Tempo de serviço no rgps ainda vale para alguma coisa?

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10 de Março de 2021

Olá, queridos alunos e alunas do Gran!

Algumas mudanças foram feitas pela Emenda 103 e isso implicou definitiva alteração no quadro normativo do que se poderia conceber como “tempo de serviço”.

Vamos lá, vou te explicar melhor.

No âmbito do RGPS, quando da Emenda 20, passamos da aceitação benevolente do tempo de serviço para a exigência mais inflexível do tempo de contribuição. Antes, o que valia era o tempo de serviço. A contributividade não era tão importante assim, especialmente no âmbito dos regimes próprios.

A maior expressividade das mudanças feitas pela Emenda 20, que propiciaram a mudança de um antigo regime baseado no “tempo de serviço” para um novo lastreado fortemente no “tempo de contribuição” se verificou realmente com mais nitidez – justamente porque lá o problema era muito maior – no âmbito dos regimes próprios. Todavia, no regime geral também houve essa mudança normativa. Não que as aposentadorias do regime geral fossem premiais como eram as dos regimes próprios, mas havia, de certo modo, uma benevolência normativa no trato da contagem das contribuições necessárias à aposentadoria do RGPS. Há quem aponte, contudo, que mesmo após a EC 20 continuou válido o tempo de serviço, na medida em que não houve nenhuma lei regulando o que seria o “tempo de serviço considerado como tempo de contribuição. É que a EC 20 disse em seu art. 4º que “o tempo de serviço considerado pela legislação vigente para efeito de aposentadoria, cumprido até que a lei discipline a matéria, será contado como tempo de contribuição”.

Ou seja, a Emenda condicionou que a lei ordinária é que iria disciplinar o que é tempo de contribuição. O problema é que essa lei nunca surgiu. A doutrina de ZAMBITTE, por exemplo, sobre isso, diz que, apesar “da maior mudança constitucional ter sido justamente na aposentadoria por tempo de serviço, a qual assumiu a condição de aposentação por tempo de contribuição, não há ainda lei definindo o tempo de contribuição. Por isso, a EC 20/98 determina, provisoriamente, com exceção de tempo fictício, que todo o tempo de serviço considerado pela legislação atual para efeito de aposentadoria, cumprido até que nova lei discipline a matéria, seja contado como tempo de contribuição. Assim, o tempo de serviço existente hoje é considerado tempo de contribuição”.

Existem dispositivos até hoje presentes na Lei 8.213/91, que mencionam e consideram o “tempo de serviço”. Veja dois exemplos:

  • 52, caput: desde a EC 20 que já não temos tempo de serviço, mas sim tempo de contribuição e, além disso, o tempo exigido para a então chamada “aposentadoria por tempo de contribuição” era de 35 anos de contribuição para homens, e 30 anos de contribuição, para mulheres, não valendo mais os requisitos de 25 ou 30 anos de serviço como ainda consta do referido art. 52, caput, da Lei n. 8.213/91 (o tempo de contribuição referido ainda vale para as aposentadorias por tempo de contribuição obtidas com base no direito adquirido).

 

  • 55: possuía validade até a EC 103, sendo certo que não é possível mais considerar, ressalvado o direito adquirido, os referidos tempos indicados nos incisos do art. 55, especialmente por conta da revogação da EC 20 (a qual prescrevia em sua art. 4º, que o “o tempo de serviço considerado pela legislação vigente para efeito de aposentadoria, cumprido até que a lei discipline a matéria, será contado como tempo de contribuição”).

Veja que tais dispositivos da lei de benefícios ainda guardavam as reminiscências do período em que era possível a aposentadora por TEMPO DE SERVIÇO, possibilidade essa que foi extinta com a Emenda 20, desde 1998. As normas do art. 52 a 56, desde 16/12/1998, devem ser lidas dentro desse espectro de percepção, ou seja, de que não se tinha mais em nosso ordenamento jurídico a aposentadoria por tempo de serviço, mas sim a aposentadoria por tempo de contribuição.

Então, em síntese: a possível contagem de tempo de serviço como tempo de contribuição acabou de vez com a Emenda 103 (somente vai permitir essa contagem com base em possível direito adquirido à contagem de um terminado tempo de serviço). É que, mesmo com o argumento de que, pela Emenda 20, tinha-se encerrado, definitivamente, a consideração de qualquer tempo fictício ou tempo contado em dobro, isso foi realmente melhor demarcado pela última reforma previdenciária. A Emenda 20, quando se referiu sobre a extinção de tempo fictício, fê-lo apenas para incluir essa proibição no art. 40, §10, da Constituição Federal, relativamente aos regimes próprios. Nada falou sobre o regime geral.

Quanto a essa ultima observação, sem dúvida alguma, escorado em princípios da seguridade social e, bem assim, da previdência social, poder-se-ia argumentar pela incidência do feixe normativo daquele §10, do art. 40, CF, de modo a vedar também no regime geral o malfadado “tempo fictício”. Ou seja, poder-se-ia considerar, em tese, o fim do tempo ficto para o regime geral desde a EC 20, também. Mas, como se sabe, em nosso país, se não houver nada muito bem escrito, a “hermenêutica” vai longe e pode chegar, por vezes, a conclusões teratológicas e totalmente desconforme com o sistema como um todo. Agora, com a Emenda 103, incluiu-se o §14, no art. 201, da Constituição Federal e tudo ficou bem claro e direito sobre essa questão.

Veja:

Art. 201. (…)

Não há mais lacunas, brechas interpretativas. Está escrito: não pode mais tempo fictício de tempo de contribuição no regime geral! Quer isso dizer que SEM RECOLHIMENTO PREVIDENCIÁRIO, NÃO HÁ COMO SE FALAR EM TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. Extirpa-se de vez o conceito de “tempo ficto” e, consequentemente, “tempo de serviço”. O conceito de “tempo de serviço” e “tempo ficto” não são exatamente os mesmos, mas se aproximam. Vejamos melhor os conceitos de tempo de serviço e tempo ficto. O TEMPO DE SERVIÇO é o tempo que era contado para fins de aposentadoria sem a consideração efetiva do tempo de contribuição correspondente aos intervalos de tempo de serviço.  Já o TEMPO FICTO se refere mais aos períodos em que há uma contagem fictícia. O grande exemplo, pra mim, são os períodos de licença prêmio de servidor público (há tempos, na esfera da União, não existe mais a licença premio, mas sim a licença capacitação), os quais, quando não gozados, eram contados em DOBRO. Isso é pura ficção jurídica! Simplesmente dobra-se um intervalo de tempo e se passa a conta-lo como se fosse um tempo de serviço/contribuição válido para a aposentadoria.

De todo modo, o tempo de serviço/ficto no regime geral, até a Emenda 103, ainda era considerado em algumas hipóteses.

Quais são as hipóteses?

São as hipóteses do art. 55, da Lei n. 8.213/91 e art. 60, do Decreto n. 3.048/99, as quais, hoje em dia, somente podem ser consideradas dentro do espectro do DIREITO ADQUIRIDO. Ou seja, para aqueles segurados que possam cumprir os requisitos da APTC até 13/11/2019. Assim, para conseguirem cumprir esses requisitos, poderão fazer uso dos artigos acima citados, usando aqueles “tempos de serviço” como “tempos de contribuição”. Essa deve ser a conclusão lógica extraída da proteção do direito adquirido, não apenas do art. 3º, da EC 103, mas também de seu art. 25.

Com efeito, nada obstante esse “golpe de misericórdia” no tempo de serviço e no tempo ficto, a Emenda Constitucional n. 103 assegurou, de outro lado, a proteção do ato jurídico perfeito e do direito adquirido quanto a tais anacrônicos institutos. Assim, promoveu indicação no sentido de que vai preservar o tempo ficto já considerado com base nas normas anteriores a sua publicação.

Veja:

Art. 25. Será assegurada a contagem de tempo de contribuição fictício no Regime Geral de Previdência Social decorrente de hipóteses descritas na legislação vigente até a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional para fins de concessão de aposentadoria, observando-se, a partir da sua entrada em vigor, o disposto no § 14 do art. 201 da Constituição Federal.

A Emenda, em verdade, segue a linha orientativa do Supremo Tribunal Federal, que já se pronunciou nesse exato sentido:

“tempo de serviço/ contribuição é disciplinado pela lei vigente à época em que efetivamente prestado, passando a integrar, como direito autônomo, o patrimônio jurídico do trabalhador.

 

E a lei nova que venha a estabelecer restrição ao cômputo do tempo de serviço/ contribuição não pode ser aplicada retroativamente, em razão da intangibilidade do direito adquirido. Nesse sentido: STF, RE 783331/ RS, Min. Ricardo Lewandowski, DJe 1.8.2014”[1].

Muito bem, queridos leitores e aluno(as) do Gran! Espero ter ajudado no entendimento desse tema. Continuo à disposição para quaisquer dúvidas. Vamos seguindo em frente! Com força, determinação e muita disciplina (a “mãe” de todas as virtudes).

Fraternal abraço,

 

Frederico Martins.

Juiz Federal

Professor do Gran Cursos

 

@prof.fred_martins

 

 

[1] Castro, Carlos Alberto Pereira de; Lazzari, João Batista. Manual de Direito Previdenciário (Locais do Kindle 22741-22744). Forense. Edição do Kindle.

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10 de Março de 2021