Comprovação no processo judicial previdenciário de atividades especiais referentes a períodos de trabalho exercidos junto a empresas extintas – o caso do frentista.

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Queridos amigos do Gran!

Trago hoje para vocês algumas notas sobre uma situação frequente no processo judicial previdenciário no tópico da aposentadoria especial. Vamos partir de uma situação hipotética, inicialmente, para expormos o ponto central de nosso artigo de hoje.

Imagine que você, como advogado(a), recebeu um cliente em seu escritório e na entrevista e “anamnese jurídica” de seu patrimônio previdenciário, identificou que ele tinha alguns períodos de trabalho exercido em condições especiais. Imediatamente, você solicitou a ele a entrega do PPP – Perfil Profissiográfico Previdenciário referente a cada período. Na entrevista, você colheu a informação com ele de que esses períodos especiais de trabalho ocorreram na função de frentista.

Ocorre que em um dos períodos, ele informou que o PPP estava incompleto, já que esse documento não indicava quais eram os agentes nocivos incidentes na atividade exercida.

No PPP incompleto constava, contudo, que o empregador era um autoposto (PRC – Posto Revendedor de Combustíveis). Também constava que a função do segurado era de FRENTISTA. A profissiografia descrevia que ele fazia o atendimento dos clientes, abastecendo os veículos com os combustíveis extraídos das bombas de reabastecimento presentes no pátio do estabelecimento.

Mas, apesar dessa descrição correta do cargo, não havia no PPP qual era o agente nocivo incidente.

Já nos demais períodos de trabalho nos quais ele também havia laborado como frentista, embora para outros empregadores, o PPP estava completo e no campo de agentes nocivos constava a indicação de que o trabalhador estava trabalhando exposto a hidrocarbonetos aromáticos (tolueno e benzeno).

O PPP incompleto até indicava no campo 15.2 que se tratava de agente químico (Q), mas no campo 15.3, a descrição do fator de risco incidente limitou-se a apontar que havia exposição a agentes químicos, sem nenhuma indicação de qual era, especificamente, a substância química que gravava de ônus a saúde do trabalhador.

Seria possível o uso dos PPPs completos dos demais empregadores, já que são documentos que atestaram corretamente a incidência de agentes nocivos em situações de trabalho aparentemente muito semelhantes?

Pois bem, vamos analisar essa questão do ponto de vista, primeiro, do direito de o frentista efetivamente obter aposentadoria especial e, segundo, qual a forma de comprovação da exposição ao agente nocivo. Para entender se há ou não direito à aposentadoria especial, devemos promover uma análise dentro de cada ótica possível, se no processo administrativo ou se no processo judicial.

Sabemos que a aposentadoria especial encontra grande flexibilização de análise no âmbito do Poder Judiciário e, por isso, é muito importante saber se há ou não acolhimento do direito à aposentadoria especial também no campo administrativo. Se o INSS entender cabível certo tipo de atividade como sendo especial, obviamente, não há necessidade de ajuizamento de ação.

Quanto aos frentistas, entretanto, o entendimento ADMINISTRATIVO da autarquia previdenciária NÃO É FAVORÁVEL, negando peremptoriamente o reconhecimento de atividade especial para esses profissionais. Para o período anterior a 28/04/1995, quando até então era possível o reconhecimento de atividade especial pelo mero enquadramento, o fundamento adotado é que não consta do rol de atividades enquadráveis a profissão de frentista. Sobre as atividades enquadráveis para fins de aposentadoria especial, elas estavam previstas em antigos decretos regulamentadores da aposentadoria especial, quais sejam, os Decreto 53.831/64 e 83.080/79. Cabe registrar que na esfera recursal do CRPS – Conselho de Recursos da Previdência Social há entendimento favorável para o reconhecimento da atividade de frentista com base no código 1.2.11, do Anexo III, do Decreto 53.831/64 (Processo CRPS n. 36624.000792/2014-36, Conselho Pleno). De todo modo, cabe lembrar que o CRPS é órgão distinto, integrando o Ministério da Previdência Social, não componente da estrutura autárquica do INSS. Por isso, não necessariamente o entendimento firmado no âmbito do CRPS será o mesmo do INSS.

Já para o período posterior a 28/04/1995, há certa variação de entendimentos administrativos. No Manual de Aposentadoria Especial do INSS, deixa-se claro que para que “o período seja reconhecido como atividade especial, o agente nocivo, obrigatoriamente, deve constar nos anexos dos decretos previdenciários e a exposição precisa ser indissociável da produção do bem, ou da prestação do serviço, em decorrência da subordinação jurídica a qual se submete o trabalhador”. Em outras palavras, para melhor ilustrar a forma de pensar da autarquia previdenciária no que toca aos agentes nocivos para o período pós 28/04/1995, deve-se ter em mente que o rol de agentes nocivos é exaustivo, enquanto que as atividades listadas, nas quais pode haver a exposição, é exemplificativa. No rol do anexo IV do Decreto 3.048/99, pode-se encontrar a substância benzeno e tolueno dentro do código 1.0.3 e nos grupos I e II, do código 1.0.19, o que atenderia ao requisito mencionado acima acerca do rol de agentes nocivos ser exaustivo. Entretanto, o INSS por vezes entende que a função de frentista não pode ser comparada com a lista de atividades que exemplificadamente aparece naquele código 1.0.19, as quais, em geral, mencionam atividades de fabricação e de produção em ambientes fechados.

De outro lado, o que mostra a insegurança jurídica quanto à atividade especial do frentista, no próprio Manual de Aposentadoria do INSS consta manifestação favorável ao reconhecimento de aposentadoria especial aos frentistas a partir da Portaria MTPS 1109/2016, senão vejamos:

No caso de tratar-se de PRC, por força da Portaria MTPS nº 1.109/2016, a informação de exposição à gasolina deve ser considerada, uma vez que de acordo com item 13.1 desta normativa: “A GASOLINA CONTÉM BENZENO, SUBSTÂNCIA CANCERÍGENA”. (…) Com base no Memorando-Circular Conjunto nº 2/DIRSAT/DIRBEN/INSS de 23 de julho de 2015, não se deve considerar o uso de EPC/EPI, ainda que declaradamente eficaz, ara períodos trabalhados a partir de 08 de outubro de 2014.

Já no PODER JUDICIÁRIO, tem sido reconhecida com mais facilidade a atividade especial do frentista, seja no período anterior a 28/04/1995, seja no período posterior a tal marco temporal. Em geral, tem-se extraído o entendimento de que em havendo demonstração do contato com agentes nocivos por meio de laudo ou formulário, é possível o reconhecimento da atividade especial.

Vejamos nesse sentido o TEMA 157, dos representativos de controvérsia da Turma Nacional de Uniformização:

Questão submetida a julgamento

Saber se é presumida a periculosidade da atividade do frentista e se é devido o reconhecimento da especialidade do serviço prestado, com a consequente conversão em tempo comum, para fins de concessão de aposentadoria por tempo de contribuição.

Tese firmada

Não há presunção legal de periculosidade da atividade do frentista, sendo devida a conversão de tempo especial em comum, para concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, desde que comprovado o exercício da atividade e o contato com os agentes nocivos por formulário ou laudo, tendo em vista se tratar de atividade não enquadrada no rol dos Decretos n. 53.831/64 e 83.080/79.

Vejamos, ainda, julgado do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. ATIVIDADE ESPECIAL. AGENTES NOCIVOS. RECONHECIMENTO. AGENTES QUÍMICOS. FRENTISTA.

(…) De acordo com a jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, é possível reconhecer como especial a atividade de frentista, ainda que não prevista expressamente nos decretos regulamentadores, seja pela nocividade da exposição a hidrocarbonetos aromáticos, seja pela periculosidade decorrente das substâncias inflamáveis, quando comprovada a exposição do trabalhador aos agentes nocivos durante a sua jornada de trabalho. (…)

(TRF4, AC 5000303-96.2018.4.04.7000, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, juntado aos autos em 28/10/2020)

Em conclusão à nossa primeira indagação acerca do direito ou não de reconhecimento da atividade especial do frentista, tem-se que na esfera administrativa haverá maiores entraves para isso, enquanto que esfera judicial, a jurisprudência tem reconhecido o direito em qualquer época, desde que haja a COMPROVAÇÃO DA INCIDÊNCIA DE AGENTES NOCIVOS POR MEIO DE FORMULÁRIO OU LAUDO.

No aspecto da comprovação, portanto, já temos também resposta.

Deve haver a apresentação completa do PPP, com indicação do fator de risco.

No caso, como vimos acima, o Manual de Aposentadoria do INSS indica que o termo “GASOLINA” pode ser considerado para preenchimento do campo 15.3, do PPP, de acordo com a Portaria MTPS nº 1.109/2016. Além disso, com base no Memorando-Circular Conjunto nº 2/DIRSAT/DIRBEN/INSS de 23 de julho de 2015, não se deve considerar o uso de EPC/EPI, ainda que declaradamente eficaz, para períodos trabalhados a partir de 08 de outubro de 2014 (data da publicação da LINACH pela Portaria Interministerial nº 09/2014), POR SE TRATAR O BENZENO DE SUBSTÂNCIA CANCERÍGENA inclusa na LINACH – Lista Nacional de Agentes Cancerígenos para Humanos.

Visto isso, voltemos à pergunta inicial extraída do nosso caso concreto: o questionamento referente à comprovação da atividade especial de frentista em relação ao cliente que levou a documentação de certos períodos trabalhados em postos revendedores de combustíveis, mas que em um dos períodos o PPP não estava completo.

NESSE CASO, SERIA POSSÍVEL USAR UM PPP DE UMA EMPRESA SEMELHANTE PARA COMPROVAR PERÍODO ESPECIAL LABORADO EM OUTRA?

Tenho que sim, é possível.

No processo judicial previdenciário já se consolidou o entendimento de que pode haver prova pericial por similaridade, isto é, a realização de laudo pericial ambiental em uma determinada empresa que possua condições de trabalho semelhantes àquelas que eram encontradas em outra empresa. Essa hipótese é uma proposta frequente nas circunstâncias em que uma das empresas em que o segurado trabalhou está atualmente extinta e não há, por isso, como pedir a retificação de PPP ou, mesmo, a entrega de LTCAT.

A produção de prova pericial por similaridade produziria o efeito de uma prova indireta, de modo a permitir por indução que um determinado fato particular existe ou existiu. É o caso da comprovação de um mesmo ambiente laboral, com as mesmas potencialidades maléficas de incidência de agentes nocivos químicos observada em outros estabelecimentos iguais. Se pela observação geral dos postos revendedores de combustíveis, um frentista trabalha exposto a benzeno pela proximidade de exposição à gasolina, o PPP emitido por uma empresa pode servir para a comprovação da atividade especial em outra empresa, se as condições forem as mesmas.

Nesse sentido, vale citar a doutrina do Prof. SAVARIS:

Por fim, a prova será direta se tiver por objeto imediato o fato que se quer comprovar. Ela mesma se refere ao fato principal que se deseja comprovar. A prova indireta, de sua vez, indica a existência de um fato próximo àquele que se pretende comprovar, permitindo a conclusão da existência do fato principal por meio de um juízo de presunção, de maneira que evidenciada a existência de um fato, por um raciocínio de presunção, chega-se ao fato probando.

Savaris, José Antonio. Direito Processual Previdenciário 2021 (p. 545). Alteridade Editora. Edição do Kindle.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é tranquila em admitir a prova pericial indireta ou por similaridade quando o segurado não conseguir comprovar a atividade especial diretamente pelos documentos que a lei exige a apresentação:

[…] em casos pontuais, nos quais o segurado pretenda comprovar atividade especial e tenha esgotado, sem êxito, as possibilidades de conseguir os documentos exigidos para tal fim, poderá o julgador, excepcionalmente, admitir outros meios prova, por exemplo, perícia técnica por similaridade”. (REsp n. 1.830.508/RS, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Seção, julgado em 9/12/2020, DJe de 2/3/2021.)

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  1. Nas hipóteses em que não for possível a realização de perícia no local onde o serviço foi prestado, admite-se a feitura de perícia indireta ou por similitude, por meio do estudo técnico, em outro estabelecimento que apresente condições de trabalho semelhantes a que estava submetido o segurado, para fins de comprovação de atividade especial. (…)

(STJ, REsp 1.436.160/RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, DJe de 05/04/2018).

Portanto, respondendo nosso questionamento inicial, será possível ajuizar ação para o reconhecimento do período especial daquele cliente que apresentou PPP incompleto e que a empresa emitente do documento já se encontra fechada. De acordo com nossa linha de exposição, poderá ser requerido o reconhecimento da atividade especial de frentista por meio do PPP completo de outro período, em empresa semelhante (Posto Revendedor de Combustível).

Nesse caso, recomenda-se, contudo, que seja pleiteada subsidiariamente prova pericial indireta, com designação de perícia judicial in loco, na empresa similar indicada, caso o juiz não aceita apenas a juntada de PPP semelhante. Esse é o entendimento que também se observa no Tribunal Regional Federal da 4ª Região:

Extinta a empresa em que laborou o segurado, deve ser admitida como prova perícia realizada em empresa similar, com observância das mesmas atividades desempenhadas e condições de trabalho.

(TRF4 5000211-51.2010.4.04.7113, QUINTA TURMA, Relatora TAÍS SCHILLING FERRAZ, juntado aos autos em 06/05/2016)

Também se recomenda a produção de depoimento pessoal do segurado e de oitiva de testemunhas que conheçam ambos os estabelecimentos, a fim de reforçar a alegação de que o segurado efetivamente trabalhava como frentista exposto a agentes nocivos.

Cabe, por fim, anotar, que há em tramitação um Projeto de Lei (PL 47/2016[1]) que tem como objeto o reconhecimento da atividade especial do frentista, o que facilitará sobremaneira a proteção dos direitos previdenciários desses trabalhadores.

Muito bem, meus caríssimos, espero ter ajudado!

Se houver dúvidas, não hesitem em me procurar.

 

Grande abraço,

Prof. Frederico Martins

@prof.fredericomartins

 


[1] Altera a Lei dos Benefícios da Previdência Social (Lei nº 8.213/1991) para estabelecer que a percepção do adicional de periculosidade decorrente da operação de abastecimento de combustíveis é prova suficiente para a concessão de aposentadoria especial e contagem de tempo de trabalho especial aos segurados.

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