STJ decide: Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela continua a ser crime

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desacatar funcionário públicoPor: Projeto Exame de Ordem | Cursos Online
Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela continua a ser crime, conforme previsto no art. 331 do Código Penal.
STJ. 3ª Seção. HC 379.269-MS, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Rel. para acórdão Min. Antônio Saldanha Palheiro, julgado em 24/5/2017 (Info 607).
Previsão do desacato no direito brasileiro

O Código Penal prevê o crime de desacato no art. 331:

Art. 331. Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela: Pena – detenção, de seis meses a dois anos, ou multa.
Desacatar significa “menosprezar a função pública exercida por determinada pessoa. Em outras palavras, ofende-se o funcionário público com a finalidade de humilhar a dignidade e o prestígio da atividade administrativa.” (MASSON, Cleber. Direito Penal esquematizado. 4ª ed., São Paulo: Método, 2014, p. 748).
O bem jurídico protegido é o respeito da função pública. Tanto isso é verdade que a vítima primária deste delito é o Estado. O servidor ofendido é apenas o sujeito passivo secundário.
O Brasil é signatário da Convenção Americana de Direitos Humanos, que ficou conhecida como “Pacto de São José da Costa Rica”.

Neste tratado internacional, promulgado pelo Decreto nº 678/92, foi previsto como um dos direitos ali consagrados a liberdade de expressão. Confira:

Artigo 13. Liberdade de pensamento e de expressão 1. Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e ideias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha. 2. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito a censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente fixadas pela lei e ser necessárias para assegurar: a. o respeito aos direitos ou à reputação das demais pessoas; ou b. a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas. 3. Não se pode restringir o direito de expressão por vias ou meios indiretos, tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de frequências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de ideias e opiniões. 4. A lei pode submeter os espetáculos públicos a censura prévia, com o objetivo exclusivo de regular o acesso a eles, para proteção moral da infância e da adolescência, sem prejuízo do disposto no inciso 2. 5. A lei deve proibir toda propaganda a favor da guerra, bem como toda apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitação à discriminação, à hostilidade, ao crime ou à violência.
Há muitos anos, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) vem decidindo que a criminalização do desacato contraria o artigo 13 do Pacto de San José da Costa Rica. Em 1995, a Comissão afirmou que as leis de desacato se prestam ao abuso, como meio para silenciar ideias e opiniões consideradas incômodas pelo establishment, bem assim proporcionam maior nível de proteção aos agentes do Estado do que aos particulares, em contravenção aos princípios democrático e igualitário (CIDH, Relatório sobre a compatibilidade entre as leis de desacato e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, OEA/Ser. L/V/II.88, doc. 9 rev., 17 de fevereiro de 1995, 197-212).

Em 2000, a CIDH aprovou a Declaração de Princípios sobre Liberdade de Expressão, onde reafirmou sua posição sobre a invalidade da tipificação do desacato:

“11. Os funcionários públicos estão sujeitos a um maior controle por parte da sociedade. As leis que punem a manifestação ofensiva dirigida a funcionários públicos, geralmente conhecidas como ‘leis de desacato’, atentam contra a liberdade de expressão e o direito à informação.”
Em suma, para a CIDH, as leis de desacato restringem indiretamente a liberdade de expressão, porque carregam consigo a ameaça do cárcere ou multas para aqueles que insultem ou ofendam um funcionário público. Por essa razão, este tipo penal (desacato) é inválido por contrariar o artigo 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos.

A jurisprudência do STJ acolhe esta tese? O desacato deixou de ser crime no ordenamento jurídico brasileiro por força do Pacto de San Jose da Costa Rica?
NÃO. Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela continua a ser crime, conforme previsto no art. 331 do Código Penal. STJ. 3ª Seção. HC 379.269-MS, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Rel. para acórdão Min. Antônio Saldanha Palheiro, julgado em 24/5/2017 (Info 607).
Desacato não viola a liberdade de expressão A figura penal do desacato não prejudica a liberdade de expressão, pois não impede o cidadão de se manifestar, “desde que o faça com civilidade e educação”.
A responsabilização penal por desacato existe para inibir excessos e constitui uma salvaguarda para os agentes públicos, expostos a todo tipo de ofensa no exercício de suas funções.
Houve uma decisão do STJ neste sentido no final de 2016:
O crime de desacato não mais subsiste em nosso ordenamento jurídico por ser incompatível com o artigo 13 do Pacto de San José da Costa Rica. A criminalização do desacato está na contramão do humanismo, porque ressalta a preponderância do Estado – personificado em seus agentes – sobre o indivíduo. A existência deste crime em nosso ordenamento jurídico é anacrônica, pois traduz desigualdade entre funcionários e particulares, o que é inaceitável no Estado Democrático de Direito preconizado pela CF/88 e pela Convenção Americana de Direitos Humanos. STJ. 5ª Turma. REsp 1640084/SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 15/12/2016.
Este precedente (a favor da descriminalização) foi da 5ª Turma e o segundo acórdão (mantendo o crime) foi prolatado pela 3ª Seção.
No STJ, existem duas Turmas que julgam normalmente os processos que envolvem matéria criminal: 5ª e 6ª Turmas. Cada Turma possui 5 Ministros. Determinados processos (ex: embargos de divergência) são julgados pela 3ª Seção, que é a reunião dos Ministros da 5ª e 6ª Turmas. É também possível que o Ministro Relator proponha que determinado processo que seria julgado pela Turma seja, em vez disso, apreciado pela Seção. Isso ocorre normalmente quando o tema é polêmico e se deseja uniformizar o assunto. Foi isso o que aconteceu no caso concreto. Havia uma decisão da 5ª Turma dizendo que desacato não seria crime. O tema, contudo, ainda não estava pacificado no âmbito do STJ. Diante disso, o Ministro Relator do HC 379.269/MS, que também tratava sobre esse mesmo assunto, entendeu mais prudente levar o processo para ser apreciado pela 3ª Seção, que decidiu em sentido contrário ao precedente da 5ª Turma.

O que vai prevalecer então no STJ?

A decisão da 3ª Seção, ou seja, o entendimento de que desacato continua sendo crime (HC 379.269/MS). A tendência é que os Ministros da 5ª Turma se curvem à decisão da 3ª Seção.
O STF possui algum precedente sobre o tema? Ainda não. O tema, contudo, será em breve apreciado pelo STF. Enquanto isso não ocorre, desacato continua sendo crime.
 
Fonte: sabermaisdireito.com

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