Aplicação da Pena nos Crimes Militares Ambientais – Parte 2

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Em continuação ao artigo anterior, falemos um pouco da terceira fase de aplicação da pena nos crimes militares ambientais e também das penas em espécie versadas pela Lei n. 9.605/1998, sob o prisma do Direito Castrense.

 

a) Terceira fase de aplicação da pena: pena final:

Neste ponto, obviamente, teremos, tranquilamente, a aplicação das majorantes e minorantes específicas trazidas pela LCA.

Obviamente, será possível a aplicação de causas presentes no Código Penal Militar, a exemplo da causa genérica de diminuição de pena da tentativa, trazida no art. 30 do Código Castrense, mas, certamente, havendo uma minorante ou majorante específica da Lei n. 9.605/1998, deve-se dela lançar mão, prestigiando-se a especialidade e a higidez do sistema repressivo idealizado pelo legislador penal ambiental.

Exemplificativamente, no crime do art. 32 da LCA, deve ser aplicada a majorante do § 2°, segundo a qual a pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal, lembrando-se que, em terceira fase, na fixação da pena final, é possível transpor a pena máxima fixada no preceito secundário do tipo penal.

 

b) Penas em espécie da Lei n. 9.605/1998 e o Direito Castrense:

As penas para as pessoas naturais – que nos interessam nos crimes militares – nos crimes ambientais podem ser privativas de liberdade, restritivas de direito e a pena de multa.

As penas privativas de liberdade e a pena de multa não possuem disposições peculiares na LCA, portanto seguirão o regramento do Código Penal e, em nosso caso, do Código Penal Militar, em algumas peculiaridades.

Frise-se, ademais, que são elas as que estão fixadas nos preceitos secundários dos tipos penais ambientais em espécie, facilitando a compreensão no nosso estudo por se aproximar da realidade do que empregamos na prática diária do Direito Penal Militar.

Trabalhemos com um exemplo para tornar fácil a compreensão de aplicação das mencionadas peculiaridades.

No caso de uma condenação por crime militar ambiental por maus-tratos (art. 32 da LCA) de um militar à pena de detenção de 8 meses, continuaremos a seguir, como já fazemos, dispositivos do Código Penal comum em complemento à omissão da legislação castrense para, por exemplo, a fixação do regime inicial de cumprimento da pena, a adequação do regime etc. Entretanto, não vemos problema em, mesmo em se tratando de uma condenação por crime militar ambiental, aplicar, a pena de prisão, de que trata o art. 59 do CPM, quando não couber a suspensão condicional da execução da pena que, a propósito, em crime ambiental pode ocorrer em condenações até três anos de privação de liberdade (art. 16 da LCA).

A pena de multa, como já dissemos, será aplicada de acordo com os critérios do art. 49 e seguintes do Código Penal.

A previsão específica da LCA está nas penas restritivas de direito, especificamente nos arts. 7º a 13.

Em primeiro plano, tem-se a disposição de quando as penas restritivas de direito substituem as penas privativas de liberdade, no art. 7º:

Art. 7º As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade quando:

I – tratar-se de crime culposo ou for aplicada a pena privativa de liberdade inferior a quatro anos;

II – a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias do crime indicarem que a substituição seja suficiente para efeitos de reprovação e prevenção do crime.

Parágrafo único. As penas restritivas de direitos a que se refere este artigo terão a mesma duração da pena privativa de liberdade substituída.

Importante, de chofre, fixar alguns pontos para a compreensão.

Ao dizer que as penas restritivas de direito do art. 7º são autônomas, a LCA está a fixar que elas se aplicam em lugar das penas privativas de liberdade, não podendo com elas serem cumuladas. Em outros termos, o juiz fixará a pena privativa de liberdade e a multa, que serão cumulativas e, em seguida, substituirá, se preenchidos os requisitos, pela pena restritiva de direito, que será executada de maneira autônoma, ainda que, como impõe o parágrafo único, pelo mesmo prazo de duração da pena restritiva de liberdade que substituiu.

Outro ponto importante é focar a análise nos requisitos, um de ordem objetiva e outro de ordem subjetiva.

No inciso I, como requisito objetivo, como se vê literalmente, a substituição é cabível quando se tratar de crime ambiental culposo, independentemente do quantum de pena aplicada, caso dos crimes dos arts.: 38, parágrafo único; 38-A, parágrafo único; 40, § 3º; 40-A, § 3º; 41, parágrafo único; 49, parágrafo único; 54, § 1º; 56, § 3º; 62, parágrafo único; 67, parágrafo único; 68, parágrafo único; e 69-A.

Alternativamente, ainda como um requisito objetivo do inciso I, também se admitirá a substituição no caso de aplicação de pena privativa de liberdade inferior a quatro anos, divergindo, neste ponto, do Código Penal comum, que permite a substituição nos casos em que a for aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa (art. 44, I, do CP). Frise-se a diferença: no CP é possível a substituição de pena privativa de liberdade de quatro anos; na LCA, não.

Por fim, o requisito subjetivo está no inciso II, devendo o juiz avaliar se a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias do crime indicam que a substituição é suficiente para efeitos de reprovação e prevenção do crime. São conceitos que já estamos acostumados no Direito Penal, inclusive castrense, pois são mensurados em institutos como o da suspensão condicional da execução da pena (art. 84, II, do CPM).

Deve-se notar, também, que a reincidência (em crime doloso), diferentemente do Código Penal comum (art. 44, II, do CP), não impede a substituição na LCA, embora haja entendimento de que sua presença não recomende a substituição[1].

Não é demasiado lembrar que existe entendimento no sentido de que presentes todos os requisitos, a substituição torna-se direito subjetivo do condenado, inclusive com respaldo jurisprudencial da Suprema Corte[2].

Mas a questão é a possibilidade de aplicação da substituição no Direito Castrense.

De partida, a primeira resposta seria em sentido negativo, visto que o Código Penal Militar não trabalha com a lógica da substituição por penas restritivas de direitos, senão pela pena de prisão do art. 59.

Entretanto, como vimos sustentando desde o princípio, o art. 17 do próprio Código Penal Militar possibilita, ao menos teleologicamente, que se dê porosidade aos dispositivos de Parte Geral do CPM, possibilitando a aplicação de regras do sistema mais específico, no caso, trazido pela LCA.

Nesse contexto, perfeitamente possível assimilar a aplicação do art. 7º da LCA nos crimes militares ambientais.

Ademais, não se desconhece que, mesmo em crimes militares tipificados no Código Penal Militar, a prática, ao menos em primeira instância, com a anuência do Ministério Público, tem trabalhado com a possibilidade da substituição de que trata o art. 44 do Código Penal[3], embora se saiba a visão corrente no Superior Tribunal Militar contrária à aplicação da substituição[4].

Pois bem, em se admitindo a substituição, tem-se por penas restritivas de direito:

Art. 8º As penas restritivas de direito são:

I – prestação de serviços à comunidade;

II – interdição temporária de direitos;

III – suspensão parcial ou total de atividades;

IV – prestação pecuniária;

V – recolhimento domiciliar.

A prestação de serviços à comunidade está pormenorizada no art. 9º da LCA e  consiste na atribuição ao condenado de tarefas gratuitas junto a parques e jardins públicos e unidades de conservação, e, no caso de dano da coisa particular, pública ou tombada, na restauração desta, se possível. Obviamente, em se tratando de um dano a próprio da Administração Militar, essa prestação poderá ser direcionada a esse ambiente.

No art. 10 da LCA temos as penas de interdição temporária de direito, que consistem na proibição de o condenado contratar com o Poder Público, de receber incentivos fiscais ou quaisquer outros benefícios, bem como de participar de licitações, pelo prazo de cinco anos, no caso de crimes dolosos, e de três anos, no de crimes culposos.

A suspensão de atividades, disposta no art. 11 da LCA, será aplicada quando estas não estiverem obedecendo às prescrições legais. Sobre esta pena, dispõe-se:

Frente à vagueza e à abertura do art. 11, é necessário recorrer-se a uma interpretação adequada para sua compreensão e para possibilitar sua aplicação prática. Segundo Dino, o artigo sob comento exige a reiteração da conduta do réu. Assim, a presente pena pode ser aplicada nos “casos em que o infrator desenvolva, em caráter habitual ou permanente, atividade da qual resulte um dos tipos penais descritos no Capítulo V, em face de descumprimento de previsões legais ou regulamentares referentes à proteção do meio ambiente”. Ela também será adequada “em relação aos crimes permanentes – necessariamente permanentes ou eventualmente permanentes. Nesses casos, como, p. ex., o lançamento reiterado de resíduos líquidos poluentes em um rio (art. 54, § 2º, V), a suspensão da atividade da qual resulte a poluição implicará a cessação dos efeitos nocivos, evitando-se, pois, a perpetuação do dano ambiental”.[5]

No caso da prestação pecuniária (art. 12 da LCA), consiste ela no pagamento em dinheiro à vítima ou à entidade pública ou privada com fim social, de importância, fixada pelo juiz, não inferior a um salário mínimo nem superior a trezentos e sessenta salários mínimos, dispondo o artigo que o valor pago será deduzido do montante de eventual reparação civil a que for condenado o infrator. Tem-se, então, que, detectando-se, por exemplo, uma determinada comunidade atingida por um ato de poluição praticado pelo agente do crime, a essa comunidade será encaminhada a prestação pecuniária. Todavia, não “sendo possível individualizar qualquer parte ofendida, o montante pode ser destinado a entidades públicas ou privadas com fim social. Note-se que a lei não especificou qual seria tal finalidade, razão pela qual não há necessidade de ser vinculada à proteção do meio ambiente, embora devesse o julgador destinar a verba, preferencialmente, a tais entidades”[6].

Por fim, no art. 13 da LCA temos o recolhimento domiciliar que é baseado na autodisciplina e senso de responsabilidade do condenado, o qual deverá, sem vigilância, trabalhar, frequentar curso ou exercer atividade autorizada, permanecendo recolhido nos dias e horários de folga em residência ou em qualquer local destinado a sua moradia habitual, conforme estabelecido na sentença condenatória.

Além dessas penas consignadas nas disposições gerais da LCA, não se pode olvidar da pena restritiva de direito de proibição de guarda de cão e gato, prevista especificamente no § 1º-A do art. 32 da mesma Lei, fruto da inovação da Lei n. 14.064/2020, ainda muito debatida no que concerne à sua abrangência e sua duração, já que não houve a fixação desses parâmetros pela norma. Indubitavelmente, possível também, em se assimilando o crime militar ambiental, a sua aplicação no Direito Castrense.

[1] KURKOWSKI, Rafael Schwez. Coord. CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista; SOUZA, Renee do Ó. Leis penais especiais comentadas artigo por artigo. Salvador: Juspodivum, 2018, p. 1207.

[2] VANZOLINI, Patrícia; JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. Manual de direito penal. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 502.

[3] Exemplificativamente, veja-se a discussão, no STM, no HC n.  0000164-16.2016.7.00.0000, rel. Min. José Barroso Filho, j. 13/09/2016.

[4] Nesse sentido, vide, no STM, a Apelação n. 7000695-41.2020.7.00.0000, rel. Min. Odilson Sampaio Benzi, j. 18/03/2021.

[5] KURKOWSKI, Rafael Schwez. Coord. CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista; SOUZA, Renee do Ó. Leis penais especiais comentadas artigo por artigo. Salvador: Juspodivum, 2018, p. 1209.

[6] NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. Rio de Janeiro: Grupo GEN, 2020, v. 2, p. 559.

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