Violência contra a mulher: uma análise dos últimos informativos do STJ

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Nesses últimos dias, infelizmente testemunhamos outras notícias de violência contra a mulher, em tom quase apocalíptico de hipervulnerabilidade em relações familiares ou domésticas.
O mero descontentamento solitário tem efeito placebo. Ação que se impõe. Cada um pode contribuir efetivamente para combater tudo aquilo que rege a orquestra da impunidade.
Em sopro renovador de esperanças, após sucessivos impulsos, debrucei-me sobre os últimos informativos do Superior Tribunal de Justiça, com vistas a compilar recentes – e importantes – decisões de abrigo à mulher. Este artigo reúne um pequeno inventário, a começar por alguns temas já abordados pelo STJ, súmulas últimas sobre o assunto, seguidas de decisões judiciais e, ao final, questões de concurso.
TEMAS JÁ ABORDADOS PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Medidas protetivas (REsp. 1651.550).

  • O juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, medidas protetivas de urgência, como o afastamento do lar, a proibição de manter contato com a vítima e a suspensão de visita aos filhos menores, entre outras.
  • O descumprimento das medidas protetivas de urgência impostas, entretanto, não configura o crime de desobediência previsto no artigo 330 do Código Penal.

 
Princípio da insignificância (HC 369.673).

  • A jurisprudência do STJ também não admite a aplicação do princípio da insignificância ou da bagatela imprópria aos crimes ou às contravenções penais praticados contra mulher no âmbito das relações domésticas.

Transação penal (ADC 19)

  • Outro importante entendimento jurisprudencial do STJ foi sumulado no enunciado 536 da corte, que estabelece que “a suspensão condicional do processo e a transação penal não se aplicam na hipótese de delitos sujeitos ao rito da Lei Maria da Penha”.

Contravenção (HC 280.788)

  • Não se aplicam os institutos despenalizadores da Lei 9.099 a nenhuma prática delituosa contra a mulher no âmbito doméstico e familiar, ainda que configure contravenção penal.

Prisão Preventiva (HC 132.379/BA)

  • O STJ julgou constitucional o decreto de prisão preventiva, a despeito de o crime ser punido com detenção e ser de menor potencial ofensivo (HC 132.379/BA).

Relação Homoafetiva
Mulher agredida em relação homoafetiva goza de proteção da Lei Maria da Penha. A Lei n.º 11.340/2006 destina-se a proteger a mulher de violência doméstica, não importando sua opção sexual. O sujeito passivo deve ser uma mulher, mas o sujeito ativo pode ser tanto um homem quanto uma mulher, desde que caracterizada a motivação de gênero e a utilização da relação doméstica, familiar ou de afetividade para a prática da violência. Para os Julgadores, o fato de se tratar de relação homoafetiva não afasta, por si só, a incidência da Lei Maria da Penha, pois a norma assegura proteção a todas as mulheres, vedando a adoção de qualquer discriminação, inclusive a relativa à orientação sexual (art. 2º). Apesar disso, no caso, como a violência não decorreu de situação de desvantagem, hipossuficiência ou dependência entre a agressora e a vítima, entendeu-se não ser possível aplicar a lei. Dessa forma, concluiu-se que, não sendo hipótese de incidência da Lei Maria da Penha, compete ao Juizado Especial Criminal processar e julgar o crime de ameaça. Acórdão n.º 777193, 20130710404924RSE, Relator: SILVANIO BARBOSA DOS SANTOS, 2ª Turma Criminal, Data de Julgamento: 03/04/2014, Publicado no DJE: 09/04/2014. Pág.: 386.
 
SÚMULA 588 STJ
A Lei n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) criou mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do artigo 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; bem como dispôs sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabeleceu medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar.
De acordo com a Súmula 588 STJ, a prática de crime ou contravenção penal contra a mulher com violência ou grave ameaça no ambiente doméstico impossibilita a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.
Sobre o assunto, importante ainda sublinhar que os crimes previstos na Lei n. 11.340/2006 são de ação penal pública incondicionada (STF, ADI n. 4424), independentemente de as lesões serem leves ou culposas. O artigo 16 da lei dispõe que as ações penais públicas “são condicionadas à representação da ofendida”, mas, para a maioria dos ministros do STF, essa circunstância acaba por esvaziar a proteção constitucional assegurada às mulheres. Também foi esclarecido que não compete aos Juizados Especiais julgar os crimes cometidos no âmbito da Lei Maria da Penha.
O STJ, sobre o assunto, já havia editado a Súmula 542:
Súmula 542 – A ação penal relativa ao crime de lesão corporal resultante de violência doméstica contra a mulher é pública incondicionada. (Súmula 542, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 26/08/2015, DJe 31/08/2015.)
 
SÚMULA 600 STJ
Para a configuração da violência doméstica e familiar prevista no artigo 5º da Lei n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), não se exige a coabitação entre autor e vítima. Terceira Seção, aprovada em 22/11/2017, DJe 27/11/2017.
Com a Lei n. 11.340/2006, foram inseridos parágrafos importantes no artigo 129 do Código Penal (Violência Doméstica):

§ 9.  Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade:
Pena – detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos.
 
§ 10. Nos casos previstos nos §§ 1o a 3o deste artigo, se as circunstâncias são as indicadas no § 9o deste artigo, aumenta-se a pena em 1/3 (um terço).
 
Aplicável à lesão leve. Aplicável às Lesões Corporais Grave, Gravíssima e Seguida de Morte.

 
A violência doméstica pode ser caracterizada de diversas formas, não se reservando às hipóteses que reclamam coabitação:

  • HIPÓTESE I – violência no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;
  • HIPÓTESE II – violência no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
  • HIPÓTESE III – violência em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

Nesse sentido, o STJ entendeu ser “dispensável a coabitação entre o autor e a vítima, bastando existir a referida relação parental”, para fins de caracterização da violência doméstica, conforme hipótese II acima.
 
INFORMATIVO 621 STJ: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. DANOS MORAIS. INDENIZAÇÃO MÍNIMA.
A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça reúne a Quinta e a Sexta Turmas, responsáveis pela matéria penal. Ambas já haviam firmado o entendimento de que a imposição, na sentença condenatória, de indenização, a título de danos morais, para a vítima de violência doméstica, requer a dedução de um pedido específico, em respeito às garantias do contraditório e da ampla defesa.
Havia, porém, uma controvérsia, conforme tabela que se segue:

QUINTA TURMA SEXTA TURMA
É necessária a indicação do valor pretendido para a reparação do dano sofrido. NÃO é necessária a indicação do valor pretendido para a reparação do dano sofrido. O juízo deve apenas arbitrar um valor mínimo, mediante a prudente ponderação das circunstâncias do caso concreto.

 
No julgado em comento, a Terceira Seção uniformizou o entendimento, adotando o posicionamento da Sexta Turma.
Outra questão analisada foi sobre a necessidade ou não de produção de provas para se arbitrar o valor mínimo de dano moral. Havia duas decisões possíveis:

DECISÃO 01 DECISÃO 02
É necessário provar não apenas a materialidade/autoria, como também o dano moral sofrido. Não há razoabilidade na exigência de instrução probatória acerca do dano psíquico, do grau de humilhação, da diminuição da autoestima etc., se a própria conduta criminosa empregada pelo agressor já está imbuída de desonra, descrédito e menosprezo ao valor da mulher como pessoa e à sua própria dignidade.

 
Ao decidir pela desnecessidade de produção de prova quanto ao dado moral sofrido, o STJ entendeu que, nos casos de violência contra a mulher praticados no âmbito doméstico e familiar, é possível a fixação de valor mínimo indenizatório a título de dano moral, desde que haja pedido expresso da acusação ou da parte ofendida, ainda que não especificada a quantia, e independentemente de instrução probatória.
 
INFORMATIVO 640 STJ: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. ALIMENTOS FIXADOS A TÍTULO DE MEDIDA PROTETIVA. DECISÃO EM PROCESSO PENAL. TÍTULO IDÔNEO. INADIMPLEMENTO. PRISÃO CIVIL. POSSIBILIDADE.
A controvérsia referida nesse informativo se concentrava na possibilidade ou não de deferimento de medida protetiva de alimentos, de natureza cível, no âmbito de ação criminal destinada a apurar crimes de violência doméstica e familiar contra a mulher.
O Superior Tribunal de Justiça entendeu pela possibilidade, lastreando os argumentos na competência híbrida (criminal e civil) da Vara Especializada da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, ex-vi do artigo 14 da Lei n. 11.340/2006, in verbis: “Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, órgãos da Justiça Ordinária com competência cível e criminal, poderão ser criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para o processo, o julgamento e a execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher” (grifo nosso).
Com efeito, o(a) magistrado(a), materialmente competente em ambas as esferas, pode abrigar uma mulher, em sua condição de hipervulnerabilidade, com resposta jurídica cível e criminal, conferindo-lhe real proteção.
Segundo o STJ, a decisão protetiva de alimentos se consubstancia título judicial idôneo a autorizar a credora de alimentos a levar a efeito, imediatamente, as providências judiciais para a sua cobrança, com os correspondentes meios coercitivos que a lei dispõe (perante o próprio Juízo) não sendo necessário o ajuizamento, no prazo de 30 (trinta) dias, de ação principal de alimentos (propriamente dita), sob pena de decadência do direito.

EXEMPLOS DE POSSÍVEIS QUESTÕES NO CONCURSO PARA DELEGADO


Questão 1:
Após agredir sua irmã, por questões envolvendo herança, causando-lhe lesões leves, Leonardo foi conduzido à Delegacia de Polícia, onde alegou, entre outros argumentos, não coabitar com a agredida. Considerando o que foi acima destacado, você, como Delegado (a), irá considerar que:

  1. a) o crime em tese praticado ostenta a natureza de infração de menor potencial ofensivo.
  2. b) a violência doméstica de que trata a Lei Maria da Penha abrange qualquer relação íntima de afeto, sendo indispensável a coabitação.
  3. c) a agressão do irmão, mesmo não existindo coabitação, caracteriza a violência doméstica e autoriza a incidência da Lei n. 11.340/2006.
  4. d) ao contrário da transação penal, em tese se mostra possível a suspensão condicional do processo na hipótese de delito sujeito ao rito da Lei Maria da Penha.

 
Resposta: letra “c”
Obs.: adaptação de questão elaborada pela FGV.
Questão 2:
Nos casos de violência contra a mulher praticada no âmbito doméstico e familiar, é possível a fixação de valor mínimo indenizatório a título de dano moral, desde que haja pedido expresso da acusação ou da parte ofendida, ainda que não especificada a quantia, e independentemente de instrução probatória.
Resposta: Certo.
Questão 3:
À luz do posicionamento jurisprudencial e doutrinário dominantes acerca das disposições da Lei n.º 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), assinale a opção correta.

  1. a) Caracteriza o crime de desobediência o reiterado descumprimento, pelo agressor, de medida protetiva decretada no âmbito das disposições da Lei Maria da Penha.
  2. b) Em se tratando dos crimes de lesão corporal leve e ameaça, pode o Ministério Público dar início a ação penal sem necessidade de representação da vítima de violência doméstica.
  3. c) No caso de condenação à pena de detenção em regime aberto pela prática do crime de ameaça no âmbito doméstico e familiar, é possível a substituição da pena pelo pagamento isolado de multa.
  4. d) No âmbito de aplicação da referida lei, as medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas independentemente de audiência das partes e de manifestação do Ministério Público, o qual deverá ser prontamente comunicado.
  5. e) Afasta-se a incidência da Lei Maria da Penha na violência havida em relações homoafetivas se o sujeito ativo é uma mulher.

Resposta: letra “d”
obs1.: questão elaborada pelo CESPE – concurso Delegado – PCGO – 2017.
obs2.: antevendo dúvidas, a letra “b” está incorreta por citar o crime de ameaça.


Felipe Leal 
Graduação em DIREITO pela Universidade Federal da Paraíba (2003), mestrado em DIREITO AMBIENTAL E POLÍTICAS PÚBLICAS pela Universidade Federal do Amapá (2012) e Doutorando em Direito Penal. Ingressou na Polícia Federal em 2005, como Papiloscopista Policial Federal, adquirindo experiência na área técnica, e, desde 2006, é Delegado de Polícia Federal, tendo já chefiado Delegacias Especializadas na Repressão ao Tráfico de Drogas (Pará), na Repressão aos Crimes Ambientais (Amapá) e na Repressão a Crimes Financeiros (Paraíba), bem como atuou como Chefe do Núcleo de Inteligência em Pernambuco. Na docência, é um dos responsáveis pela formação profissional de novos policiais, com a elaboração de Caderno Didático para a Academia Nacional de Polícia. Já elaborou Manuais de Investigações para autoridades policiais. Professor em Faculdades de Direito e em cursos de pós-graduação. Coordenador de pós-graduação em Investigação Criminal e Ciências Forenses. Coordenador da Escola Nacional de Delegados de Polícia Federal.


 

 
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