Olá pessoal, tudo certo?
Hoje falaremos sobre uma decisão extremamente importante e que, com a certeza de que estamos vivo, despencará em prova de concurso público.
Confesso que a decisão me pegou um pouco de surpresa. Explico.
No final do primeiro semestre de 2022, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça havia deliberado no sentido de que a realização de prisão em flagrante e REVISTA PESSOAL POR GUARDAS MUNICIPAIS não encontra óbice na legislação, pois “[n]os termos do artigo 301 do Código de Processo Penal, qualquer pessoa pode prender quem esteja em flagrante delito, de modo que inexiste óbice à realização do referido procedimento por guardas municipais, não havendo, portanto, que se falar em prova ilícita no caso em tela[1].
Apesar de o foco primário da decisão acima ter sido a legitimidade do flagrante por guardas municipais, verifica-se que houve uma extensão em relação à busca pessoal, regida pelo artigo 244 do Código de Processo Penal:
Art. 244. A busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar.
É nesse exato contexto que devemos interpretar cuidadosamente a recentíssima deliberação da 6ª Turma do mesmo Tribunal Superior, exarada à unanimidade no último dia 16 de agosto de 2022, ao julgar o RESP 1.977.119/SP. Conforme deliberado pelo colegiado, as guardas municipais não possuem competência para patrulhar supostos pontos de tráfico de drogas, realizar abordagens e revistas em indivíduos suspeitos da prática de tal crime ou ainda investigar denúncias anônimas relacionadas ao tráfico e outros delitos cuja prática não atinja de maneira clara, direta e imediata os bens, serviços e instalações municipais.
Em primeiro lugar, imperioso destacar que a Carta Magna não criou a figura de “polícias municipais”, não havendo qualquer comparação das guardas municipais com as polícias civis e militares. O intento da instituição municipal é exclusivamente proteção do patrimônio municipal, nele incluídos os seus bens, serviços e instalações. A exclusão das guardas municipais do rol de órgãos encarregados de promover a segurança pública decorreu de opção expressa do legislador constituinte (não inseriu no rol do art. 144 da CF/88)[2]. Tanto isso é verdade que, ao contrário da Polícia Militar e da Civil, as guardas municipais não se submetem ao controle correicional externo do Ministério Público (art. 129, VII, CF).
Nessa linha declina a amplamente majoritária doutrina constitucionalista pátria. A título de exemplo, vejamos o escólio de Diógenes Gasparini:
O disposto nesse parágrafo é de uma clareza meridiana, dispensando assim qualquer interpretação. As guardas
municipais só podem existir se destinadas à proteção de bens, serviços e instalações do Município. Não lhes cabem, portanto, os serviços de polícia ostensiva, de preservação da ordem pública, de Polícia Judiciária e de apuração das infrações penais. Aliás, essas competências foram essencialmente atribuídas à Polícia Militar e à Polícia Civil[3].
Ademais, a Corte pontuou assertivamente um cuidado especial a ser empregado quando da interpretação correta relativa ao já transcrito art. 244 do Código de Processo Penal vigente no Brasil. Em relação à busca pessoal, a fundada suspeita de posse de corpo de delito é um requisito necessário, mas não suficiente, por si só, para autorizar a realização de busca pessoal, porque não é a qualquer cidadão que é dada a possibilidade de avaliar a presença dele. Ou seja, não é a todo indivíduo que cabe definir se, naquela oportunidade, a suspeita era fundada ou não e, por consequência, proceder a uma abordagem seguida de revista.
Como muito bem apontou em seu voto condutor o Ministro Rogério Schietti Cruz, mesmo se houver elementos concretos indicativos de fundada suspeita da posse de corpo de delito, a busca pessoal só será válida se realizada pelos agentes públicos com atribuição para tanto, a quem compete avaliar a presença de tais indícios e proceder à abordagem do suspeito. Não se pode confundir a hipótese do art. 301 do CPP (flagrante facultativo, passível de ser realizado por qualquer um do povo, inclusive guardas municipais) da hipótese em que a situação de flagrante só é evidenciada após realizar atividades invasivas de polícia ostensiva ou investigativa como a busca pessoal ou domiciliar, uma vez que não é qualquer do povo que pode investigar, interrogar, abordar ou revistar seus semelhantes.
Perfeitamente registrado no voto condutor, anote-se que não é das guardas municipais, mas sim das polícias, como regra, a competência para patrulhar supostos pontos de tráfico de drogas, realizar abordagens e revistas em indivíduos suspeitos da prática de tal crime ou ainda
investigar denúncias anônimas relacionadas ao tráfico e outros delitos cuja prática
não atinja de maneira clara, direta e imediata os bens, serviços e instalações
municipais.
Então quer dizer que as guardas municipais NUNCA poderão realizar busca pessoal, Pedro?
CUIDADO! Não é isso! Em regra, não será possível, contudo, a 6ª Turma deixou claro haver possibilidade em situações absolutamente excepcionais, que devem ser interpretadas restritivamente. Para tanto, deve-se demonstrar concretamente haver clara, direta e imediata relação de pertinência com a finalidade da corporação, isto é, a tutela dos bens, serviços e instalações municipais. A possibilidade absolutamente excepcional de guardas municipais realizarem busca pessoal surge tão somente quando se tratar de instrumento imprescindível para a realização do limitado e específico escopo de proteção do patrimônio municipal. Aqui, sim, se aplica a teoria dos poderes implícitos, de modo que, para o fim exclusivo de conseguirem realizar adequadamente a tutela dos bens, serviços e instalações municipais, estão as guardas municipais autorizadas – se presentes os requisitos do art. 244 do CPP – a revistar indivíduos sobre os quais recaia fundada suspeita da prática de crimes que atinjam de maneira clara, direta e imediata os bens, serviços e instalações do município[4].
E no caso analisado? O que foi deliberado objetivamente pela 6ª Turma?
A situação envolvia um patrulhamento feito por guarda municipal que, ao se deparar com uma pessoa sentada com sacola plástica na cintura, desconfiando do comportamento, realizou revista pessoal, identificando drogas e, ato contínuo, realizando a prisão em flagrante.
Como visto, o comportamento foi tido como indevido e a prova e o flagrante considerando ilícitos. Segundo os Ministros, ainda que eventualmente se considerasse provável que a sacola ocultada pelo réu contivesse objetos ilícitos, não estavam os guardas municipais autorizados, naquela situação, a avaliar a presença da fundada suspeita e efetuar a busca pessoal no acusado. Caberia aos agentes municipais, apenas, naquele contexto totalmente alheio às suas atribuições, acionar os órgãos policiais para que realizassem a abordagem e revista do suspeito, o que, por não haver sido feito, macula a validade da diligência por violação do art. 244 do CPP e, por conseguinte, das provas colhidas em decorrência dela, nos termos do art. 157 do CPP, também contrariado na hipótese.
Tema extremamente importante! Essa deve ser a orientação a ser seguida, salvo se novidades houver nos próximos meses! Continuaremos acompanhando.
Espero que tenham gostado!
Vamos em frente!
Pedro Coelho – Defensor Público Federal e Professor de Processo Penal e Legislação Penal Especial.
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[1] AgRg no REsp n. 2.002.178/SP, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do Tjdft), Quinta Turma, julgado em 14/6/2022, DJe de 24/6/2022.
[2] Os constituintes recusaram várias propostas no sentido de instituir alguma forma de Polícia Municipal. Com isso, os Municípios não ficaram com qualquer responsabilidade específica pela segurança pública. Ficaram com a responsabilidade por ela na medida em que, sendo entidades estatais, não podem eximir-se de ajudar os Estados no cumprimento dessa função. Contudo, não se lhes autorizou a instituição de órgão policial de segurança, e menos ainda de polícia judiciária. A Constituição apenas lhes reconheceu a faculdade de constituir Guardas Municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei. Aí, certamente, está uma área que é de segurança: assegurar a incolumidade do patrimônio municipal, que envolve bens de uso comum do povo, bens de uso especial e bens patrimoniais, mas não é de polícia ostensiva, que é função da Polícia Militar. Por certo que não lhe cabe qualquer atividade de polícia judiciária e de apuração de infrações penais, que a Constituição atribui com exclusividade à Polícia Civil (art. 144, §4º), sem possibilidade de delegação às Guardas Municipais (SILVA, José Afonso da, Comentário Contextual à Constituição, 3. ed., São Paulo: Malheiros, 2007, p. 638-639).
[3] Gasparini, Diógenes. As guardas municipais na Constituição de 1988. Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 29, n. 113, jan.-mar. 1992. p. 241.
[4] https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=202103914460&dt_publicacao=23/08/2022
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