Afinal, é ou não necessária a indicação expressa dos bens passíveis de arrecadação no mandado de busca e apreensão?

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22 de Setembro de 2022

Olá pessoal, tudo certo?

Eis um tema que gera várias polêmicas e, sobretudo, erros em várias questões de prova.

E o pior é que, na minha visão, essas polêmicas e divergências não fazem o menor sentido. De toda sorte, o fato irrefutável é que constantemente eu sou indagado por alunos sobre a imprescindibilidade ou não de detalhamento dos bens passíveis de arrecadação no corpo do mandado de busca e apreensão.

É importante analisar e compreender essa situação porque, conforme muito bem anota a jurisprudência das Cortes Superiores, o processo é uma marcha para o futuro e não pode ser interrompido por alegações de nulidade frágeis, descontextualizadas e carentes de potencial de prejuízo. Nessa linha, já concluiu o STJ ser “a pretensão de nulidade do ato, pois, etimologicamente, processo significa marcha avante, do latim procedere. Logo, a interrupção
de seu seguimento, por meio da imposição de nulidades infundadas, fere peremptoriamente o instituto jurídico. Em razão disso, segundo a legislação processual penal em vigor, é imprescindível – quando se trata de nulidade de ato processual – a demonstração do prejuízo sofrido, em consonância com o princípio pas de nullité sans grief, o que não ocorreu na espécie”[1].

O mandado de busca e apreensão recebeu cuidadoso tratamento por parte do legislador, encontrando-se disciplinado exaustivamente o seu conteúdo no bojo do art. 243 do Código de Processo Penal. Vejamos:

Art. 243.  O mandado de busca deverá: I – indicar, o mais precisamente possível, a casa em que será realizada a diligência e o nome do respectivo proprietário ou morador; ou, no caso de busca pessoal, o nome da pessoa que terá de sofrê-la ou os sinais que a identifiquem; II – mencionar o motivo e os fins da diligência; III – ser subscrito pelo escrivão e assinado pela autoridade que o fizer expedir. § 1o Se houver ordem de prisão, constará do próprio texto do mandado de busca. § 2o Não será permitida a apreensão de documento em poder do defensor do acusado, salvo quando constituir elemento do corpo de delito.

Assim, a partir de uma rápida leitura no mencionado dispositivo, fácil concluir que ele disciplina os requisitos do mandado de busca e apreensão, dentre os quais não se encontra o detalhamento do que pode ou não ser arrecadado[2]; e o art. 240[3] apresenta um rol exemplificativo dos casos em que a medida pode ser determinada, no qual se encontra a hipótese de arrecadação de objetos necessários à prova da infração ou à defesa do réu, não havendo qualquer ressalva de que não possam dizer respeito à intimidade ou à vida privada do indivíduo.

Em julgamento realizado no último dia 16 de agosto de 2022, ratificando sua consolidada posição, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça assim concluiu:

(…) 2. Constata-se, sem necessidade de maior esforço interpretativo, que a indicação das alíneas “e”, “f” e “h” do § 1° do art. 240 do Código de Processo Penal, na fundamentação da decisão da Desembargadora que autorizou a busca e apreensão, denota a efetiva autorização para recolhimento de papéis e agendas. – Prevalece no Superior Tribunal de Justiça o entendimento no sentido de que “A PORMENORIZAÇÃO DOS BENS SOMENTE É POSSÍVEL APÓS O CUMPRIMENTO DA DILIGÊNCIA, NÃO SENDO ADMISSÍVEL EXIGIR UM VERDADEIRO EXERCÍCIO DE FUTUROLOGIA POR PARTE DO MAGISTRADO, MÁXIME NA FASE PRÉ-PROCESSUAL (RHC n. 59.661/PR, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 3/11/2015, DJe 11/11/2015)”. (AgRg no RHC n. 150.787/PE, relator Ministro Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, julgado em 17/5/2022, DJe de 20/5/2022.) 3. “O art. 243 do Código de Processo Penal disciplina os requisitos do mandado de busca e apreensão, dentre os quais não se encontra o detalhamento do que pode ou não ser arrecadado; e o art. 240 apresenta um rol exemplificativo dos casos em que a medida pode ser determinada, no qual se encontra a hipótese de arrecadação de objetos necessários à prova da infração ou à defesa do réu, não havendo qualquer ressalva de que não possam dizer respeito à intimidade ou à vida privada do indivíduo“. (RHC n. 141.737/PR, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 27/4/2021, DJe de 15/6/2021.) 4. Eventual distinção nos mandados de busca e apreensão, acaso exista, não induz à conclusão pretendida pelo impetrante, mormente sob a argumentação apresentada, uma vez que, conforme destacado pela Corte local, “obviamente não seria razoável interpretar que, em relação justamente ao investigado principal, a constrição determinada seria inexplicavelmente mais restrita“. O argumento trazido pelo impetrante é internamente defeituoso, uma vez que a conclusão pretendida não pode ser suportada por suas premissas, afastando-se, dessa forma, da intepretação razoável e racional do direito. Como é de conhecimento, “nos termos dos princípios da hermenêutica jurídica, nenhuma interpretação da lei pode conduzir ao absurdo”. (HC n. 302.915/RS, relator Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 10/5/2016, DJe de 20/5/2016.) 5. Ainda que assim não fosse, não se observa, igualmente, eventual prejuízo na apreensão das agendas e dos papéis encontrados na busca e apreensão realizada na residência do paciente, uma vez que, segundo a Corte local, estes se referem “a aspecto meramente circunstancial da imputação”, relativo ao “panorama de desgaste no relacionamento do casal”. Consta, ademais, que referidas circunstâncias podem ser aferidas igualmente “por outros dados probantes, inclusive pela prova oral”, motivo pelo qual não se verifica sequer prejuízo na manutenção dos documentos impugnados pela defesa, os quais, reitere-se, foram apreendidos em observância ao ordenamento jurídico (…) (AgRg no HC n. 727.709/MG, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 16/8/2022, DJe de 22/8/2022).

Na mesma linha está consolidada a orientação do Supremo Tribunal Federal, notadamente quando se revelar impossível a indicação ex ante de todos os bens passíveis de apreensão no local da busca, revelando certa discricionariedade à autoridade policial para apreender bens complementares não constantes no mandado[4].

Espero que agora todos tenham compreendido e não errem mais questões sobre esse tema.

ANOTA AÍ: Não há imprescindibilidade de constar do mandado de busca e apreensão todos os bens passíveis de serem arrecadados no curso da diligência.

Vamos em frente!

Pedro Coelho – Defensor Público Federal e Professor de Processo Penal e Legislação Penal Especial.

 

[1] RHC n. 120.565/RJ, Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, DJe 2/9/2020.

[2] “Não há no ordenamento jurídico pátrio qualquer exigência de que a manifestação judicial que defere a cautelar de busca e apreensão esmiúce quais documentos ou objetos devam ser coletados, até mesmo porque tal
pormenorização só é possível de ser implementada após a verificação do que foi encontrado no local em que cumprida a medida”. (AgRg nos EDcl no RHC n. 145.665/RO, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Quinta Turma, julgado em 28/9/2021, DJe de 5/10/2021.)

[3] Art. 240.  A busca será domiciliar ou pessoal. § 1o Proceder-se-á à busca domiciliar, quando fundadas razões a autorizarem, para: a) prender criminosos; b) apreender coisas achadas ou obtidas por meios criminosos; c) apreender instrumentos de falsificação ou de contrafação e objetos falsificados ou contrafeitos; d) apreender armas e munições, instrumentos utilizados na prática de crime ou destinados a fim delituoso; e) descobrir objetos necessários à prova de infração ou à defesa do réu; f) apreender cartas, abertas ou não, destinadas ao acusado ou em seu poder, quando haja suspeita de que o conhecimento do seu conteúdo possa ser útil à elucidação do fato; g) apreender pessoas vítimas de crimes; h) colher qualquer elemento de convicção. § 2o Proceder-se-á à busca pessoal quando houver fundada suspeita de que alguém oculte consigo arma proibida ou objetos mencionados nas letras b a f e letra h do parágrafo anterior.

[4] Pet. 5173, AgR-DF, Relator o Ministro Dias Toffoli, Dje 18.11.2014.

 


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