Não se nega que o processo tem um custo, pois é fonte de notáveis despesas, sejam diretas, sejam indiretas. Ao longo da história diversas foram as teorias construídas para tentar fundamentar a ideia de que a parte derrotada ou, simplesmente, a parte que deu causa à movimentação indevida da máquina judiciária, é quem deve suportar a responsabilidade pelo pagamento das despesas processuais, dentre as quais se incluem os honorários advocatícios sucumbenciais.
No presente texto será apresentada a primeira teoria e, nos posteriores, as demais teorias, com seus contornos e características bem definidas, aliadas ao seu momento histórico [1] e às razões críticas que levaram ao seu declínio. São elas as teorias da pena, do ressarcimento, da sucumbência (ou, para alguns, do vencimento) e a da causalidade, ou do critério da evitabilidade da lide ou do risco.
Teoria da pena
Pena é sanção imposta a alguém em razão de uma conduta ilícita, resultando, pois, nas palavras de Franz Von Liszt, de uma ofensa cometida.[2] Como se extrai do próprio conceito de pena, essa teoria defende que a imposição ao vencido da responsabilidade pelo pagamento dos honorários advocatícios representa uma punição pelo uso abusivo e, portanto, ilícito do processo no qual a parte foi derrotada ou sucumbente.
Em outras palavras, segundo a teoria da pena o vencido somente deve arcar com o custo do processo quando atuar com má-fé (dolo), sendo, para tanto, imprescindível a demonstração desse elemento subjetivo como condição para a imposição da responsabilidade. Pode-se dizer que, para a teoria da pena, a responsabilidade pelo custo do processo é de natureza subjetiva.
A esse momento já se pode indagar: por que, para essa teoria, somente o improbus litigator deverá arcar com o custo do processo? A resposta é dada por Chiovenda que, em obra precursora sobre o tema, registrou as explicações de Henneman e Emmerich, principais defensores e artífices da teoria da pena. Segundo eles, com a proibição da autotutela e a canalização, em monopólio, da solução dos conflitos ao poder estatal, quem demanda ou se defende nada mais faz do que exercer um direito regular. Logo, não pode ser punido quem, ainda que sem razão, está no exercício regular de um direito.[3]
Nessa ordem de ideias, as despesas suportadas pela parte vitoriosa não seriam indenizáveis, pois decorreriam do exercício de um direito por parte do sucumbente e não de um ato ilícito ou injusto. Daí porque a condenação do vencido apenas tem lugar quando o direito do vencedor for a priori evidente, sendo óbvia a má-fé do vencido ao discuti-lo. Por isso a natureza punitiva da condenação em honorários. Essa é a lição de Chiovenda, ao citar Emmerich: “Quando però non vi è alcuna giusta causa di litigare, perchè il diritto del vincitore era a priori evidente, e quindi non si poteva in buona fede discuterlo, allora l’uso del giudizio diventa abuso; e va punito colla condanna nelle spese”.[4]
Por consequência lógica de sua natureza jurídica punitiva, o produto da condenação em honorários advocatícios não é destinado à parte contrária, porque de indenização não se trata, mas sim, frise-se, de pena, a ser naturalmente revertida ao Estado.
Entretanto, a teoria da pena não resistiu aos avanços legislativos que lhe sobrevieram e logo foi amplamente abandonada. Chiovenda bem explicou as razões que levaram ao descarte de tal teoria:
La ragione dunque per cui cuesta teoria è oggi inaccettabile, sta nella sua incompatibilità col princípio assoluto che há esteso la condanna ad ogni litigante; dove quella teoria rimane inadequata a spiegare perchè la condanna non sai più subordinata alla mala fede o alla colpa del vinto. È sopravvissuta in quegli autori, i quali non hanno posto mentee che la mutata legislazione le aveva tolta ogni base di fatto.[5]
Com efeito, a evolução legislativa que se seguiu passou a impor a toda e qualquer parte derrotada em juízo a responsabilidade pelo pagamento das despesas processuais, independentemente de qualquer avaliação acerca da presença, em cada caso, do referido elemento subjetivo. Logo, a legislação alterada retirou qualquer base lógica e jurídica na qual se apoiava a teoria da pena.
A teoria da pena, não obstante relegada ao oblívio em priscas eras, ainda exerce influência nos tempos modernos. No direito brasileiro, por exemplo, a imputação de responsabilidade pelo pagamento dos honorários advocatícios sucumbenciais pressupõe a presença da má-fé do autor em determinadas situações, como se dá, inter alia, nos casos de ação popular (artigo 5º, LXXIII, da CR/88[6]), da ação civil pública (artigo 18 da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985[7]) e, do artigo 87 do Código de Defesa do Consumidor[8], que prevê a condenação da associação autora das ações coletivas nele reguladas ao pagamento de honorários de advogados, custas e despesas processuais, apenas em caso de “comprovada má-fé”.
Embora nesses casos os honorários não sejam revertidos ao Estado, mas sim ao patrono da parte vitoriosa, há quem sustente que a legislação adotou, nessas hipóteses, a teoria da pena, razão pela qual alcunham tais honorários de honorários punitivos.[9]
Referências
[1] Para o estudo mais detalhado dos ciclos de evolução histórica acerca da responsabilidade pelo pagamento dos honorários advocatícios sucumbenciais, tais como nos tempos do Direito Romano e do Direito Intermédio, consultar: CHIOVENDA, Giuseppe. La condanna nelle spese giudiziali. 2. ed. Roma: Società Editrice Del Foro Italiano, 1935. Este autor divide a parte histórica dos honorários sucumbenciais em três grandes fases ou períodos: 1) Direito Romano, por sua vez subdivido em três períodos, quais sejam, 1º período – dos primeiros tempos até Ulpiano; 2º período – de Ulpiano a Zenão; 3º período – da Lei de Zenão, Anastasio e Giustiniano; 2) Direito Intermédio; 3) Legislação Moderna. No mesmo sentido: CAHALI, Yussef Said. Honorários advocatícios. 3. ed. São Paulo: RT, 1997, p. 22-28; e, PAJARDI, Piero. La responsabilità per le spese e i danni del processo. Milano: Giuffrè, 1959, p. 265-270.
[2] LISZT, Franz Von. Tratado de direito penal allemão. Tomo I. [tradução: José Hygino Duarte Pereira]. Rio de Janeiro: Briguiet, 1899, p. 399.
[3] CHIOVENDA, Giuseppe. La condanna nelle spese giudiziali. 2. ed. Roma: Società Editrice Del Foro Italiano, 1935, p. 157.
[4] Ibidem, p. 158. Em tradução livre: No entanto, quando não há justa causa para litigar, porque o direito do vencedor era a priori evidente e, portanto, não era possível de boa fé discuti-lo, o uso do julgamento se torna abusivo; e deve ser punido com a condenação em despesas.
[5] Ibidem, p. 160. Em tradução livre: A razão pela qual essa teoria é inaceitável hoje reside em sua incompatibilidade com o princípio absoluto que estendeu a sentença a todo litigante; onde essa teoria permanece inadequada para explicar por que a condenação está subordinada à má-fé ou à culpa dos derrotados. Sobreviveu nesses autores, que não deixaram claro que a legislação alterada a privou de qualquer base de fato.
[6] Artigo 5º, inciso LXXIII, da CRFB/88 – qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência. (gn)
[7] Artigo 18 da LACP – Nas ações de que trata esta lei, não haverá adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, nem condenação da associação autora, salvo comprovada má-fé, em honorários de advogado, custas e despesas processuais. (Redação dada pela Lei nº 8.078, de 1990) (gn)
[8] Art. 87 do CDC.
[9] É a posição defendida por Bruno Vasconcelos Carrilho Lopes. Para ele, a teoria da pena tem aplicação no direito brasileiro em algumas situações específicas, como por exemplo na Ação Civil Pública e na Ação Popular (LOPES, Bruno Vasconcelos Carrilho. Honorários advocatícios no processo civil. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 29). Parece-me mais acertado, todavia, afirmar que a legislação adotou nesse caso o critério de responsabilidade subjetiva para imputação da responsabilidade pelo pagamento dos honorários advocatícios sucumbenciais, sem que com isso se possa falar em pena.
Esse trexto é uma menção direta à questão do recebimento de sucumbência que os procuradores municipais estão pleiteando?
Olá, Jian. Não, é um texto científico, meramente. Busca exclusivamente enfrentar as Teorias que fundamentam a responsabilidade pelo pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais. Abraços.