No dia 18 de abril de 1961, a Conferência das Nações Unidas sobre Relações e Imunidades Diplomáticas encerrava-se em Viena, capital da Áustria, com a assinatura de um histórico tratado que visava a codificar o que já se praticava havia séculos no relacionamento entre os Estados. Ainda que a humanidade vivesse as tensões da Guerra Fria e o temor de uma terceira guerra mundial, a criação da ONU, o desejo de consolidação da paz mundial e respeito à soberania estatal – no âmbito da tendência crescente pela descolonização – pareciam falar mais alto.
Os 53 artigos da Convenção, que foram internalizados no direito brasileiro pelo Decreto-Lei n. 56.435, de 8/6/1965, não pretendiam elencar todas as regras de relações e imunidade diplomáticas, mas disciplinar o que se considerava mais relevante. Assim, as normas do direito internacional consuetudinário, conforme afirmado no próprio Preâmbulo da Convenção, continuariam a vigorar[1].
Muito do jargão utilizado no meio diplomático (e reproduzido na imprensa quando trata do tema) está definido na Convenção de Viena de 1961. Assim, por exemplo, o art. 4 afirma que “o Estado acreditante [aquele que envia um diplomata que irá representá-lo] deverá certificar-se de que a pessoa que pretende nomear como Chefe da Missão [pessoa encarregada pelo Estado acreditante de agir nessa qualidade] perante o Estado acreditado [aquele que recebe o diplomata] obteve o Agrément [aceitação] do referido Estado”.
Ou seja, “o estabelecimento de relações diplomáticas entre Estados e o envio de Missões diplomáticas permanentes efetua-se por consentimento mútuo” (Art. 2). Nenhum Estado pode escolher livremente como será representado em outro, pois depende da concordância de quem recebe os diplomatas. Essa concordância não é apenas inicial, mas deve ser permanente, pois, sem necessidade de justificar sua decisão, o Estado acreditante pode declarar persona non grata, a qualquer momento, um membro do pessoal diplomático de qualquer missão (representação do Estado acreditado)[2].
Os membros do pessoal diplomático deverão ter, em princípio, a mesma nacionalidade do Estado acreditante. Ou seja, a exigência brasileira de que os diplomatas que representam nosso país sejam brasileiros natos não está no direito internacional, mas em nossa Constituição Federal de 1988. Já o Chefe da Missão, aquele entre os membros do pessoal diplomático que o Estado acreditante tem como o responsável maior de seus interesses, poderá estar em três classes: a) Embaixador ou Núncio (da Santa Sé); b) Enviado, Ministro ou Internúncio; c) Encarregado de Negócios.
No caso brasileiro, para ser nomeado(a) Embaixador(a), o(a) diplomata precisa pertencer à classe de Ministro de Primeira Classe, último degrau da carreira diplomática. Excepcionalmente, um(a) Ministro(a) de Segunda Classe pode ser designado(a) Embaixador(a) em postos de categorias C e D, e um(a) Conselheiro(a) com tese de CAE[3] aprovada, em postos D. Se não houver um diplomata para responder pelo posto, excepcional e temporariamente um funcionário administrativo pode exercer as funções de Encarregado(a) de Arquivos[4].
A Convenção de Viena de 1961 também elenca regras de privilégios e imunidades. Em geral, salvo exceções previstas na própria Convenção, os membros do corpo diplomático e seus familiares têm imunidade quanto à jurisdição do Estado acreditado. Isso se aplica ao direito penal e a boa parte do direito civil, salvo ações que envolvam questões mobiliárias, sucessórias e de exercício de atividades liberais. Isso não significa, no entanto, isenção da jurisdição do Estado acreditante. Ou seja, se, por exemplo, cometer um crime no país onde serve, o(a) diplomata será julgado(a) em seu próprio país. É possível, no entanto, que o Estado acreditante renuncie à imunidade de jurisdição (Art. 32).
Os diplomatas também estão isentos de impostos, taxas e direitos aduaneiros. Na prática, porém, boa parte de seus gastos em território do Estado acreditante onde servem acaba sendo taxada, pois os impostos indiretos incluídos nos preços das mercadorias (como nosso ICMS) só são excluídos quando o Estado acreditante fornece aos diplomatas identificação que o permita, na compra em alguns locais específicos, apresentá-la para a isenção desses impostos, o que não ocorre com frequência.
O agente diplomático, assim como seus familiares, tampouco pode exercer atividades profissionais ou comerciais remuneradas. Essa regra, no entanto, é frequentemente flexibilizada quando houver acordo bilateral que permita aos cônjuges de diplomatas trabalharem no país onde serve seu(sua) respectivo(a) parceiro(a).
Por fim, as regras da Convenção de Viena de 1961 devem ser aplicadas mesmo em casos de ruptura das relações diplomáticas ou de conflitos armados. Ao ocorrer tal situação, o Estado acreditado deverá conceder facilidades para que as pessoas que gozem de privilégios e imunidades “possam deixar o seu território o mais depressa possível. Especialmente, deverá colocar à sua disposição se necessário, os meios de transporte indispensáveis para tais pessoas e seus bens” (Art. 44). O mesmo vale para os locais da Missão, que devem ser respeitados e protegidos. Em casos extremos, como o de conflitos armados, se houver concordância do Estado acreditado, um terceiro Estado acreditante pode assumir a proteção temporária dos interesses de outro Estado (Art. 46).
Recomenda-se fortemente a leitura atenta da Convenção de Viena de 1961, assim como de outros acordos internacionais emblemáticos, na preparação para o Teste de Pré-Seleção (TPS) – prova da Primeira Fase do Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata (CACD) –, assim como para a prova de Direito da Terceira Fase do CACD.
[1] O direito consuetudinário sempre teve maior relevância no direito internacional do que no direito interno dos Estados. Isso decorre da própria dificuldade de positivação do direito no plano internacional.
[2] Essa declaração significa a necessidade de retirada imediata do diplomata assim declarado, sob pena de perda da imunidade garantida pela Convenção.
[3] Curso de Altos Estudos, cuja aprovação é necessária para a promoção entre as classes de Conselheiro e Ministro de Segunda Classe.
[4] Esse termo foi herdado da época em que o mundo estava em guerra e, em caso de evacuação do pessoal lotado no posto, era incumbência do Oficial de Chancelaria fechar o posto e carregar os arquivos consigo.
Prof.Jean Marcel Fernandes – Coordenador Científico
Nomeado Terceiro-Secretário na Carreira de Diplomata em 14/06/2000. Serviu na Embaixada do Brasil em Paris, entre 2001 e 2002. Concluiu o Curso de Formação do Instituto Rio Branco em julho de 2002. Lotado no Instituto Rio Branco, como Chefe da Secretaria, em julho de 2002. Serviu na Embaixada do Brasil em Buenos Aires – Setor Político, entre 2004 e 2007. Promovido a Segundo-Secretário em dezembro de 2004. Concluiu Mestrado em Diplomacia, pelo Instituto Rio Branco, em julho de 2005. Publicou o livro “A promoção da paz pelo Direito Internacional Humanitário”, Fabris Editor, Porto Alegre, em maio de 2006. Saiba +
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