Sucessão trabalhista nos cartórios extrajudiciais

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29 de janeiro6 min. de leitura

Conceitualmente, entende-se por sucessão trabalhista o instituto por meio do qual se opera, no contexto da transferência de titularidade de empresa ou estabelecimento, uma completa transmissão de créditos e assunção de dívidas trabalhistas entre alienante e adquirente envolvidos. Também chamado de sucessão trabalhista ou alteração subjetiva do contrato (Maurício Godinho Delgado, 2020). Está regulamentada, basicamente, pelos artigos 10, 448, 448-A e 449, da CLT.

Debate-se acerca da existência ou possibilidade de sucessão nos cartórios extrajudiciais. Há dois tipos de cartórios: a) Cartórios ou serventias judiciais: sujeitam-se ao Poder Judiciário; servidores estatutários. (Não são objeto de estudo do direito do trabalho); b) Cartórios extrajudiciais (serviços notariais ou de registro): exercido em caráter privado, por outorga do Estado, com assento no artigo 236 da CRFB/88.

O art. 236[1] da CRFB/88, ao tratar dos cartórios notariais, determina que os serviços de registros são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público. Como consequência inafastável, não podem ser exercidos pelo Estado, quer diretamente por órgão integrante da sua estrutura, quer indiretamente, através de autarquia.

A Lei 8.935/94 regulamentou o artigo 236 da CRFB/88. O seu art. 3º prevê que o “Notário, ou tabelião, e oficial de registro, ou registrador, são profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem é delegado o exercício da atividade notarial e de registro”.

O tabelião, portanto, é agente delegado, ou seja, particular que recebe a incumbência da execução de determinada atividade, obra ou sérico público e realizam em nome próprio, por sua conta e risco, mas segundo normas do Estado e sob a permanente fiscalização do delegante.

Segundo o art. 20, caput, da Lei 8.935/94[2], “os notários e os oficiais de registro poderão, para o desempenho de suas funções, contratar escreventes, dentre eles escolhendo os substitutos, e auxiliares como empregados, com remuneração livremente ajustada e sob o regime da legislação do trabalho”. O empregador é o tabelião titular, que aufere renda decorrente do serviço explorado e assume pessoalmente os riscos. Quem assina a CTPS é o próprio tabelião, que é o empregador, pois o Cartório é um ente despersonalizado.

Os trabalhadores em cartórios extrajudiciais, como ajudantes, escreventes e auxiliares, são regidos pela CLT e, quando presentes os requisitos da relação de emprego serão considerados empregados, porém, submetidos às normas da Organização Judiciária e subordinados também à Corregedoria, o que não desnatura a relação empregatícia.

Em regra, não há sucessão trabalhista entre o novo titular e o antigo. Mas, a jurisprudência majoritária admitem a sucessão trabalhista, nos moldes dos arts. 10 e 448 da CLT, quando preenchidos determinados requisitos cumulativos, quais sejam: a) transferência da unidade econômica de um titular para outro; b) a prestação de serviço pelo empregado do antigo titular prossiga com o novo titular. Vejamos alguns julgados a respeito:

CARTÓRIO EXTRAJUDICIAL. EXTINÇÃO DA DELEGAÇÃO. ÓBITO DO TITULAR. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. SUBSTITUTA INTERINA NO EXERCÍCIO DA TITULARIDADE. RESPONSABILIDADE. CONTRARIEDADE À SÚMULA Nº 126 DO TST NÃO CONFIGURADA. 1. Discute-se a responsabilidade do substituto interino de Cartório extrajudicial, pelas verbas rescisórias de contrato de trabalho vigente no período da substituição. 2. Em regra, não se admite a sucessão de empregadores nas contratações para prestação de serviços em cartório extrajudicial, tendo em vista que a delegação para o exercício da atividade notarial e de registro estar submetida à habilitação em concurso público (Lei Federal nº 8.935/94). A jurisprudência desta Corte Superior Trabalhista, no entanto, admite que a mudança de titularidade de cartório extrajudicial ocasione a sucessão trabalhista, nas hipóteses excepcionais em que haja continuidade na prestação de serviços em prol do titular sucessor – tese advogada pela ora recorrente em suas razões de embargos, ao argumento de que a Turma, ao desconsiderar essa premissa do acórdão recorrido incorreu em contrariedade à Súmula nº 126 do TST, por má aplicação. 3. No caso em análise, a Turma retrata o quadro fático de que a ré, em 27/06/2002, assumiu a titularidade interina do cartório, em caráter precário, em razão da vacância decorrente do falecimento do antigo titular, permanecendo nessa condição até 19/02/2008, ocasião em que se operou a transferência para o novo titular designado por meio de concurso público. Registra que a autora, não obstante tenha sido admitida na função de auxiliar de escrevente em 18.02.1994 pelo antigo titular, obteve o vínculo empregatício reconhecido com a ora recorrente no período de 27/06/2002 a 19/02/2008 – data em que se operou a transferência da titularidade e que, por isso mesmo, teve seu contrato de trabalho rescindido com o pagamento do saldo de salário relativo a dezenove dias do mês de fevereiro. 4. A premissa relativa à prestação ininterrupta de serviços até a anotação da CTPS pelo novo titular foi, expressamente, rechaçada pelo Tribunal Regional ao consignar que os depoimentos testemunhais não foram conclusivos nesse sentido, não se podendo deduzir a partir da readmissão da autora em 04/03/2008, mediante contrato de experiência, que não tenha havido solução de continuidade do vínculo empregatício – não obstante o curto período de tempo entre a rescisão e a nova contratação. 5. Nesse contexto, o fato de a ré ter quitado saldo de salário, em conformidade com o Provimento 75 de 2002 da Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho, que exige, como condição para o exercício da serventia, a prova da quitação dos contratos de trabalho, até a data do efetivo exercício do novo titular, corrobora a conclusão quanto à rescisão contratual – ocasião em que deveria ter procedido a quitação integral do contrato de trabalho da autora. 6. Irretocável, por conseguinte a aplicação da Súmula nº 126 do TST, pelo acórdão recorrido. Agravo regimental conhecido e desprovido. (AgR-E-ED-RR-78600-87.2009.5.03.0106, Relator Ministro: Alexandre de Souza Agra Belmonte, Data de Julgamento: 24/08/2017, SBDI-1, Data de Publicação: DEJT 01/09/2017)

CARTÓRIO. SUCESSÃO TRABALHISTA. CONTINUIDADE DA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS. RESPONSABILIDADE DO NOVO TITULAR AINDA QUE DE FORMA PRECÁRIA. In casu, é incontroversa a ocorrência de novação subjetiva em relação à titularidade do serviço notarial, ainda que de forma precária, com a correspondente transferência da unidade econômico-jurídica que integra o estabelecimento. Outrossim, não houve resilição do vínculo empregatício no caso em tela. A jurisprudência desta Corte é no sentido de que, em se tratando de cartório, a sucessão de empregadores pressupõe não só a transferência da unidade econômica de um titular para outro, mas que a prestação de serviço pelo empregado do primeiro prossiga com o segundo. Portanto, quando o sucessor no cartório aproveitar os empregados do titular sucedido, hipótese que se verifica nos autos, poderá ser reconhecida a sucessão (precedentes). Recurso de revista conhecido e provido. (RR-289-38.2013.5.03.0043, Relator Ministro: José Roberto Freire Pimenta, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 30/06/2017).

Questão diversa é no tocante ao tabelião substituto, que não tem qualquer responsabilidade, pois sua permanência no cartório se dá por ordem e determinação do Tribunal, e de forma precária, cuja nomeação se justifica pela natureza essencial do serviço prestado, o que impede sua paralisação.

Importante ressalvar que há tese contrária, que afasta a sucessão trabalhista, sob fundamento do provimento por concurso público[3]. Desta feita, não haveria ato negocial entre antecessor e novo titular, nem transferência de patrimônio, pois o serviço pertenceria ao Estado. No entanto, como visto acima, a jurisprudência majoritária defende a possibilidade de sucessão, notadamente pela transferência de todos os elementos que integram o cartório, como a clientela, a área de atuação, as firmas etc.

No que tange à estatização de cartórios privados, o entendimento do TST vem sendo o de que não se configura fato do príncipe, de modo a transferir ao ente público responsável a obrigação de indenizar os trabalhadores que perderam seus postos de trabalho, diante da previsão trazida pelo art. 31 do ADCT. Outrossim, no tocante à legitimidade, esta seria do Escrivão. Nesse sentido:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. 1. SERVENTIA JUDICIAL. ESTATIZAÇÃO DE CARTÓRIO PRIVADO. AUSÊNCIA DA FIGURA SUCESSÓRIA. REPRESENTAÇÃO EM JUÍZO. 2. INTERVALO INTRAJORNADA. MATÉRIA FÁTICA. SÚMULA 126/TST. DECISÃO DENEGATÓRIA. MANUTENÇÃO. A pessoa natural do titular da Serventia (o Escrivão) é que constitui, efetivamente, o empregador no caso dos cartórios durante o período em que estiverem organizados sob gestão privada (caso dos autos). É o que resulta da aplicação do art. 236 da CRFB/88 e da Lei dos Serviços Naturais e de Registro (Lei nº 8.935/1994, arts. 5º, 20, 47 e 48). Não há como assegurar o processamento do recurso de revista quando o agravo de instrumento interposto não desconstitui os termos da decisão denegatória, que subsiste por seus próprios fundamentos. Agravo de instrumento desprovido. (TST, AIRR 847-42.2011.5.09.0001, Rel. Min. Mauricio Godinho Delgado, j. 26.11.2014).

Referências

[1] Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público. § 1º Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário. Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro. § 3º O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses.

[2] Art. 20. Os notários e os oficiais de registro poderão, para o desempenho de suas funções, contratar escreventes, dentre eles escolhendo os substitutos, e auxiliares como empregados, com remuneração livremente ajustada e sob o regime da legislação do trabalho. § 1º Em cada serviço notarial ou de registro haverá tantos substitutos, escreventes e auxiliares quantos forem necessários, a critério de cada notário ou oficial de registro. § 2º Os notários e os oficiais de registro encaminharão ao juízo competente os nomes dos substitutos. § 3º Os escreventes poderão praticar somente os atos que o notário ou o oficial de registro autorizar. § 4º Os substitutos poderão, simultaneamente com o notário ou o oficial de registro, praticar todos os atos que lhe sejam próprios exceto, nos tabelionatos de notas, lavrar testamentos. § 5º Dentre os substitutos, um deles será designado pelo notário ou oficial de registro para responder pelo respectivo serviço nas ausências e nos impedimentos do titular.

[3] Com o advento da EC 7/77, os titulares passaram a ser escolhidos mediante concurso público, abandonando o critério anterior, que era de concessão baseada em interesses políticos.

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