Cabe perdão judicial no crime militar de homicídio culposo?

Avatar


23 de julho4 min. de leitura

Uma interessante discussão sobre no crime de homicídio culposo está na possibilidade ou não de aplicação do perdão judicial, já que o Código Penal Militar prevê expressamente essa possibilidade, ao contrário do que prevê o § 5º do art. 125 do CP:

§ 5º – Na hipótese de homicídio culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária.

O instituto também se aplica à lesão corporal culposa, por força do disposto no § 8º do art. 129 do CP.

A ausência dessa figura no CPM fomenta discussões, havendo aqueles que admitem a aplicação do instituto por analogia in bonam partem e outros que o rechaçam.

Vale a pena, no seu estudo, fazer um apanhado jurisprudencial, inclusive com a evolução da compreensão do Superior Tribunal Militar, argumento importante para o concurso para provimento do cargo de Promotor de Justiça Militar.

O Superior Tribunal Militar não aceitava a figura do perdão judicial. Nesse sentido, vide o acórdão proferido na Apelação n. 1999.01.048242-3/SP, julgada em 26 de agosto de 1999, sob relatoria do Ministro Germano Arnoldi Pedrozo, cuja ementa traz:

Apelação. Lesão culposa. Perdão Judicial. Inaplicabilidade. Age com imprudência o militar que ao fazer demonstração de arma de fogo municiada, manuseia-a sem o dever de cuidado e observância às regras exigidas, causando lesão em companheiro de farda, ainda mais em se tratando de militar experiente com armamento militar. A aplicação subsidiária do perdão judicial importa em extinção da punibilidade, hipótese não prevista no elenco constante do art. 123 do CPM. Apelo improvido. Decisão unânime.

Em 28 de março de 2006, o STM confirmou essa visão ao julgar a Apelação n. 2005.01.050089-8/DF, sob relatoria do Ministro Flávio Flores da Cunha Bierrenbach, que apresenta na ementa:

APELAÇÃO – HOMICÍDIO CULPOSO. DISPARO ACIDENTAL. FATO TÍPICO E ILÍCITO. CULPABILIDADE PRESENTE. EXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. AUTORIA E MATERIALIDADE PROVADAS. PERDÃO JUDICIAL. INAPLICABILIDADE. FIGURA ESTRANHA AO DIREITO PENAL MILITAR. 1 – Recurso defensivo contra decisão do Conselho Permanente de Justiça da Auditoria da 11ª Circunscrição Judiciária Militar, que condenou soldado do Exército à pena de 01 ano de prisão, como incurso no artigo 206 do Código Penal Militar, com benefício do ‘sursis’ pelo prazo de 02 anos; 2 – Militar vítima de homicídio culposo, decorrente de disparo acidental resultante de demonstração de procedimentos de segurança; 3 – O agente do crime praticou ação voluntária, que deu causa a resultado lesivo não querido, mas previsível e evitável. Declarou em juízo que tinha consciência das possibilidades de disparo de uma arma carregada e municiada; 4 – Agente imputável, conhecedor do caráter ilícito da conduta, sendo-lhe exigível comportamento conforme o direito. Culpabilidade presente; 5 – Não há possibilidade de aplicação do perdão judicial ao presente caso, por tratar-se de figura estranha ao direito penal militar; 6 – Apelo improvido. Sentença mantida. Decisão unânime.

Esta era o vetor seguido pela Corte Maior Castrense, que foi alterado, como veremos adiante.

A possibilidade de perdão judicial para o crime de homicídio culposo, como sustentamos – eu e Marcello Streifinger – parece evidente, podendo ser construída, como dito acima, a partir da analogia in bonam partem, trasladando o instituto trazido no Código Penal comum, no caso no § 5º do art. 121, para os crimes militares praticados nas mesmas condições.

Não é pacífica, obviamente, essa visão, contudo é possível verificar outros doutrinadores que a defendem.

Iniciando por Ronaldo João Roth:

(…) as hipóteses de extinção da punibilidade não se esgotam no âmbito do CPM como, por exemplo, ocorre no caso do perdão judicial no Código Penal Comum (CP Comum) previsto para o homicídio culposo ou para a lesão corporal culposa.

A aplicação de causas de extinção da punibilidade, previstas na legislação penal comum aos casos previstos no CPM, são tecnicamente possíveis em face da analogia, como já defendemos expressamente no nosso artigo “A aplicação dos institutos do Direito Penal Comum no Direito Penal Militar” (ROTH Ronaldo João. Crime de exercício de comércio por oficial: a perda do posto e da patente como causa inominada de extinção da punibilidade. Revista da Associação dos Magistrados das Justiças Militares Estaduais – AMAJME, n. 80, p. 35, nov./dez. 2009).

No plano Jurisprudencial, também é possível verificar a aceitação do instituto fora das causas expressas do CPM, exatamente como no caso do homicídio culposo (e da lesão corporal culposa).

A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Habeas Corpus n. 91.155/SP, em 21 de junho de 2007, sob relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski, embora instada, não decidiu acerca do cabimento de perdão judicial em crimes militares, pela impossibilidade da via eleita. Entretanto, embora não tenha dado guarida a essa possibilidade, ao menos não a negou peremptoriamente, entendendo que merece estudo mais detido. Leciona a ementa:

HABEAS CORPUS. PENAL. PROCESSUAL PENAL. CRIME MILITAR. PENA DE DETENÇÃO. SURSIS. PERDÃO JUDICIAL. IMPOSSIBILIDADE PELA VIA ELEITA. SUBSTITUIÇÃO DE PENA. DESCABIMENTO EM CRIME MILTARES. PRECEDENTE. ORDEM DENEGADA. I – O pedido de perdão judicial, não previsto na legislação castrense, demanda profundo exame de provas, sendo descabido em sede de habeas corpus; II – Não cabe substituição de pena privativa de liberdade por restritiva de direitos em delitos militares, sendo inaplicável a analogia na espécie; III – Ordem denegada.

Como acima suscitado, o STM parece ter mudado sua antiga compreensão. Em 17 de agosto de 2017, no julgamento da Apelação nº 46-62.2014.7.08.0008-PA, por unanimidade, o STM manifestou-se no sentido de que o perdão judicial, na Justiça Militar da União, é cabível desde que as consequências advindas do cometimento do crime atinjam o agente de forma tão grave, que tornem a sanção penal cruel e desnecessária. A ementa ensina:

Apelação. Recurso Defensivo. Homicídio culposo. Disparo acidental de arma de fogo. Materialidade e autoria comprovadas. Perdão judicial afastado. Circunstâncias judiciais analisadas proporcionalmente. Atenuante da confissão não reconhecida. Agravantes de “à traição” e “com o emprego de arma, material ou instrumento de serviço, para esse fim procurado”. Aplicação restrita aos crimes dolosos. Atenuante da menoridade aplicada no mínimo legal preponderante. Fundamentação específica. Compensação entre as circunstâncias legais “de estar o agente de serviço” e da “menoridade”. Possibilidade. Agravante especial do art. 206, § 12, do CPM. Incidência do espectro do art. 73 do CPM. Provimento parcial do recurso defensivo. Decisão unânime. (…) II – O perdão judicial é medida de política criminal, com previsão apenas na Lei Penal comum, permitindo ao juiz deixar de aplicar a pena em situações excepcionais. No âmbito da Justiça Militar da União, também pode ser aplicado, mas somente se as consequências, advindas pelo cometimento do crime, atingirem o agente de forma tão grave, que tornem a sanção penal cruel e desnecessária. (…) IX – Provimento parcial do recurso defensivo.

Fortemente recomendável, portanto, especialmente em provas subjetivas, que o concursando conheça essa evolução, o que lhe trará maiores argumentos para discutir o tema e conquistar uma boa nota por parte do examinador. Em provas objetivas, a depender do enunciado, a visão estrita do CPM, sem o perdão judicial, poderá prevalecer.

Avatar


23 de julho4 min. de leitura