Lei 7492/86: A utilização de “laranjas” desnatura o crime do art. 21 da Lei dos Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional?

Preparamos esse conteúdo especial para que você consiga entender a Lei 7492/86, também conhecida como a Lei dos Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, uma das mais complexas. Confira abaixo!

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26 de maio2 min. de leitura

Fala pessoal, tudo certo?

Sempre falo que a Lei 7492/1986 – a Lei dos Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional – é uma das mais complexas de serem assimiladas, tanto sob o prisma da compreensão teórica, como também da atuação prática.

Ao julgar o RESP 1.595.546/PR (Rel. Min. Nefi Cordeiro), julgado em 2/5/2017, a 6ª Turma do STJ teve a oportunidade de apreciar uma situação bastante peculiar e importante. No caso mencionado, houve apresentação de Promoção de Arquivamento por parte do Ministério Público, mas o juízo de 1º grau – em sua (extremamente criticável, mas aceita majoritariamente) “função anômala de fiscal da obrigatoriedade da ação penal pública” – não aderiu ao intento do titular da ação penal e se valeu do artigo 28 do CPP.

ATENÇÃO! Sabe-se que a Lei Anticrime alterou a redação do art. 28 do CPP para acabar com a atuação do Poder Judiciário no procedimento de arquivamento de investigações criminais, mas – em razão de liminar concedida pelo STF – tais alterações encontram-se suspensas, restando ainda observável a previsão originária do art. 28 do Código.

Retomando o raciocínio, a discussão meritória que reputo importante para analisarmos se dá quanto à TIPICIDADE e correspondência ao artigo 21 da Lei 7.492/86 quando se verifique a utilização de laranjas para aquisição de moeda estrangeira. Antes, porém, para entendermos esse debate, imprescindível transcrever o dispositivo. Vejamos:

Art. 21. ATRIBUIR-SE, OU ATRIBUIR A TERCEIRO, FALSA IDENTIDADE, PARA REALIZAÇÃO DE OPERAÇÃO DE CÂMBIO: Pena – Detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, para o mesmo fim, sonega informação que devia prestar ou presta informação falsa.

Não entendi a polêmica, Pedro…

Calma! É que no caso apreciado pelo STJ, não houve efetivamente uma atribuição pessoal ou a terceiros de falsa identidade. Não houve concretamente uma falsa identidade, pois se sabia que estava realizado a operação de câmbio. Contudo, o que se constatou é que essas operações se davam em favor de pessoas que se valiam de outras para fins de registro e burla legal, tratando-se os adquirentes registrados de meros “laranjas” em favor daqueles que efetivamente se beneficiavam da aquisição.

Particularmente (ATENÇÃO: trata-se aqui da minha opinião pessoal, com viés voltado para a Defesa. Claro que se é meu posicionamento, entendo ser ele o correto, mas alerto que o STJ deliberou em sentido contrário, como já já veremos), penso acertada a tese defensiva que declinou pela INEXISTÊNCIA DE TIPICIDADE da conduta, e isso por um motivo bastante claro. Parece-me que o ato de se valer de terceiro para a realização de operação de câmbio NÃO ESTARIA ABRANGIDO pelo tipo do art. 21, Lei 9.492/86 (RELEIA O DISPOSITIVO LÁ EM CIMA), já que não caracterizaria o núcleo do tipo por NÃO HAVER ATRIBUIÇÃO DE IDENTIDADE FALSA E INEXISTENTE, principalmente em razão da anuência do terceiro com a aposição verídica de sua assinatura (como foi no caso em tela).

Mas esse NÃO FOI o entendimento que prevaleceu na 6ª Turma do STJ!

Segundo o Ministro Relator, “a conduta prevista no art. 21, Lei 9.492/86, pressupõe fraude que tenha o potencial de dificultar ou impossibilitar a fiscalização sobre a operação de câmbio, com o escopo de impedir ou constatar a prática de condutas delitivas diversas ou mesmo eventuais limites legais para a aquisição de moeda estrangeira (…). Assim, ainda que os terceiros tenham anuído com as operações, TAL FATO, POR SI, NÃO É CAPAZ DE DESCARACTERIZAR O TIPO PENAL, POIS O BEM JURÍDICO RESTOU VIOLADO COM A DISSIMULAÇÃO DE ESCONDER A REAL IDENTIDADE DO ADQUIRENTE DA MOEDA ESTRANGEIRA VALENDO-SE DA IDENTIDADE, AINDA QUE VERDADEIRA, DE TERCEIROS[1].

Sendo assim, muita atenção em provas objetivas, em que esse entendimento poderá ser explorado pelo seu examinador! Em provas discursivas, entretanto, você deverá apresentar as duas correntes e os respectivos argumentos que foram acima detalhados!

Espero que tenham gostado e, sobretudo, entendido.

Vamos em frente!

Pedro Coelho – Defensor Público Federal e Professor de Processo Penal e Legislação Penal Especial.

 

 

[1] O bem jurídico resta violado com a dissimulação de esconder a real identidade do adquirente da moeda estrangeira valendo-se da identidade, ainda que verdadeira, de terceiros (6ª Turma, REsp 1.595.546-PR, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 2/5/2017).

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