O acordo de não persecução penal foi trazido, inicialmente, pelo art. 18 da Resolução do Conselho Nacional do Ministério Público n. 181, de 7 de agosto de 2017, alterado pela Resolução do mesmo Órgão n. 183, de 24 de janeiro de 2018, e, posteriormente, inserido na legislação brasileira no art. 28-A do Código de Processo Penal comum, pela Lei n. 13.964, de 24 de dezembro de 2019 (“Pacote Anticrime”).
Como houve regulamentação inicial fora da lei processual penal, justamente pela mencionada Resolução do Conselho Nacional do Ministério Público, seguiu-se ataque ao instituto pelas Ações Diretas de Inconstitucionalidade n. 5.790, proposta pela Associação dos Magistrados Brasileiros, e n. 5.793, proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, que ainda pendem no Supremo Tribunal Federal, mas que podem ter a perda do objeto, porquanto o acordo de não persecução penal, hoje, é realidade constante da lei processual penal e o principal ataque das duas ações era a lesão ao inciso I do art. 22 da Constituição Federal, que reserva a inovação processual (penal) à lei de lavra da União, o que ocorreu ulteriormente com a citada Lei n.13.964/2019.
Nesse contexto histórico, particularmente para o Direito Penal e Processual Penal Militar em âmbito da União, há que se colocar a atuação do Ministério Público Militar e do Superior Tribunal Militar.
Pouco após a Resolução do CNMP n. 181/2017, o Conselho Superior do Ministério Público Militar (CSMPM) editou a Resolução n. 101, de 26 de setembro de 2018, que em seu art. 18 assimilava a possibilidade de celebração de acordo de não persecução pena no âmbito das investigações de crimes militares, mas apenas, em inicial disposição, para crimes militares por equiparação, ou seja, aqueles que denominamos como crimes militares extravagantes que estão tipificados na legislação penal comum, mas que se tornam crimes militares quando praticados em uma das hipóteses do inciso II do art. 9º do CPM, limitação que, em sequência, foi retirada por alteração da Resolução n. 108, de 11 de dezembro de 2019.
O comportamento jurisprudencial, entretanto, não assimilou essa vertente do Parquet das Armas, sendo certo que o Superior Tribunal Militar, reiteradamente, firmou a não aceitação do acordo de não persecução penal, o que fez com que o CSMPM retraísse e revogasse o art. 18 da Resolução 101/2017 pela Resolução n. 115, de 29 de outubro de 2020.
A posição do Superior Tribunal Militar, frise-se, firmou-se mesmo após a inserção legal do art. 28-A no Código de Processo Penal Militar, justamente sob a construção de que não houve uma omissão do legislador ao não inserir o instituto no Código de Processo Penal Militar, já que a Lei 13.964/2019 poderia tê-lo feito, mas um silêncio eloquente (STM, Apelação n. 7001106-21.2019.7.00.0000, rel. Min. Carlos Vuyk de Aquino, j. 20/02/2020. STM, Habeas Corpus n. 7000374-06.2020.7.00.0000, rel. Min. José Coêlho Ferreira, j. 26/08/2020).
Entretanto, malgrado não houvesse mais a previsão na Resolução do CSMPM e se firmasse a posição do STM no sentido de não cabimento do acordo de não persecução penal – além de posições doutrinárias que não negavam a utilidade do instituto, mas entendiam necessária a alteração legislativa, como a nossa posição, inclusive – membros do Ministério Público Militar continuaram celebrando o acordo de não persecução penal de maneira pulverizada pelo território nacional com a consequente homologação por juízes federais da Justiça Militar, mostrando que a questão estava longe de ser pacífica.
Com base nessas divergências e com o escopo de discutir outros assuntos de interesse da Instituição, o Procurador-Geral de Justiça Militar, convocou um encontro do Colégio de Procuradores, integrado por todos os membros da carreira em atividade no Ministério Público da Justiça Militar (art. 126 da Lei Complementar n. 75, de 20 de maio de 1993) e que tem como uma de suas funções opinar sobre assuntos gerais de interesse da Instituição (art. 127, II, da mesma Lei Complementar).
O encontro, o 9º Encontro da carreira, ocorreu em Brasília/DF, no período de 24 a 26 de novembro de 2021, e produziu como resultado um Carta[1], no seio da qual dois enunciados tratam do acordo de não persecução penal:
Enunciado 4: O Ministério Público Militar pode formalizar Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), com base no art. 3°, alínea “a”, do CPPM, c/c art. 28-A do CPP, tanto para civis, quanto para militares, desde que necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime militar.
Enunciado 5: Na celebração do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), deve o membro do MPM fixar o prazo do cumprimento do acordo em tempo inferior ao da prescrição da pretensão punitiva em abstrato, aplicável ao caso concreto.
Dessa maneira, o Ministério Público Militar firmou sua posição no sentido de continuar a celebrar o acordo de não persecução penal nas inquisas sob sua responsabilidade e essa visão, note-se, trouxe, inclusive, um reflexo normativo, porquanto, em um movimento pendular, o Conselho Superior do Ministério Público Militar, por força da Resolução n. 126, de 24 de maio de 2022, retomou a possibilidade de celebração do acordo, de forma especificamente regrada para o Direito Penal Militar em âmbito federal, ou seja, com algumas peculiaridades, como por exemplo, o cabimento apenas em crimes militares de “conceito estendido”, que coincide também com o que chamamos de crimes militares extravagantes, e com limitação de determinado quantum de dano (não pode haver o acordo quando “o dano causado for superior a vinte salários mínimos, ou a parâmetro econômico diverso, definido pela Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Militar”).
Foi sequenciando este movimento do CSMPM e quase que concomitantemente a um seminário promovido pela Procuradoria-Geral de Justiça Militar para discutir o tema[2], que a Corte Superior Castrense findou por sumular a questão, com o enunciado da Súmula 18, verbis:
O art. 28-A do Código de Processo Penal comum, que dispõe sobre o Acordo de Não Persecução Penal, não se aplica à Justiça Militar da União.
Naturalmente, a súmula não tem poder vinculante e os membros do Ministério Público poderão continuar a celebrar os acordos, assim como os juízes federais poderão, caso não concordem com o enunciado, fundamentadamente, a homologar os acordos de não persecução penal.
Ademais, outras advertências devem ser feitas.
O histórico apresentado diz respeito ao tratamento do assunto na órbita federal, não abrangendo sua compreensão na Justiça Militar dos Estados. A propósito desse teatro, percebe-se também uma resistência muito grande em assimilar o acordo de não persecução penal em Estados em que há o Tribunal de Justiça Militar (TJM/SP, HC n. 0900218-24.2020.9.26.0000, rel. Juiz Silvio Hiroshi Oyama, j. 22/10/2020. TJM/RS, CPcr nº 0090051-82.2021.9.21.0000, Rel. Des. Amilcar Macedo, Plenário, j. 28/06/2021).
Mesmo na órbita federal, é preciso que se tenha em mente que os enunciados do 9º Encontro do Colégio de Procuradores sobre o acordo de não persecução penal não conheceram a unanimidade, de maneira que cada órgão do Ministério Público Militar, no espectro de sua independência funcional, pode não concordar com o instituto, que não se constitui em direito público subjetivo e, portanto, não celebrá-lo, inclusive, agora, arrimando-se no verbete sumular lavrado pelo STM, datado de 22 de agosto de 2022.
[1] Carta do 9º Encontro do Colégio de Procuradores de Justiça Militar – 9ECPJM. https://www.mpm.mp.br/portal/wp-content/uploads/2022/01/carta-9ecpjm-1.pdf. Acesso em 28. Out.2022.
[2] https://www.mpm.mp.br/mpm-realiza-seminario-acordo-de-nao-persecucao-penal/. Acesso em 30. Out. 2022.
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