A regulamentação do teletrabalho na pandemia

Medida Provisória 927/2020 alterou parcialmente o regime jurídico do teletrabalho

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   O coronavírus impôs a necessidade de reconhecimento de calamidade pública e, como medida de prevenção, o fechamento ou restrição de diversas atividades econômicas e laborais. Esta premissa provocou uma transferência do trabalho presencial para o teletrabalho, mas o regramento existente até então sofreu adaptações na Medida Provisória nº 927/2020.

      Em primeiro lugar, a Medida Provisória, durante o período de calamidade, assegurou a possibilidade de o empregador alterar unilateralmente o trabalho presencial para o trabalho remoto, na forma do art. 4º, caput:

“Art. 4º Durante o estado de calamidade pública a que se refere o art. 1º, o empregador poderá, a seu critério, alterar o regime de trabalho presencial para o teletrabalho, o trabalho remoto ou outro tipo de trabalho a distância e determinar o retorno ao regime de trabalho presencial, independentemente da existência de acordos individuais ou coletivos, dispensado o registro prévio da alteração no contrato individual de trabalho.”

   Por ser uma decisão unilateral, deve ser assegurada uma antecedência de, pelo menos, 48 horas:

“Art. 4º (…)
§ 2º A alteração de que trata o caput será notificada ao empregado com antecedência de, no mínimo, quarenta e oito horas, por escrito ou por meio eletrônico.”

        Fora do período da calamidade pública, eventual alteração para o regime de teletrabalho depende de ajuste bilateral, nos moldes do art. 75-C, § 1º, da CLT:

“Art. 75-C (…)
§ 1º Poderá ser realizada a alteração entre regime presencial e de teletrabalho desde que haja mútuo acordo entre as partes, registrado em aditivo contratual.”

        Além disso, durante a calamidade, como visto no art. 4º, caput, da MP, a alteração não precisa ser registrada no contrato, diferentemente da pactuação expressa em contrato exigida pelo art. 75-C, caput, da CLT:

“Art. 75-C.  A prestação de serviços na modalidade de teletrabalho deverá constar expressamente do contrato individual de trabalho, que especificará as atividades que serão realizadas pelo empregado.”

        Quanto aos custos do teletrabalho, seja envolvendo equipamentos, seja envolvendo infraestrutura como energia elétrica, internet etc, a questão foi delegada para o ajuste contratual entre as partes (art. 4º, § 3º, da MP 927/2020), o que, na realidade, corresponde ao que já existia no art. 75-D, caput, do texto celetista:

CLT
“Art. 75-D.  As disposições relativas à responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto, bem como ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado, serão previstas em contrato escrito.”

MP 927/2020
“Art. 4º (…)
§ 3º As disposições relativas à responsabilidade pela aquisição, pela manutenção ou pelo fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do teletrabalho, trabalho remoto ou trabalho a distância e ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado serão previstas em contrato escrito, firmado previamente ou no prazo de trinta dias, contado da data da mudança do regime de trabalho.”

   A novidade encontra-se no fato de que a medida provisória expressamente autoriza, dada a urgência do contexto, a pactuação mesmo após a mudança efetiva do regime. No entanto, algumas ponderações podem ser feitas.

     A primeira reflexão abrange o teor do art. 4º, § 4º, da medida provisória:

“Art. 4º (…)
§ 4º Na hipótese de o empregado não possuir os equipamentos tecnológicos e a infraestrutura necessária e adequada à prestação do teletrabalho, do trabalho remoto ou do trabalho a distância:
I – o empregador poderá fornecer os equipamentos em regime de comodato e pagar por serviços de infraestrutura, que não caracterizarão verba de natureza salarial; ou
II – na impossibilidade do oferecimento do regime de comodato de que trata o inciso I, o período da jornada normal de trabalho será computado como tempo de trabalho à disposição do empregador.”

    O regramento parte da premissa de que o empregador poderia fornecer os equipamentos em comodato, ponto que não traz nenhuma novidade prática, porquanto essa possibilidade sempre existiu anteriormente, ainda que não fosse expressa na CLT.

     O segundo aspecto refere-se ao cômputo, na jornada, do período que seria destinado ao trabalho como tempo à disposição do empregador. O preceito (inciso II) parece ser incompatível com a presunção de inexistência de controle de jornada prevista no art. 62, III, da CLT:

“Art. 62 – Não são abrangidos pelo regime previsto neste capítulo:
III – os empregados em regime de teletrabalho.”

     Ora, se o teletrabalho conta com uma presunção, ainda que relativa, de que não há controle de jornada, não faz sentido tratar de contabilização de horas na jornada.

    Se a intenção, no art. 4º, § 4º, II, da MP, era considerar que a impossibilidade de teletrabalho importa a interrupção do contrato, a regra era desnecessária, porquanto essa é consequência lógica da aplicação dos princípios do Direito do Trabalho.

     Ressalte-se que o art. 4º, § 1º, da MP expressamente afirma ser aplicável o art. 62, III, da CLT:

“Art. 4º (…)
§ 1º  Para fins do disposto nesta Medida Provisória, considera-se teletrabalho, trabalho remoto ou trabalho a distância a prestação de serviços preponderante ou totalmente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias da informação e comunicação que, por sua natureza, não configurem trabalho externo, aplicável o disposto no inciso III do caput do art. 62 da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1943.”

     O equívoco parece ser reforçado no art. 4º, § 5º, da MP, quando menciona “fora da jornada de trabalho”, o que leva o intérprete a imaginar a existência de uma jornada controlada:

“Art. 4º (…)
§ 5º O tempo de uso de aplicativos e programas de comunicação fora da jornada de trabalho normal do empregado não constitui tempo à disposição, regime de prontidão ou de sobreaviso, exceto se houver previsão em acordo individual ou coletivo.”

     De toda forma, uma premissa é certa: a presunção do art. 62, III, da CLT é apenas relativa e admite prova em contrário, ou seja, se for comprovado o controle de jornada, então haverá possibilidade de se cogitar de cômputo de horas e, como consequência, de eventuais horas extras.

   Necessitamos aguardar qual será o posicionamento do Tribunal Superior do Trabalho sobre o tema.

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