Vamos estudar algumas questões cobradas na prova de 2021 no concurso para Procurador do Tribunal de Contas do Distrito Federal. Na prova objetiva aplicada pelo CESPE/CEBRASPE, constava a seguinte afirmação sobre extinção do contrato:
“A concessão de aposentadoria voluntária ao trabalhador não extingue, instantânea e automaticamente, o seu vínculo de emprego”
O item está correto. Vamos entender a evolução da jurisprudência sobre o tema. Antigamente, o Tribunal Superior do Trabalho entendia que a aposentadoria espontânea extinguia o contrato de trabalho, em especial por força do art. 453, § 2º, da CLT:
“Art. 453 (…)
§ 2º O ato de concessão de benefício de aposentadoria a empregado que não tiver completado 35 (trinta e cinco) anos de serviço, se homem, ou trinta, se mulher, importa em extinção do vínculo empregatício.”
Contudo, diversas críticas sempre surgiram quanto a esse entendimento. Em primeiro lugar, diversos preceitos normativos constitucionais incentivam a manutenção do vínculo de emprego, tal como o valor social do trabalho, o primado do trabalho e o princípio da busca do pleno emprego:
“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;”
“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
VIII – busca do pleno emprego;”
“Art. 193. A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais.”
Além disso, haveria uma incoerência no sistema. Quando o trabalhador comete uma falta grave, o empregador não é obrigado a dispensá-lo por justa causa. Logo, se nem assim o contrato é automaticamente extinto, com muito mais razão não se poderia extinguir o contrato quando o trabalhador simplesmente exerce um direito constitucionalmente assegurado que é a aposentadoria.
Aliás, o trabalhador contribui diretamente para a Previdência, sendo que se trata de uma relação que não possui o condão de influenciar a relação do empregado com o empregador.
Dessa forma, não tardou o Supremo Tribunal Federal entender que o referido preceito é inconstitucional. Veja a ementa da ADI 1721:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGO 3º DA MEDIDA PROVISÓRIA Nº 1.596-14/97, CONVERTIDA NA LEI Nº 9.528/97, QUE ADICIONOU AO ARTIGO 453 DA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO UM SEGUNDO PARÁGRAFO PARA EXTINGUIR O VÍNCULO EMPREGATÍCIO QUANDO DA CONCESSÃO DA APOSENTADORIA ESPONTÂNEA. PROCEDÊNCIA DA AÇÃO. 1. A conversão da medida provisória em lei prejudica o debate jurisdicional acerca da “relevância e urgência” dessa espécie de ato normativo. 2. Os valores sociais do trabalho constituem: a) fundamento da República Federativa do Brasil (inciso IV do artigo 1º da CF); b) alicerce da Ordem Econômica, que tem por finalidade assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, e, por um dos seus princípios, a busca do pleno emprego (artigo 170, caput e inciso VIII); c) base de toda a Ordem Social (artigo 193). Esse arcabouço principiológico, densificado em regras como a do inciso I do artigo 7º da Magna Carta e as do artigo 10 do ADCT/88, desvela um mandamento constitucional que perpassa toda relação de emprego, no sentido de sua desejada continuidade. 3. A Constituição Federal versa a aposentadoria como um benefício que se dá mediante o exercício regular de um direito. E o certo é que o regular exercício de um direito não é de colocar o seu titular numa situação jurídico-passiva de efeitos ainda mais drásticos do que aqueles que resultariam do cometimento de uma falta grave (sabido que, nesse caso, a ruptura do vínculo empregatício não opera automaticamente). 4. O direito à aposentadoria previdenciária, uma vez objetivamente constituído, se dá no âmago de uma relação jurídica entre o segurado do Sistema Geral de Previdência e o Instituto Nacional de Seguro Social. Às expensas, portanto, de um sistema atuarial-financeiro que é gerido por esse Instituto mesmo, e não às custas desse ou daquele empregador. 5. O Ordenamento Constitucional não autoriza o legislador ordinário a criar modalidade de rompimento automático do vínculo de emprego, em desfavor do trabalhador, na situação em que este apenas exercita o seu direito de aposentadoria espontânea, sem cometer deslize algum. 6. A mera concessão da aposentadoria voluntária ao trabalhador não tem por efeito extinguir, instantânea e automaticamente, o seu vínculo de emprego. 7. Inconstitucionalidade do § 2º do artigo 453 da Consolidação das Leis do Trabalho, introduzido pela Lei nº 9.528/97. (ADI 1721, Relator(a): CARLOS BRITTO, Tribunal Pleno, PUBLIC 29-06-2007)
O Tribunal Superior do Trabalho, então, editou a Orientação Jurisprudencial 361 que reconhece a mesma lógica do STF:
“A aposentadoria espontânea não é causa de extinção do contrato de trabalho se o empregado permanece prestando serviços ao empregador após a jubilação. Assim, por ocasião da sua dispensa imotivada, o empregado tem direito à multa de 40% do FGTS sobre a totalidade dos depósitos efetuados no curso do pacto laboral.”
Assim, concedida a aposentadoria, caso o empregado decida continuar trabalhando, o vínculo de emprego permanece hígido, sendo que eventual rescisão promovida pelo empregador será considerada sem justa causa, sujeitando-o ao pagamento de todas as verbas derivadas essa modalidade, o que inclui a multa de 40% do FGTS sobre todos os depósitos realizados durante a contratualidade.
Outro item da prova tratava da estabilidade do empregado após o acidente de trabalho:
“O empregado que retornar ao trabalho depois de cessado o seu auxílio-doença acidentário terá direito à estabilidade pelo prazo mínimo de dois anos, desde que não tenha recebido auxílio-acidente”.
O item está claramente errado. O empregado que sofre acidente de trabalho e é afastado por mais de 15 dias, recebe o auxílio-doença acidentário. Após o fim do benefício, com o retorno do empregado, surge a estabilidade por 12 meses, independentemente de qualquer auxílio-acidente.
Veja o art. 118 da Lei 8.213/91:
“Art. 118. O segurado que sofreu acidente do trabalho tem garantida, pelo prazo mínimo de doze meses, a manutenção do seu contrato de trabalho na empresa, após a cessação do auxílio-doença acidentário, independentemente de percepção de auxílio-acidente”.
Ressalte-se, ainda, por ser relevante, o conteúdo da Súmula 378, II, do TST:
“ESTABILIDADE PROVISÓRIA. ACIDENTE DO TRABALHO. ART. 118 DA LEI Nº 8.213/1991.
II – São pressupostos para a concessão da estabilidade o afastamento superior a 15 dias e a conseqüente percepção do auxílio-doença acidentário, salvo se constatada, após a despedida, doença profissional que guarde relação de causalidade com a execução do contrato de emprego.”
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