Desde já preciso alertar que o presente texto não pretende exaurir todas as discussões e reflexões sobre a (sempre polêmica) TEORIA DO DOMÍNIO DO FATO, mas sim trazer alguns esclarecimentos necessários em razão de seu (aparente) desvirtuamento e distorção por parte de alguns doutrinadores e também repercussões práticas.
As teorias objetivo-formais desenvolvidas pelos estudiosos do direito penal para conceituar a ideia de autor do delito se revelaram muitas vezes, apesar de “seguras”, um tanto limitadoras. Isso porque ao indicar que autor seria quem efetivasse (praticasse) total ou parcialmente o verbo nuclear da ação típica, isso trazia alguns inconvenientes à luz de casos concretos. Visando a contornar esses “problemas”, algumas teorias “complementares” foram desenvolvidas, entre elas a Teoria do Domínio do Fato.
Um dos primeiros (se não o primeiro) a pensar na teoria do domínio do fato foi o “pai do finalismo penal“, Hans Welzel. Para o alemão, não seria autor apenas aquele que desempenhasse a conduta típica, mas também quem detivesse o domínio final da ação, ou seja, aquele que dispusesse de todos os meios para determinar o cometimento, o início, o fim e o modo do crime.
Na década de 60 do século XX, Claus Roxin voltou a trabalhar com a ideia de domínio do fato, dando um gás no desenvolvimento dessa teoria. Avançando nos estudos, Roxin fez questão de apontar que nem todos os delitos poderiam observar a teoria do domínio do fato para a definição de autor. Citava como exemplo o caso dos crimes omissivos impróprios, quando aquele que estivesse da função de GARANTE (ou garantidor), com um dever de agir específico, é que seria o autor. Todavia, para os crimes comuns, a teoria teria aplicação sem problemas.
Beleza, Pedro! Mas quer dizer que nesses crimes comuns, basta a pessoa ter o domínio do fato para ser autor? Então se eu for o executor de um homicídio, mas não tiver o domínio do fato, eu serei partícipe?
Não, calma.
Quem exerce a conduta típica (verbo nuclear do tipo) será sempre autor. Segundo Roxin, nesses casos, há o chamado DOMÍNIO PRÓPRIO DA AÇÃO (há alguma variável nessa classificação, mas a ideia é essa). Aquele conceito restritivo das teorias objetivo-formais está atendido, mas o autor alemão vai além.
Aqueles que dominam alguma função da atividade criminosa seria um COAUTOR, em razão do DOMÍNIO FUNCIONAL do fato. Por fim, visando explicar a autoria mediata, há aquelas situações em que o agente mantém o completo controle sobre a vontade do agente que executa diretamente o núcleo do crime. Há um domínio do controle (vontade) do fato.
Esquematicamente, pois, podemos dividir a Teoria do Domínio do fato em (i) DOMÍNIO DA AÇÃO, (ii) DOMÍNIO FUNCIONAL E (iii) DOMÍNIO DA VONTADE.
Bacana, Pedro! Agora, por que disseram que a Teoria do Domínio do Fato foi “desvirtuada” na aplicação da Ação Penal 470 (Mensalão)?
Sem entrar no mérito de existência ou não de provas suficientes para a condenação no referido caso (não tive acesso aos autos, portanto não tenho legitimidade para atacar ou discordar da decisão de maneira fundamentada), tentarei analisar as principais críticas tecidas pelos especialistas no direito penal sobre o tema.
Para muitos, a referida teoria foi utilizada como critério de imputação do resultado (prova do envolvimento) para alguns réus, quando ela deve servir, única e exclusivamente, para explicar e definir quem é (i) autor e quem é (ii) partícipe.
Deixe-me explicar melhor. A teoria do domínio do fato não pode ser a responsável pela condenação deste ou daquele réu. A condenação deve se pautar em provas de autoria e de materialidade, não sendo possível justificá-la a partir da teoria do domínio do fato. Convencido de que o acusado é autor ou partícipe de determinado evento criminoso, aí sim deve ser utilizada a referida teoria para a verificar o grau de protagonismo na empreitada criminosa.
Como afirma de maneira bastante didática a advogada Fernanda Tórtima, “o concurso de acusados em determinada empreitada criminosa, seja na qualidade de meros partícipes (instigadores ou cúmplices) ou na qualidade de autores, deve ser comprovado independentemente da interferência da teoria em questão. E, uma vez comprovado, aí sim se poderá lançar mão do conceito de domínio do fato para que se conclua terem os acusados atuado como autores ou simples partícipes”.
Por fim, para entender bem a mensagem das críticas, para além do caso concreto da AP 470, a teoria do domínio do fato não pode ser responsável pela condenação de quem quer que seja.
Após a identificação de elementos suficientes para a condenação (existência de imputação objetiva, relação de causalidade, bem como a vinculação subjetiva ao evento), sua utilização será idônea e cabível para a definição da autoria ou participação dos agentes envolvidos, com repercussões na dosimetria da pena, por exemplo.
É isso, pessoal! O tema hoje foi um pouco mais “árido”, mas é preciso estar atento às polêmicas, sobretudo porque essa aí já foi objeto de questões em provas subjetivas!
Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido!
Vamos em frente.
Pedro Coelho – Defensor Público Federal e Professor de Processo Penal e Legislação Penal Especial.
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