A paralisação de diversas atividades em virtude da pandemia do novo coronavírus gerou uma série de debates sobre a possibilidade de se enquadrar a extinção dos contratos de trabalho com base no fato do príncipe previsto no art. 486 da CLT, cujo caput indica:
“Art. 486 – No caso de paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade, prevalecerá o pagamento da indenização, que ficará a cargo do governo responsável.”
Uma primeira corrente não admite a possibilidade de invocação de fato do príncipe, sustentando que a defesa apenas pode ser invocada no caso de ato administrativo discricionário (uma desapropriação, por exemplo) ou de lei derivada de opção pura do legislador (ex: reconhecimento como zona de preservação ambiental, por lei de efeito concreto, de área em que ocorre exploração de minérios).
Como as medidas adotadas por força da pandemia não foram impostas em virtude da gravidade da situação, essa corrente não aceita o fato do príncipe.
Além disso, essa corrente defende que o fato do príncipe pressupõe cessação completa da atividade, isto é, fechamento definitivo do estabelecimento, e não mera suspensão ou redução das atividades.
Uma segunda corrente (minoritária) defende a plena aplicabilidade da teoria, reconhecendo que se trata de situação que permite transferir ao ente público que determinou a paralisação das atividades o encargo pela multa de 40% do FGTS.
Uma terceira corrente admite que, quando se trata de efetiva cessação definitiva do estabelecimento, o caso importaria extinção do contrato de trabalho por força maior, considerando que derivou de fato imprevisível para o qual não concorreu o empregador (art. 501 do CPC). Formulam sua tese com base no art. 1º, parágrafo único, da MP 927/2020. No entanto, caso não haja o fechamento permanente do estabelecimento, poder-se-ia invocar o fato do príncipe, visto que a lei não exige expressamente a discricionariedade como elemento do tipo.
Contudo, com a Lei 14.020/2020, ficou inviabilizada a alegação de fato do príncipe por força do art. 29:
“Art. 29. Não se aplica o disposto no art. 486 da CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, na hipótese de paralisação ou suspensão de atividades empresariais determinada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal para o enfrentamento do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, de que trata a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020.”
Logo, agora, para se admitir a tese do fato do príncipe, seria necessário, para a segunda e a terceira correntes, reconhecer a inconstitucionalidade do preceito, atraindo grande ônus argumentativo.
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