo quando, tratando-se de local de difícil acesso ou não servido por transporte público, o empregador fornecer a condução”.
Os dois requisitos cumulativos podem ser assim sintetizados:
- a) empregador fornece a condução; e
- b) o trajeto para o trabalho não é servido por transporte público ou o local de trabalho caracteriza-se como de difícil acesso.
Essa lógica prevista em lei também já era considerada pelo Tribunal Superior do Trabalho e hoje encontra-se consagrada na Súmula 90:
“HORAS “IN ITINERE”. TEMPO DE SERVIÇO (incorporadas as Sú- mulas nºs 324 e 325 e as Orientações Jurisprudenciais nºs 50 e 236 da SBDI- 1) – Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005
I – O tempo despendido pelo empregado, em condução fornecida pelo empregador, até o local de trabalho de difícil acesso, ou não servido por transporte público regular, e para o seu retorno é computável na jornada de trabalho”.
Um ponto merece destaque. Muitos pensam que a existência de horas itinerárias (com a presença dos requisitos mencionados) implicaria o pagamento automático de horas extras, o que não é correto. Essas horas são incluídas na jornada de maneira que apenas haverá horas extras quando ultrapassada a jornada diária do trabalhador.
Nessa direção caminha a Súmula 90, V, do TST: “Considerando que as horas ‘in itinere’ são computáveis na jornada de trabalho, o tempo que extrapola a jornada legal é considerado como extraordinário e sobre ele deve incidir o adicional respectivo”.
A matéria, que parece ser simples, envolve certos complicadores, tais como a questão referente à insuficiência do transporte público. Muitas vezes, existe transporte público no trajeto e o local é de fácil acesso, mas o transporte não consegue atender a toda a demanda de trabalhadores (muitas pessoas para poucos veículos). Assim, diversos empregadores oferecem transporte privado a seus empregados, provocando um questionamento. Esse período de transporte pode ser considerado na jornada? Estariam os requisitos presentes?
O TST entende negativamente. De fato, havendo transporte público no horário em que o trabalhador necessita, a eventual insuficiência do transporte revela problema de política pública, uma vez que o Município (ou o Distrito Federal, que não se divide em Municípios) é o responsável pela gestão dos serviços públicos de transporte, conforme art. 30, V, da CF.
“Art. 30. Compete aos Municípios:
V – organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial”.
Logo, seria descabido transferir ao empregador esse ônus. Aliás, o TST afasta a contagem desse tempo, consolidando o entendimento na Súmula 90, III: A mera insuficiência de transporte público não enseja o pagamento de horas “in itinere”.
Além disso, quando existe transporte público apenas em parte do trajeto, por coerência lógica, apenas pode ser considerada a parte em que não há o transporte referido. Nesse sentido vemos a posição do TST na Súmula 90, IV: “Se houver transporte público regular em parte do trajeto percorrido em condução da empresa, as horas ‘in itinere’ remuneradas limitam-se ao trecho não alcançado pelo transporte público”.
Outro ponto de relevo ocorre quando o transporte público existe, mas o horário desse transporte não coincide com o horário que o trabalhador necessita. Imagine que um empregado de um supermercado sai do serviço às 3hs (madrugada) e o próximo ônibus somente passe às 6hs. Existe incompatibilidade de horários.
Na hipótese levantada, caso o empregador forneça o transporte privado, torna-se natural reconhecer o tempo de deslocamento como computado na jornada. O TST já pacificou a matéria na Súmula 90, II: A incompatibilidade entre os horários de início e término da jornada do empregado e os do transporte público regular é circunstância que também gera o direito às horas “in itinere”.
Registre-se que, caso o empregador cobre alguma importância pelo transporte, essa peculiaridade não elimina o direito às horas itinerárias. Vejamos a Súmula 320 do TST:
HORAS “IN ITINERE”. OBRIGATORIEDADE DE CÔMPUTO NA JORNADA DE TRABALHO (mantida) – Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003
O fato de o empregador cobrar, parcialmente ou não, importância pelo transporte fornecido, para local de difícil acesso ou não servido por transporte regular, não afasta o direito à percepção das horas “in itinere”.
Diante da grande quantidade de conflitos na apuração do tempo de transporte in itinere, o legislador andou bem ao estipular que é possível à negociação coletiva estabelecer o tempo médio desse transporte, o que se infere do art. 58, § 3º, da CLT: “Poderão ser fixados, para as microempresas e empresas de pequeno porte, por meio de acordo ou convenção coletiva, em caso de transporte fornecido pelo empregador, em local de difícil acesso ou não servido por transporte público, o tempo médio despendido pelo empregado, bem como a forma e a natureza da remuneração”.
Nesse particular surge uma indagação: poderia a norma coletiva estipular um tempo de horas itinerárias menor do que o efetivamente gasto pelo trabalhador. A questão importa inclusive os limites da negociação coletiva, com exame do art. 7º, XXVI, da Constituição Federal.
O Tribunal Superior do Trabalho aceita a negociação coletiva, com estipulação de tempo menor do que o realmente gasto, desde que preservada a razoabilidade. E, por razoabilidade, o Tribunal entende que o limite mínimo de 50% do tempo efetivamente gasto deve ser respeitado:
RECURSO DE EMBARGOS EM RECURSO DE REVISTA. INTERPOSIÇÃO SOB A ÉGIDE DA LEI 11.496/2007. HORAS IN ITINERE. NEGOCIAÇÃO COLETIVA. LIMITAÇÃO QUANTITATIVA. LAPSO TEMPORAL FIXADO COLETIVAMENTE QUE NÃO CORRESPONDE A CINQUENTA POR CENTO DO TEMPO DESPENDIDO NO DESLOCAMENTO. INVALIDADE. 1. O Colegiado Turmário negou provimento ao recurso de revista do reclamante, registrando que, “convindo às categorias interessadas, dentro da dialética inerente ao conglobamento, estabelecer duração única para a apuração de horas ‘ in itinere’ , desta forma devidas a todo o universo de trabalhadores alcançados, nenhum ilícito remanescerá, resguardado que permanece o direito à percepção da parcela”. 2. Esta Corte tem admitido a limitação do número de horas in itinere por norma coletiva, desde que observados os princípios da razoabilidade e proporcionalidade entre o tempo fixado e aquele efetivamente gasto. Nessa trilha, este Tribunal tem considerado razoável o lapso fixado coletivamente que corresponda a, pelo menos, 50% (cinquenta por cento) do tempo despendido no deslocamento. 3. No caso dos autos, a norma coletiva fixou em uma hora diária o pagamento a título de horas in itinere, enquanto o reclamante despendia no percurso, em média, cinco horas diárias. Tem-se, assim, à luz da jurisprudência desta Corte, que a referida cláusula coletiva não atendeu aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade – pois o lapso negociado coletivamente corresponde a menos de 50% (cinquenta por cento) do tempo gasto no deslocamento -, razão pela qual é inviável concluir pela sua validade. Recurso de embargos conhecido e provido.
( E-ARR – 881-69.2010.5.09.0092 , Relator Ministro: Hugo Carlos Scheuermann, Data de Julgamento: 20/08/2015, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 28/08/2015)
Bons estudos!
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José Gervásio – Ex-Procurador do Estado do Goiás. Ex-Procurador da Fazenda Nacional. Juiz do Trabalho. Ministra as matérias de Direito do Trabalho, Direito Processual do Trabalho e Direito Administrativo.
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