Policiais aposentados ostentam o direito a manter com porte de arma de fogo?

Cuidado com a aplicação normativa no tempo sobre esse tema!

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20 de abril3 min. de leitura

Fala pessoal, tudo certo?

Hoje falaremos sobre um tema extremamente interessante e importante para aqueles que empreendem um estudo mais aprofundado do Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/2003). Naturalmente, as expectativas de cobrança desse assunto se voltam para os certames de carreiras policiais, porém poderá aparecer em qualquer concurso de carreiras jurídicas em que a área criminal seja um dos pontos nevrálgicos.

Não é segredo para ninguém que os agentes de segurança pública – e, dentre eles, os policiais, por óbvio – ostentam o direito de porte de arma de fogo. Nesse sentido aponta o art. 6, II do Estatuto do Desarmamento:

Art. 6º É proibido o porte de arma de fogo em todo o território nacional, salvo para os casos previstos em legislação própria e para: (…) II — os integrantes de órgãos referidos nos incisos do caput do art. 144 da Constituição Federal;

Entretanto, considerando a estrutura normativa então vigente, a doutrina e jurisprudência majoritárias sempre apontaram que esse direito não se manteria com o advento da aposentadoria. Ou seja, se João – agente da polícia civil – viesse a se aposentar, não mais remanesceria o direito de porte de arma de fogo.

Essa orientação se calcava no art. 33 do Decreto 5123/2004, que assim previa:

Art. 33. O Porte de Arma de Fogo é deferido aos militares das Forças Armadas, AOS POLICIAIS federais e estaduais e do Distrito Federal, CIVIS e militares, aos Corpos de Bombeiros Militares, bem como aos policiais da Câmara dos Deputados e do Senado Federal EM RAZÃO DO DESEMPENHO DE SUAS FUNÇÕES INSTITUCIONAIS. § 1º O Porte de Arma de Fogo das praças das Forças Armadas e dos Policiais e Corpos de Bombeiros Militares é regulado em norma específica, por atos dos Comandantes das Forças Singulares e dos Comandantes-Gerais das Corporações. § 2º Os integrantes das polícias civis estaduais e das Forças Auxiliares, QUANDO NO EXERCÍCIO DE SUAS FUNÇÕES INSTITUCIONAIS OU EM TRÂNSITO, poderão portar arma de fogo fora da respectiva unidade federativa, desde que expressamente autorizados pela instituição a que pertençam, por prazo determinado, conforme estabelecido em normas próprias.

Ora, a partir do momento em que os decretos regulamentadores do tema traziam como fundamentação a justificar a observância do porte de arma de fogo justamente o exercício das funções institucionais, era intuitivo apontar que a aposentadoria afastaria o mencionado direito.

Nessa linha de raciocínio, aliás, consolidou-se a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Vejamos:

(…) 1. De acordo com o artigo 33 do Decreto Federal 5.123/2004, que regulamentou o artigo 6º da Lei 10.826/2003, o porte de arma de fogo está condicionado ao efetivo exercício das funções institucionais por parte dos policiais, motivo pelo qual não se estende aos aposentados. 2. Habeas corpus não conhecido (HC 267.058/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 04/12/2014, DJe 15/12/2014).

Como se sabe, o estudo do Estatuto do Desarmamento é extremamente desafiador, porque se trata de uma norma penal em branco, que demanda complementação por regulamentação realizada em atos normativos promovidos pelo Poder Executivo.

Diante disso, é preciso redobrado cuidado para se manter atualizado e verificar as alterações perpetradas por tais normativas. Aliás, no ponto ora estudado, houve uma sensível modificação que gera impacto prático extremamente relevante, em data recente.

Com o advento do Decreto 9785/2019 (já substituído pelo Decreto 9847/2019), o tema recebeu novas roupagens, passando a assim ser regulamentado:

Art. 30.  Os integrantes das Forças Armadas e os servidores dos órgãos, instituições e corporações mencionados nos incisos II, V, VI e VII do caput do art. 6º da Lei nº 10.826, de 2003, transferidos para a reserva remunerada ou APOSENTADOS, para conservarem a autorização de porte de arma de fogo de sua propriedade deverão submeter-se, a cada dez anos, aos testes de avaliação psicológica a que faz menção o inciso III do caput do art. 4º da Lei nº 10.826, de 2003. § 1º O cumprimento dos requisitos a que se refere o caput será atestado pelos órgãos, instituições e corporações de vinculação. § 2º  Não se aplicam aos integrantes da reserva não remunerada das Forças Armadas e Auxiliares as prerrogativas mencionadas no caput.

Diante dessa novidade, apesar de não termos um número significativo de julgados externando a alteração de posição, é inafastável anotarmos que a posição outrora consolidada do Superior Tribunal de Justiça quanto à impossibilidade de porte de arma de fogo para policiais aposentados NÃO MAIS SE SUSTENTA.

Afinal, a norma regulamentadora que conferia supedâneo para essa posição encontra-se revogada e, diferentemente, a atual previsão admite, perfeitamente, essa manutenção, desde que o agente se submeta a alguns requisitos, como a realização de testes de avaliação psicológica a cada 10 (dez) anos.

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido.

Atualizem seus materiais e vamos em frente!

 

Pedro Coelho – Defensor Público Federal e Professor de Processo Penal e Legislação Penal Especial.

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