I – Introdução
O presente artigo tem por escopo enfrentar as modificações promovidas pelo “Pacote Anticrime” no art. 75, CP. A posteriori, enfrentaremos em outros artigos científicos os demais dispositivos reformados e introduzidos no CP. Assim, vamos analisar, na Parte Geral do CP, os arts. 83, depois os arts. 116 e o novel art. 91-A, e na Parte Especial do CP as mudanças promovidas nos art.157, art. 171 e art. 316.
O art. 75, CP versa, conforme a reforma deste dispositivo da parte geral do CP promovida pela lei 7209/1984, sobre o tempo de cumprimento de pena privativa de liberdade e seus consectários lógicos. Notadamente o tempo máximo de cumprimento de pena encarceradora com teto em 30 anos foi estabelecido levando em conta a tábua axiológica do século passado e a realidade social desta época.
II – O art. 75 à luz da redação dada pela lei 7209/1984
O limite máximo de tempo de cumprimento de pena privativa de liberdade no patamar de 30 anos foi estabelecido na modernidade em nosso ordenamento jurídico pelo Decreto-lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940 que inaugurou o Código Penal (CP) de 1940. O art. 55 nos termos da redação original trazida pelo decreto-lei suso mencionado além de trazer o teto de pena de 30 anos para as penas encarceradoras também versava sobre o limite máximo do valor da pena pecuniária, nos seguintes termos, in literis:
Limite das penas
Art. 55. A duração das penas privativas de liberdade não pode, em caso algum, ser superior a trinta anos, nem a importância das multas ultrapassar cem contos de réis.
Na grande reforma do CP de 1984 trazida pela lei 7209/1984 o limite de tempo de cumprimento de pena encarceradora foi trazido no art. 75, CP também no teto de 30 anos, excluindo a previsão do teto da pena de multa. O limite da pena pecuniária passou a ser tratado no art. 60 levando em conta a situação econômica do condenado, expressis verbis:
Art. 60. Na fixação da pena de multa o juiz deve atender, principalmente, à situação econômica do réu.
- 1º A multa pode ser aumentada até o triplo, se o juiz considerar que, em virtude da situação econômica do réu, é ineficaz, embora aplicada no máximo.
O art. 75, CP com a redação dada pela reforma de 1984 além da manutenção do teto de 30 anos, trazido em seu caput, trouxe também parágrafos versando sobre a unificação de penas aplicadas de forma sucessiva e ascensão de nova condenação durante a execução de uma pena anterior. Assim, nos termos da redação do art. 75 dada pela reforma de 1984, se um delinquente fosse condenado a uma pena de 12 anos, depois a outra pena de 12 anos e a uma terceira de 10 anos estas penas deveriam ser unificadas para observância do teto de 30 anos de cumprimento do encarceramento. De outro lado, se um criminoso condenado a uma pena privativa de liberdade fosse condenado pela prática de um delito executado após a primeira condenação, um homicídio cometido durante a execução penal, por exemplo, a pena deste homicídio seria unificada com a pena que resta a ser cumprida da primeira condenação. A redação do art. 75, CP levada a efeito pela reforma de 1984 foi a seguinte, in verbis:
Limite das penas
Art. 75 – O tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a 30 (trinta) anos.
- 1º – Quando o agente for condenado a penas privativas de liberdade cuja soma seja superior a 30 (trinta) anos, devem elas ser unificadas para atender ao limite máximo deste artigo.
- 2º – Sobrevindo condenação por fato posterior ao início do cumprimento da pena, far-se-á nova unificação, desprezando-se, para esse fim, o período de pena já cumprido.
III – Entendimentos jurisprudenciais sobre os limites das penas privativas de liberdade
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF) tem os seguintes entendimentos sobre os limites do cumprimento das penas privativas de liberdade:
O tempo de duração da medida de segurança não deve ultrapassar o limite máximo da pena abstratamente cominada ao delito praticado.
STJ, Súmula 527.
- Fere o princípio da isonomia o fato de a lei fixar o período máximo de cumprimento de pena para o imputável, pela prática de um crime, e determinar que o inimputável cumprirá medida de segurança por prazo indeterminado, condicionando o seu término à cessação da periculosidade. 2. Em razão da incerteza da duração máxima da medida de segurança, está-se claramente tratando de forma mais severa o infrator inimputável quando comparado ao imputável, para o qual a lei limita o poder de atuação do Estado. 3. O limite máximo de duração de uma medida de segurança, então, deve ser o máximo da pena abstratamente cominada ao delito no qual foi a pessoa condenada. 4. Na espécie, a paciente foi condenada por lesão corporal simples (artigo 129, caput do Código Penal), cuja pena cominada é de detenção, de três meses a um ano. Não obstante, encontra-se internada em Instituto Psiquiátrico Forense desde 20.12.1993, ou seja, há quase 20 anos. 5. Ordem concedida para declarar extinta a medida de segurança aplicada em desfavor da paciente, em razão de seu integral cumprimento.
STJ, HC 156.916-RS, Rel. Min. Alderita Ramos de Oliveira (Desembargadora Convocada do TJ/PE), Data do julgamento 19/06/2012.
- Esta Corte Superior possuía o entendimento firmado no sentido de que, sobrevindo nova condenação aos autos e reformulado o cálculo das penas, o marco inicial para concessão de futuros benefícios executórios passaria a ser a data do trânsito em julgado da última sentença condenatória, a Terceira Seção deste Sodalício ao julgar o REsp n. 1.557.461/SC, de relatoria do Ministro Rogério Schietti Cruz, e o Habeas Corpus n. 381.248/MG, com Relator para o acórdão o Ministro Sebastião Reis Júnior, revisando a jurisprudência aplicada ao tema, modificou seu posicionamento, passando a considerar constrangimento ilegal a referida alteração. 2. Nos termos da atual jurisprudência vigente neste Sodalício, embora a superveniência de nova condenação aos autos enseje a unificação das reprimendas para fins de execução, inexiste previsão legal para alteração da data-base exigida para deferimento de benesses prisionais, constituindo excesso de execução a fixação do trânsito em julgado do último édito condenatório como marco inicial para obtenção de benefícios executórios. Precedentes. 3. Agravo improvido.
STJ, AgRg no HC 437.727-DF, Rel. Min. Jorge Mussi, Data do Julgamento 18/09/2018.
A pena unificada para atender ao limite de trinta anos de cumprimento, determinado pelo art. 75 do Código Penal, não é considerada para a concessão de outros benefícios, como o livramento condicional ou regime mais favorável de execução.
STF, Súmula 715.
O artigo 75 do Código Penal é claro ao dispor que “o tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a trinta anos”, nada mais. Exsurge daí o entendimento sedimentado na Súmula 715 do Supremo Tribunal Federal, de que os benefícios da execução penal não podem ser calculados com base na pena unificada, de 30 anos. Esse limite máximo visa impedir, obviamente, a imposição de uma pena perpétua, ou seja, a pena que, embora sem essa designação, deve ser assim considerada em razão da expectativa de vida do ser humano. Exemplificando, a pena de 106 anos, aplicada no caso sub examine, jamais seria cumprida, sabido que raramente alguém alcança essa idade. Não se desconhece a divisão doutrinária entre os que entendem que o cumprimento de 30 anos de pena em regime fechado não é ressocializador – não satisfazendo, portanto, uma das finalidades da execução penal – e os que argumentam com a defesa da sociedade, defendendo que a concessão de benefícios antes dos trinta anos de cumprimento da pena constitui um incentivo a criminosos perigosos e contumazes. (…) Filio-me à corrente que não considera a unificação das penas em 30 anos para a concessão de benefícios, mantendo o entendimento consolidado na Súmula 715 desta Corte. Outra interpretação conduziria a um tratamento igual para situações desiguais, colocando no mesmo patamar pessoas condenadas a 30 anos e a cem ou mais anos de reclusão, por exemplo. Não haveria aí distribuição de justiça, expressada em dar a cada um o que merece.
STF, RHC 103.551, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, j. 21-6-2011, DJE 163 de 25-8-2011.
(…) que no concurso de penas privativas de liberdade, cuja soma ultrapassa o limite juridicamente exequível de 30 anos, os requisitos objetivos de certos institutos ou benefícios legais, tais como o indulto, a comutação, a progressão do regime, a remição e o livramento condicional, devem ser considerados em função do total da pena efetivamente imposta e não calculados sobre o quantum resultante da unificação determinada pelo art. 75 do Código Penal.
STF, HC 70.034-9, Rel. Min. Celso de Mello, DJU 16/4/1993, p.6.436.
IV – O art. 75 à luz da redação dada pelo Pacote Anticrime
O legislador em 2019 trouxe à baila o Pacote Anticrime que englobou uma nova redação do art. 75, CP. Essa nova redação elevou o teto de cumprimento de pena privativa de liberdade de 30 anos para 40 anos. Esta elevação de teto se coaduna com o aumento de expectativa de vida no Brasil.
O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) divulgou que “a expectativa de vida dos brasileiros aumentou em 3 meses e 4 dias, de 2017 para 2018, alcançando 76,3 anos. Desde 1940, já são 30,8 anos a mais que se espera que a população viva. Os dados são das Tábuas Completas de Mortalidade”. Isso, conforme o disposto em artigo publicado pela Agência de Notícias do IBGE disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/26103-expectativa-de-vida-dos-brasileiros-aumenta-para-76-3-anos-em-2018 e acessado em 17/02/2020.
Este aumento de teto reverberou também, por via de consequência, na unificação de penas, para fins de composição do quantum de 40 anos, quando há condenações sucessivas, bem como em relação à superveniência de condenação por crime havido após o início da execução penal, excluindo do cômputo o período de pena já cumprido. A nova redação do art. 75, CP restou estabelecido da seguinte forma com as modificações no caput e no parágrafo primeiro, in verbis:
Art. 75. O tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a 40 (quarenta) anos.
- 1º Quando o agente for condenado a penas privativas de liberdade cuja soma seja superior a 40 (quarenta) anos, devem elas ser unificadas para atender ao limite máximo deste artigo.
- 2º Sobrevindo condenação por fato posterior ao início do cumprimento da pena, far-se-á nova unificação, desprezando-se, para esse fim, o período de pena já cumprido.
IV – Quadro Comparativo Relativo ao art. 75, CP Antes e Depois da Reforma do Pacote Anticrime
Abaixo trago um quadro comparativo onde se pode ter uma visão panorâmica do art. 75, CP antes e depois da redação dada pelo Pacto Anticrime:
Art. 75, CP | |
Redação dada pela Lei 7.209/1984 | Redação dada pela Lei 13.964/2019
Pacote Anticrime |
Limite das penas
Art. 75 – O tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a 30 (trinta) anos.
§1º – Quando o agente for condenado a penas privativas de liberdade cuja soma seja superior a 30 (trinta) anos, devem elas ser unificadas para atender ao limite máximo deste artigo.
§2º – Sobrevindo condenação por fato posterior ao início do cumprimento da pena, far-se-á nova unificação, desprezando-se, para esse fim, o período de pena já cumprido. |
Limite das penas
Art. 75. O tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a 40 (quarenta) anos.
§1º Quando o agente for condenado a penas privativas de liberdade cuja soma seja superior a 40 (quarenta) anos, devem elas ser unificadas para atender ao limite máximo deste artigo.
§2º – Sobrevindo condenação por fato posterior ao início do cumprimento da pena, far-se-á nova unificação, desprezando-se, para esse fim, o período de pena já cumprido. |
V – Questões de Concurso
O tema do limite da pena de privação de liberdade tem sido cobrado em provas de concurso da seguinte forma:
01 – 2009 – FCC – DPE/PA – Defensor Público (ADAPTADA)
A pena unificada para atender ao limite de quarenta anos de cumprimento determinado pelo art. 75 do Código Penal
- A) obriga o cumprimento integral em regime fechado da pena unificada independentemente do total das penas aplicadas.
- B) é considerada para a concessão livramento condicional.
- C) é considerada para o cálculo da prescrição da pretensão executória em caso de evasão do sentenciado.
- D) não é considerada para a concessão de progressão ao regime mais favorável na execução da pena.
- E) não deve ser considerada porque este artigo foi declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal e não há limite para o cumprimento de pena privativa de liberdade.
02 – 2012 – MPE/MT – MPE/MT – Promotor de Justiça (ADAPTADA)
Consoante entendimento do Supremo Tribunal Federal, analise as assertivas. A pena unificada para atender ao limite de quarenta anos de cumprimento, determinado pelo art. 75 do Código Penal, é considerada para a concessão de outros benefícios, como o livramento condicional ou regime mais favorável de execução.
( ) Certo ( ) Errado
03 – 2012 – MPE/GO – MPE/GO – Promotor de Justiça (ADAPTADA)
Mévio de Tal, cumprindo pena Penitenciária Odenir Guimarães (POG), para cumprimento do restante de uma pena de 34 anos e dois meses de reclusão, formulou pedido de unificação de penas com base no artigo 71 do Código Penal, alegando, em suma, o seguinte: Os delitos praticados foram separados em vários inquéritos, primeiro deles foi praticado em 01/09/2002, sobrevindo-lhe uma condenação de 10 anos e 04 meses; o segundo em 10/09/2002, que foi condenado a 10 anos e 10 meses; o terceiro em 24/09/2004, com condenação de 10 anos, e o quarto também em 24/09/2004, que foi condenado a 07 anos, todos pelo tipo do artigo 157, §3º do Código Penal. Depois de afirmar que são delitos da mesma espécie, praticados mediante mais de uma ação e que, pelas circunstâncias de tempo, lugar e modo de agir, são crimes continuados, Mévio pediu a unificação das penas na forma do artigo 71 do Código Penal. Atento às diretrizes do instituto da continuidade delitiva e do artigo 59 do Estatuto Penal Repressivo, o magistrado aplicou, pelos dois delitos cometidos em 2002 pena de 20 anos; e pelos outros dois delitos 10 anos. Unificadas as penas no total de 30 anos de reclusão, sobreveio nova condenação em desfavor de Mévio a 10 anos de reclusão por crime cometido em 25/09/2002. A propósito da situação hipotética escolha a alternativa correta:
- A) em face da nova condenação (25/09/2002) seria necessária nova unificação das penas, desprezando-se para esse fim o período de pena cumprido;
- B) considerando hipoteticamente que a última condenação não existisse, e que o réu fosse condenado por fato posterior ao início do cumprimento da pena, poderia, o réu, em tese, cumprir pena superior a 40 anos;
- C) no caso hipotético ou em qualquer outro caso, não haveria possibilidade legal do réu cumprir pena superior a 40 anos;
- D) a concessão de benefícios como o livramento condicional ou regime mais favorável de execução, atenderá, em qualquer caso, ao limite pelo art. 75 do Código Penal.
VI – Gabarito Comentado das Questões
Questão 01 – LETRA D – Tendo em vista o que ordena o art. 75, CP, já à luz do Pacote Anticrime: O tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a 40 (quarenta) anos c/c a Súmula 715 do STF: A pena unificada para atender ao limite de trinta anos de cumprimento, determinado pelo art. 75 do Código Penal, não é considerada para a concessão de outros benefícios, como o livramento condicional ou regime mais favorável de execução.
Questão 02 – ERRADO – Considerando o entendimento do STF consolidado na a Súmula 715: A pena unificada para atender ao limite de trinta anos de cumprimento, determinado pelo art. 75 do Código Penal, não é considerada para a concessão de outros benefícios, como o livramento condicional ou regime mais favorável de execução.
Questão 03 – LETRA B – Levando em conta o que determina o §2º do art. 75, CP: §2º Sobrevindo condenação por fato posterior ao início do cumprimento da pena, far-se-á nova unificação, desprezando-se, para esse fim, o período de pena já cumprido. Ou seja, apesar de o tempo máximo de cumprimento de pena realmente ser de 40 anos (cf. a nova redação do art. 75, caput, CP dada pelo Pacote Anticrime), o §2º autoriza encarceramento por mais de 40 anos em face da unificação das penas.
VII – Referências Bibliográficas
- BITENCOURT, Cezar Roberto, Tratado de direito penal: parte geral, 1, São Paulo: Saraiva, 2015.
- GRECO, Rogério. Código Penal Comentado, Niterói: Editora Impetus, 2017.
- NUCCI, Guilherme Souza. Código Penal Comentado, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015.
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